Petróleo e transição energética
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- Elaine Santos
- 19/04/2023
Desde que o novo governo brasileiro assumiu, a discussão sobre o papel da Petrobras na indústria de energia tem se intensificado. Alguns defendem a transformação da empresa em uma companhia de energia que abranja outras fontes além do petróleo, enquanto outros alertam para a expansão da exploração de petróleo na empresa em meio à polêmica fronteira petrolífera na foz do Rio Amazonas.
Nesse contexto, o plano estratégico da Petrobras (2023-2027) parece contrariar a transição energética, uma tendência que já vinha sendo confirmada desde 2015, quando seus projetos destinados às energias limpas foram descontinuados ou vendidos para empresas estrangeiras, aumentando a participação dessas empresas na área de renováveis no Brasil. No entanto, é importante lembrar que a Petrobras tem um histórico de preocupação com a ampliação das renováveis, que se iniciou muito antes da atual preocupação mundial com a redução de poluentes e a preservação das fontes de energia. O apoio ao PróAlcool é um dos exemplos disso, como bem mencionado pelo professor Ildo Sauer, uma referência nessa área.
Atualmente, as indústrias petrolíferas estão sob crescente pressão de stakeholders externos, como acionistas, investidores, a sociedade em geral, organizações não governamentais (ONGs), fundações, políticos e indústrias concorrentes, devido às mudanças climáticas e à transição energética.
Consequentemente, essas empresas estão buscando reduzir suas emissões de carbono, investindo nas chamadas energias verdes, tais como energia solar, biomassa, eólica, geotérmica, hidrelétrica e marinha, além de tecnologias de baixo carbono, como veículos elétricos, tecnologias de hidrogênio e captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês).
No entanto, a ampliação dos investimentos das empresas petrolíferas em energias renováveis tem gerado controvérsias em relação ao conceito de “lavagem verde” (greenwashing), argumentando que as mesmas empresas que poluem estão promovendo a transição energética por meio do financiamento de projetos renováveis. Porém, se a transição para uma economia de baixo carbono é um mundo alternativo dentro do mesmo regime, como é normalmente debatido, ainda que de forma contraditória, a transição só ocorrerá com a participação das empresas de petróleo e gás, pois são as que mais investem.
Por outro lado, o relatório do InfluenceMap de 2022, analisou cinco das maiores empresas de petróleo e oleodutos (Shell, British Petroleum, Total Energies, Chevron e Exxon Mobil) revelando que estas empresas estão gastando centenas de milhões de dólares a cada ano para manter uma imagem positiva em relação às mudanças climáticas. Ou seja, elas continuam a investir intensamente no petróleo, enquanto tentam transmitir uma imagem de compromisso com a transição energética.
Segundo o relatório, essas empresas, com algumas diferenças entre si, enfatizam excessivamente suas tecnologias de transição, focando prioritariamente em campanhas de relações públicas, ao mesmo tempo em que defendem a expansão dos combustíveis fósseis e se opõem aos regulamentos de emissões definidos nas convenções pelo clima.
Uma possível justificativa para esse comportamento é que o petróleo é altamente lucrativo e ainda não pode ser totalmente substituído por outras fontes de energia. Ao que parece, as grandes indústrias petrolíferas não se tornaram efetivamente empresas de energia, todas elas de forma um pouco vulgarizada têm dado uns trocados para a transição energética. De acordo com o relatório InfluenceMap (2022), os investimentos projetados totalmente em energia de baixo carbono no caso da British Petroleum representariam 17%. Essa empresa é a que mais promete investir dentre as cinco analisadas.
No Brasil, a Petrobras tem abandonado a antiga prática de investir em diversas indústrias e debater os benefícios para a sociedade, como bem alertou o professor Ildo Sauer. Embora a diversificação do portfólio seja importante, a timidez da empresa em investir em fontes renováveis pode ser explicada pelo fato de que quase metade da matriz energética do País é proveniente de fontes renováveis. Portanto, as pressões e exigências de instituições climáticas e de agentes externos não são tão intensas quanto em países industrializados. Dessa forma, a empresa pode continuar investindo no petróleo, especialmente com a oscilação dos preços e os cortes anunciados pela OPEP nesta primeira semana de abril de 2023.
Nesse sentido, a atuação da Petrobras tem gerado discordâncias no atual governo. Embora tenha assumido o compromisso com a transição energética, o que foi confirmado com a nomeação de Maurício Tolmasquim, reconhecido especialista, para a diretoria de transição energética, o atual presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, defende a busca e exploração de petróleo no Bloco 59, localizado na foz do Rio Amazonas, desde que seja realizada com segurança e com o acordo da sociedade. Essa opinião é compartilhada pelo Ministério de Minas e Energia.
No entanto, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em conjunto com o Ibama, alerta para a falta de uma Avaliação Ambiental Estratégica, o que dificulta a tomada de decisão e a análise dos possíveis impactos que essa operação pode causar, caso seja aprovada.
Dessa forma, e por se tratar de um tema politicamente sensível, a aparente discordância entre ministérios é perfeitamente compreensível. Por outro lado, parece-me que a ausência de uma estratégia nacional que busque conter o aumento da exploração de petróleo e a discussão sobre o nosso modelo de desenvolvimento econômico, como apontado pelo livro produzido pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), torna a atividade petrolífera ainda mais atrativa, já que a demanda por petróleo continua alta.
Sobre a exploração petrolífera na região amazônica, devemos olhar para a América Latina, como sempre insisto em meus artigos. O caso do Yasuní ITT na Amazônia equatoriana, analisado como tema central na minha tese de doutorado, expressa bem a dicotomia entre explorar o petróleo ou deixá-lo debaixo da terra em países dependentes e em regiões cuja vocação econômica não se baseia na exploração do petróleo.
Elaine Santos é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP
Fonte: Jornal da USP.
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