Correio da Cidadania

Óleo no Nordeste: “acidentes podem acontecer, mas é inadmissível o despreparo do governo em lidar com essas emergências”

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No dia 1, finalmente foi revelado pela Polícia Federal que um navio grego foi o responsável pelo vazamento de óleo que atinge mais de 200 praias do Nordeste e compromete boa parte da economia da região pela qual o presidente da República esbanja seu ódio racista. Não à toa o governo federal mal trata sobre o tema. Afinal, falamos de governo que trabalha arduamente pelo desmonte dos órgãos de fiscalização e execução política do setor. É sobre todo este quadro que conversamos com Elisabeth Uema, secretária executiva da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente, entidade representativa de servidores de distintos órgãos ambientais.

“Existem planos e programas que devem ser acionados em casos como este. Ocorre que com o processo de desmonte, com a extinção do comitê que seria o responsável pela operacionalização do Plano Nacional de Contingência, a resposta que deveria ter sido imediata, não aconteceu”, criticou.

A conversa mostra uma situação desalentadora. Em termos objetivos, um governo francamente inimigo da pauta ambiental e anódino a tragédias que podem comprometer toda uma cadeia de fatores e necessidades por tempo indeterminado. Associado a isso, Elisabeth denuncia o clima de assédio e autoritarismo que se impôs nos órgãos do setor, isto é, IBMA, MMA, ICMBio e Serviço Florestal.

“Tem ficado evidente que não há outra saída que não seja a saída do ministro que tem se revelado um antiministro do Meio Ambiente. Além do que já veio à tona para todos, existe outro ataque, através da estrutura legal da área. Existem projetos de lei encaminhados pelo governo na câmara que basicamente atacam a legislação brasileira consolidada nos últimos 30, 40 anos. Por exemplo, há um projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental que pode flexibilizar bastante os procedimentos do licenciamento ambiental”, sintetizou

A entrevista completa com Elisabeth Uema pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: O que comenta dos vazamentos de óleo que atingem a faixa litorânea do Nordeste desde 30 de agosto, agora atribuídos a um navio petroleiro grego?

Elisabeth Uema: Podemos dizer que não temos, assim como toda a sociedade, elementos concretos que apontem para as causas e origens deste óleo. O que temos são informações fragmentadas, com algumas opiniões de cientistas aqui e ali. De toda forma, não há informações consolidadas que nos permitam nos posicionar a respeito da origem do problema.

Correio da Cidadania: Considerando a longevidade do problema, quase dois meses, como você avalia as reações e atitudes do governo federal e do Ministério do Meio Ambiente?

Elisabeth Uema: A rigor, toda a sociedade brasileira aguarda um posicionamento do governo. Se não existem informações concretas sobre as causas, espera-se que o governo, no mínimo, viabilize informações sobre o que está sendo feito ou pretende fazer no combate ao problema.

Mas parece que o governo, através do ministro, prefere ficar no “achismo”. Em audiência pública Ricardo Salles disse: “acho” que o petróleo é da Venezuela. Sem apresentar dados, nada de concreto a este respeito. Uma acusação grave partindo de um ministro. Posteriormente, acusou o Greenpeace. Em minha opinião, se não tem o que falar, deveria ficar calado.

O que vem ocorrendo na área ambiental é uma total falta de transparência e um desmonte das políticas ambientais, das instituições que a executam, além de total falta de planejamento no setor. Nossas autoridades ambientais ignoraram, por exemplo, a existência de um Plano Nacional de Contingência para incidentes com óleo. Só isso explica o atraso no acionamento do Plano e a forma desarticulada com que se reagiu a esse incidente. Quem deveria acioná-lo é o órgão maior do setor, que não o fez a tempo e a hora. Por outro lado, se tinham conhecimento do PNC e não o acionaram, isso é mais grave ainda.

Pela forma como se comporta e age o ministro Ricardo Salles parece que não há, em sua pasta ou em outras instituições públicas, pessoas tecnicamente capazes de gerenciar o problema. Foi assim também nas queimadas da Amazônia, quando se tentou atribuir o crime a ONGs, indígenas e se desqualificaram os fiscais do Ibama, ICMBio, além do INPE.

Correio da Cidadania: É possível avaliar a extensão dos danos?

Elisabeth Uema: É muito difícil. Avalio que levaremos muitos anos convivendo com as consequências do derramamento, seja qual for sua origem. São todos os biomas costeiros e marinhos afetados, todo um grupo de pessoas e comunidades que vivem de tais recursos.

De imediato, temos impacto sobre o turismo, que constitui boa parte da renda dos estados do Nordeste. Além disso, há um enorme contingente de homens e mulheres que retiram sua sobrevivência do mar. Quanto tempo os biomas – nossa Amazônia azul - vão demorar pra se recuperar? Quando é que pescadores, marisqueiras e outros trabalhadores poderão voltar às suas atividades de forma a manter sua subsistência? Há toda uma cadeia de consequências que não teremos condições de mensurar se não tivermos clareza quanto à origem e extensão deste problema.

Do mesmo modo que a floresta amazônica pode levar centenas de anos para se recuperar da devastação, imaginem os ambientes costeiros, marinhos, os recifes de corais. Tudo isso está fortemente ameaçado. E o pior: o governo até agora não apresentou um plano de ação para conter o problema.

