A ideologia delirante de Ernesto Araujo
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- Alexandre Araújo Costa
- 04/12/2018
Há seis anos, Donald Trump usava a sua rede social favorita, o Twitter, para expor toda sua ignorância a respeito da questão climática, ao afirmar que "o conceito do aquecimento global" teria sido "criado pelos chineses" para prejudicar a economia dos EUA. Naquele momento, mal imaginávamos que ele chegaria à presidência dos EUA e, coerente com esse ponto de vista bizarro, retiraria seu país do acordo global sobre o clima celebrado em Paris, em 2015. Muito menos imaginaríamos, porém, que dois anos depois seria a vez de o Brasil não apenas eleger um presidente de extrema-direita como que esse presidente eleito anunciaria um negacionista climático para as Relações Exteriores.
Dentre os despautérios do futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, estão a afirmação de que tudo o que a comunidade de cientistas do clima tem apresentado é uma "tática global servindo para justificar o aumento do poder regulador dos Estados". Ele chega a cunhar um neologismo ("climatismo") para definir o que, para ele, não é mais do que uma "ideologia", ou mais absurdo ainda, um "dogma" voltado para "atacar direitos individuais", dentre os quais o Sr. Araújo inclui "andar de carro".
O que obviamente não faz nenhum sentido é porque milhares de cientistas mundo afora produziríamos uma fraude científica para "impedir que as pessoas andassem de carro", embora ter menos carros na rua seja de fato necessário. Acontece que se fosse uma questão simplesmente de reduzir os engarrafamentos, seríamos mais diretos, podem ter certeza!
O vertiginoso crescimento econômico da China é todo fundado no uso massivo de combustíveis fósseis. É totalmente incoerente dizer que combater as mudanças climáticas seria algo inventado para beneficiar a China, justamente o país que mais tem a perder com reduções nas emissões de CO2!
A desconexão com a realidade do futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, é tão completa que ele diz que o objetivo dessa "conspiração" passa também por "sufocar o crescimento econômico nos países capitalistas democráticos e favorecer o crescimento da China", repetindo o conteúdo do célebre tweet tresloucado de Trump de alguns anos atrás.
Ora, todo o crescimento econômico chinês nas duas últimas décadas, principalmente, foi propulsionado a combustíveis fósseis, especialmente o carvão usado para alimentar suas termelétricas. É o país que mais emite CO2 na atualidade. Desde 2005, as emissões chinesas superam as dos EUA e desde 2012 a China emite mais do que os EUA e a União Europeia juntos! (embora historicamente, os EUA ainda sejam o maior emissor, tendo liberado 216 bilhões de toneladas de CO2 de 1965 para cá, contra 188 bilhões da China).
Dentre as 10 companhias de maior faturamento do mundo, encontramos duas petroquímicas chinesas. Além disso, a gigantesca produção industrial chinesa é baseada na queima de carvão. De onde é que se pode tirar a ideia de que todo o combate às mudanças climáticas é uma "farsa para favorecer a China"? Fonte da imagem: Forbes.
Mais do que isso! Como mostra o site da Forbes, hoje, a petroleira com maior faturamento não é mais a Shell, que reinou por muitos anos ao lado da Exxon. É a Sinopec chinesa. A Shell vem em seguida e a Petrochina (também chinesa, óbvio) logo atrás. BP e Exxon também aparecem entre as 10 empresas de maior faturamento do mundo. Mais do que isso, também segundo o site da Forbes, a China se tornou uma gigante financeira também (dos quatro bancos que mais lucraram no último ano, três são chineses!), e essa acumulação de riqueza impressionante só foi possível graças ao emprego massivo de combustíveis fósseis!
A ideia de que cortar emissões de CO2 seria de alguma forma favorável à China é ainda mais estapafúrdia quando se olha para o que aconteceu em outros países. As emissões dos EUA mostraram uma tendência (modesta, é verdade) à redução nos últimos anos. Na Europa, a tendência de queda das emissões vem de várias décadas, como mostra o gráfico anterior (o que obviamente tem relação não só com o avanço de energias renováveis, mas sobretudo com o deslocamento de indústrias poluentes para outros países).
Mesmo no Brasil, em que lamentavelmente há uma tendência de crescimento nos últimos anos, as emissões hoje são bem menores do que em 2004, por exemplo, o que pode ser facilmente verificado no site do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
Em suma, a China é, em princípio, o país com menos interesse em reduzir emissões e conter o aquecimento global. Além disso, como temos mostrado sempre em nosso blog, as evidências do aquecimento global, da causa antrópica e da emergência da questão estão por todo lado. São fato científico.
Ao nomear um negacionista climático que acredita em bizarrices puramente ideológicas, Bolsonaro coloca em risco não só a imagem do Brasil, mas demonstra estar disposto a dar prosseguimento à sua pauta nefasta de liberar a Amazônia ao desmatamento e até mesmo tirar o país do Acordo de Paris. Como bem situa o Observatório do Clima é "tornar o Brasil um anão diplomático e um pária global".
O que se constata é que a capacidade de inversão da realidade por parte da ultradireita impressiona. O caso do futuro chanceler em relação ao clima foi classificado pelo OC (Observatório do Clima) como estarrecedor. Eu acrescentaria que é grotesco, bizarro, medonho... Moléculas de CO2 e fótons de infravermelho não têm nenhuma ideologia. Eles simplesmente se comportam da forma como a ciência desvelou desde o século 19. O CO2 e outros gases absorvem esses fótons. Ponto.
Onde é que entra ideologia aqui? Justamente da parte daqueles que se recusam a agir conforme a ciência. E isso sim, é um misto de mesquinhez, estupidez e vilania. Afinal, é para as corporações não abrirem mão de ganhar dinheiro, não importando se isso produza uma catástrofe planetária, e de quebra justificar que não se abra mão de uma parte do luxo e dos excessos do estilo de vida dos mais ricos, que surgiu essa ideologia escrota chamada negacionismo climático.
Alexandre Araujo Costa é cientista do clima.