O plebiscito do Parque Yasuní
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- Elaine Santos
- 05/09/2023
O Equador enfrenta um cenário complexo, evidenciado nas últimas semanas pelo trágico assassinato de Fernando Villavicencio, candidato à presidência, às vésperas das eleições. Esse evento chocante trouxe à tona a crise e a escalada de violência que vem afetando o país há algum tempo. A situação foi intensificada por Guillermo Lasso, eleito presidente em 2021, que, diante da instabilidade e da ameaça de destituição, dissolveu o congresso em maio deste ano, antecipando as eleições nacionais, realizadas em 20 de agosto.
No processo eleitoral, além da escolha presidencial, foram realizadas duas consultas populares. A primeira abordou a exploração petrolífera no Bloco 43 ITT no Yasuní, na Amazônia. A segunda concentrou-se na população registrada no Distrito Metropolitano de Quito, questionando a permissão para atividades de mineração em diferentes escalas dentro de uma área natural, o Chocó Andino, reconhecido em 2018 como reserva da biosfera pela Unesco.
Em relação à Consulta Popular Chocó Andino, os resultados indicaram que a maioria da população de Quito concorda com a proibição da mineração metálica. Aproximadamente 68% responderam “sim” para cada uma das quatro perguntas, de acordo com os dados divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral.
Quanto à Consulta Popular Yasuní, a pergunta foi a seguinte: “Você concorda que o governo equatoriano mantenha o petróleo do ITT, conhecido como Bloco 43, indefinidamente no subsolo?” A resposta da maioria da população foi de 59% a favor (“sim”), segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral.
Portanto, ficou claro que mais da metade da população concorda com a decisão de deixar o petróleo desse bloco intocado no subsolo. Vale lembrar que consultas populares relacionadas a temas ambientais, especialmente ligadas à exploração petrolífera e mineral, são recorrentes no Equador, o que de alguma forma politiza a população e insere no debate temas fundamentais para o país. Em 2018, durante meu trabalho de campo no país que resultou na tese de doutorado, pude acompanhar de perto o “Referendo Constitucional e Consulta Popular”, no qual a população foi às urnas para responder a sete questões, incluindo uma relacionada às alterações nas medidas de proteção do Parque Yasuní, onde se encontra o Bloco 43, e outra relacionada à mineração.
Porém, a Consulta Popular Yasuní realizada em 20 de agosto tem um significado histórico. Ela marca o desfecho de uma década de reivindicações, uma vez que deveria ter ocorrido em 2013, quando o governo de Rafael Correa suspendeu a Iniciativa Yasuní-ITT. Essa iniciativa buscava preservar o petróleo no subsolo, mediante compensações financeiras dos países desenvolvidos ao Equador. Em um artigo, explorei esse tema, explicando a longa trajetória desde a Iniciativa ITT até a realização da Consulta. Essa história entrelaça-se com movimentos sociais, ambientalistas, comunidades indígenas e a economia do país, altamente dependente do petróleo.
Decorrida a Consulta Popular Yasuní, alguns pontos estão pendentes:
Ponto 1: A atividade petrolífera na Amazônia equatoriana teve início em 1921, com uma concessão de pesquisa à empresa Leonard, afiliada à Standard Oil. No entanto, tal contrato foi encerrado em 1937 e, nesse mesmo ano, um contrato foi firmado com a Shell Oil. Contudo, a Shell encerrou suas atividades no país em 1948, alegando não ter encontrado petróleo. A pesquisa passou então para a Texaco em 1964, e em 1972 iniciou-se a exportação de petróleo a partir da Amazônia equatoriana. Portanto, a história da exploração de petróleo no Equador não é recente e é parte dos diversos ciclos amazônicos de curta duração e com muitos impactos (ouro, borracha, petróleo), que historicamente destoam dos ciclos nacionais.
Além disso, atualmente, diversos blocos petrolíferos estão em operação na Amazônia equatoriana, como o Bloco 12, Bloco 14, Bloco 17, Bloco 21, Bloco 15, Bloco 16 e Bloco 22, entre outros, conforme é possível observar no Mapa de Blocos e Infraestrutura Petrolífera do Equador disponibilizado pelo Ministério de Minas e Energia. Vale ressaltar, porém, que todos esses blocos não foram abrangidos pela Consulta Popular Yasuní. Isso implica que a exploração de petróleo continuará a ocorrer na sensível região da Amazônia.
Ponto 2: outro aspecto a ser considerado é a divergência nas regiões diretamente impactadas pela exploração petrolífera na Amazônia. Embora o “sim” tenha prevalecido na maior parte do país, chama a atenção o fato de que em duas regiões diretamente envolvidas com a exploração petrolífera na Amazônia, Orellana (57,99%) e Sucumbios (51,59%), o “não” obteve vitória. Isso traz à tona uma questão central sobre o que é compreendido como desenvolvimento local, que frequentemente é reduzido à perspectiva do emprego ou dos impactos.
Em meio às entrevistas que realizei durante a tese, pude perceber que a abordagem relacionada unicamente à dimensão dos impactos ambientais provenientes da exploração petrolífera pode ignorar a perspectiva das comunidades locais que vivem nas proximidades desses empreendimentos. Essas comunidades são marcadas por divisões e visões distintas, cada uma com necessidades de sobrevivência e modos de vida que influenciam na aceitação ou rejeição dos impactos dos empreendimentos. No caso de Orellana, por exemplo, houve uma campanha nas redes sociais pelo voto a favor da exploração petrolífera; muitos habitantes alegavam receio de perderem seus trabalhos caso a exploração fosse proibida.
Ponto 3: o terceiro ponto diz respeito à dependência econômica do Equador em relação ao petróleo. De acordo com dados do Observatório de Complexidade Econômica (OEC, 2021), a exportação de petróleo bruto é a principal fonte de receita de exportação do Equador, representando uma parcela significativa do total das exportações. Além do petróleo, o Equador exporta produtos como crustáceos, bananas e peixes processados. Aqui surge a questão central para pensar o desenvolvimento no Equador: Como se desvencilhar da dependência econômica do petróleo?
Ponto 4: por fim, a perfuração no Bloco 43 ITT Yasuní teve início em 2016. Segundo o Tribunal Constitucional, que aprovou a realização da Consulta, com a proibição, o Estado tem um ano para desmantelar as instalações realizadas até este momento e não poderá iniciar novas relações contratuais neste bloco. Dado que a Petroecuador, a empresa responsável pela exploração do Bloco 43, é estatal, discutir a renda do petróleo no/para o país pode ser pertinente neste momento.
Desta forma, o resultado da Consulta Popular Yasuní ITT marca a abertura de uma encruzilhada para o Equador, na qual a esperança de um futuro pós-petróleo colide com a realidade intransigente de uma economia dependente.
Elaine Santos é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, onde este artigo foi originalmente publicado.
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