Correio da Cidadania: Ainda sobre as reações do governo, elas refletem as prioridades ao meio ambiental e o perfil ideológico de seus membros?

Elisabeth Uema: Desde o início, aliás, até antes de assumir, o governo já vinha desqualificando de forma muito contundente o setor ambiental. Até cogitou a fusão do Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura.

Pessoas que têm mais juízo sabem que a área ambiental é fundamental até pra setores produtivos, como o agronegócio e sua pauta exportadora. Não houve fusão ou extinção do Ministério, mas colocaram no MMA um ministro que faz esse trabalho de desconstrução por dentro.

O ministro é pródigo em desqualificar servidores, as instituições, interferir na atuação das autarquias, o que não deveria acontecer. Autarquias como Ibama e ICMBio apesar de vinculadas ao MMA devem manter autonomia administrativa para a implementação das políticas ambientais. Afinal, são eles os executores da Política Nacional de Meio Ambiente. O IBAMA e o ICMBio no entanto, viraram extensões do gabinete do ministro. Não há autonomia, não há proatividade nas decisões.

Acidentes, incêndios, vazamentos e outros desastres ambientais podem acontecer. O que não é admissível é o despreparo do governo para lidar com essas emergências. Existem planos e programas que devem ser acionados em casos como este. Ocorre que com o processo de desmonte, com a extinção do comitê que seria o responsável pela operacionalização do Plano Nacional de Contingência, a resposta que deveria ter sido imediata, não aconteceu.

Todo mundo está vendo que o setor responsável por fiscalizar questões ambientais vem sendo atacado. Planos de contingência pra enfrentar problemas não são implementados, ou o são quando a extensão dos danos toma proporções muito grandes.

O Estado brasileiro - não o governo, que é transitório, mas suas instituições e servidores – tem condições de fazer frente a tais situações, está capacitado. Mas temos autoridades que não entendem a questão ambiental. O MMA é gerido a base de caprichos e vontades individuais de dirigentes, não a partir de planejamento, execução e conhecimento das normas e leis.

Cria-se, assim, um vácuo de atuação. E os órgãos que deveriam estar à frente de tais políticas ficam imobilizados.

Correio da Cidadania: Em agosto, servidores do IBAMA e ICMBio escreveram carta aberta sobre a crise ambiental atual. Qual o resumo desta crise na visão dos servidores e o panorama interno do setor, de menor conhecimento público?

Elisabeth Uema: Temos denunciado há tempos a pressão que tem sido feita em cima dos servidores, em especial em cima da fiscalização. Não há planejamento do MMA. Tem ficado evidente para diferentes setores da sociedade que não há outra saída que não seja a saída do ministro que tem se revelado um antiministro do Meio Ambiente.

Além do que já veio à tona para todos, existe outro ataque, através da estrutura legal da área. Existem projetos de lei encaminhados pelo governo na câmara que basicamente atacam a legislação brasileira consolidada nos últimos 30, 40 anos.

Por exemplo, há um projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental que pode flexibilizar bastante os procedimentos do licenciamento ambiental. Tudo isso está em andamento, são muitos projetos dentro do congresso que atacam a legislação ambiental e podem, a médio e longo prazo, acarretar novos incidentes ou mesmo crimes ambientais como Brumadinho, incêndios criminosos etc.

Correio da Cidadania: A carta dos servidores também fala de abusos, autoritarismo e assédio por parte das chefias. O que você pode contar à sociedade a este respeito?

Elisabeth Uema: Estamos passando por situações que beiram o assédio e temos denunciado tais ataques. Eles nem sempre são visíveis e formalizados. Porque outro problema atual é o grau de informalidade na atuação deste governo na gestão de todas as questões, inclusive recursos humanos.

Existe uma ameaça nunca explicitada através dos mecanismos normais de comunicação internas às instituições, que paira sobre a cabeça daqueles servidores que ousem externalizar posicionamentos divergentes com o que querem os dirigentes. Há uma lei da mordaça sobre as autarquias que se estende aos seus servidores. Exemplo concreto dessa situação foram as tentativas de remoção forçadas de servidores para áreas distantes de sua lotação.

Ainda que tais situações estejam previstas na legislação que rege o funcionamento do Serviço Público, a forma e as circunstâncias com que vêm sendo aplicadas, sobretudo no ICMBio, apontam não para a “necessidade de serviço”, mas sim para uma tentativa de amedrontamento ou de pressão contra um ou outro servidor que ouse se contrapor aos desejos e caprichos de dirigentes. Ou seja: um procedimento administrativo normal, previsto na legislação, vem sendo utilizado como instrumento de intimidação.

Tivemos remoções que só não se consolidaram porque pessoas entraram na justiça e garantiram o direito de permanecer. São ameaças que pairam sobre os servidores. Há uma série de mecanismos de punição sobre os servidores que têm sido utilizados de forma sorrateira, não transparente, como deveria ser.

Outra ameaça é a de proibir autarquias de se manifestarem e atuar perante a sociedade sem autorização expressa do Ministério. Isso acaba colocando uma mordaça, é claro. Há uma situação de muita opressão sobre os servidores da área ambiental na atualidade.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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