O colapso climático já começou
- Detalhes
- José Eustaquio Diniz Alves
- 13/12/2023
“Estamos vivendo um colapso climático em tempo real e o impacto é arrasador”.
Secretário-geral da ONU, António Guterres (novembro de 2023)
O clima da Terra tem mandado recados para os líderes mundiais reunidos na 28ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP28), que se encerrou nesta terça, 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Na abertura do evento, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “estamos vivendo um colapso climático em tempo real e o impacto é arrasador”.
De fato, a crise climática tem dado sinais de deterioração com aceleração do aquecimento global. Segundo relatório divulgado, pouco antes do início da COP28, pela Organização Meteorológica Mundial (WMO na sigla em inglês), a temperatura média global próxima da superfície terrestre em 2023 (até outubro) foi cerca de 1,40 ± 0,12°C acima da média de 1850–1900. Com base nos dados de novembro, é praticamente certo que 2023 será o ano mais quente no registro observacional de 174 anos, ultrapassando os anos mais quentes anteriores, 2016, 1,29 ± 0,12°C acima da média de 1850-1900, e 2020, com 1,27±0,13°C.
Portanto, o limite mínimo do Acordo de Paris de 1,5º C, em relação ao período pré-industrial, está prestes a ser ultrapassado na base anual, pois na base mensal já foi superado várias vezes. Para agravar a situação, nos dias 17 e 18 de novembro de 2023 a anomalia diária ultrapassou os 2º C em relação ao período 1850-1900. Também o dia 3 de dezembro de 2023 voltou a atingir o limite superior da anomalia do clima do Acordo de Paris, conforme mostra o gráfico abaixo.
O relatório da Organização Meteorológica Mundial também mostra que os últimos nove anos, 2015–2023, marcaram os nove anos mais quentes desde que há registro. A temperatura global média dos dez anos de 2014–2023 (até Outubro) é 1,19±0,12°C acima da média de 1850–1900, o período decenal mais quente já registrado.
As concentrações observadas dos três principais gases com efeito de estufa – dióxido de carbono, metano e óxido nitroso – atingiram níveis recorde em 2022, o último ano para o qual estão disponíveis valores globais consolidados (1984–2022). Dados reais de locais específicos mostram que os níveis dos três gases de efeito estufa continuaram a aumentar em 2023.
O conteúdo de calor dos oceanos atingiu o seu nível mais elevado em 2022, o último ano completo disponível de dados no registro observacional de 65 anos. Em 2023, o nível médio global do mar atingiu um nível recorde no registro de satélite (de 1993 até ao presente), refletindo o aquecimento contínuo dos oceanos, bem como o derretimento dos glaciares e das camadas de gelo. A taxa de aumento do nível médio do mar global nos últimos dez anos (2013–2022) é mais do dobro da taxa de aumento do nível do mar na primeira década do registro de satélite (1993–2002).
A extensão do gelo marinho da Antártida atingiu um mínimo recorde absoluto para a era dos satélites (de 1979 até ao presente) em fevereiro. A extensão do gelo atingiu um mínimo histórico a partir de junho, e o máximo anual em setembro ficou muito abaixo do máximo recorde anterior. Os glaciares no oeste da América do Norte e nos Alpes Europeus sofreram uma estação de derretimento extremo. Na Suíça, os glaciares perderam cerca de 10% do seu volume restante nos últimos dois anos.
As condições meteorológicas extremas continuam causando graves impactos socioeconômicos. O calor extremo afetou muitas partes do mundo. Os incêndios florestais no Havaí, no Canadá e na Europa levaram à perda de vidas, à destruição de casas e à poluição atmosférica em grande escala. As inundações associadas às chuvas extremas do ciclone Daniel, no Mediterrâneo, afetaram a Grécia, a Bulgária, a Turquia e a Líbia, com perdas de vidas particularmente pesadas na Líbia. No Brasil foram inúmeros desastres.
A segurança alimentar, os deslocamentos populacionais e os impactos nas populações vulneráveis continuam a ser motivo de preocupação em 2023, com os perigos meteorológicos e climáticos exacerbando a situação em muitas partes do mundo. As condições meteorológicas e climáticas extremas continuaram a desencadear deslocamentos novos, prolongados e secundários em 2023 e aumentaram a vulnerabilidade de muitos migrantes e refugiados que já estavam desenraizados por situações complexas multicausais de conflito e violência
Todo este cenário é muito preocupante e demanda uma resposta urgente da governança internacional e medidas concretas por parte da COP8. Porém, o sultão Ahmed Al-Jaber, presidente da COP28 e CEO da companhia estatal de petróleo dos Emirados Árabes Unidos, Adnoc, gerou controvérsia ao afirmar que “não há ciência” que indique a necessidade de eliminar o uso de combustíveis fósseis para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Segundo Al Jaber, abandonar os combustíveis fósseis impediria o desenvolvimento sustentável, levando o mundo “de volta às cavernas”.
Já o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou na sessão de líderes da conferência da ONU no dia 1 de dezembro e cobrou do planeta uma ação para o mundo se tornar menos dependente dos combustíveis fósseis. O Brasil chegou ao encontro com a ambição de se tornar um dos líderes globais no combate ao aquecimento global. Porém, algumas horas depois, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse em vídeo reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) que o Brasil pretende aderir à OPEP+.
Questionado, o presidente Lula disse que papel do Brasil na OPEP+ será o de alertar os produtores de petróleo para o fim dos combustíveis fósseis. Ou seja, seria como um ateu entrando em uma igreja católica para ajoelhar e rezar e ao mesmo tempo convencer os fiéis que Deus não existe. Todavia, a questão não é participar do clube dos países petroleiros e continuar com a produção de hidrocarbonetos para fazer a transição energética, mas sim acelerar a transição energética para diminuir a produção de combustíveis fósseis. Não é entrando na OPEP que os países irão abandonar a energia fóssil. É preciso modificar os investimentos, urgentemente, a favor das energias renováveis.
A quarta edição do Relatório sobre a Lacuna de Produção (Production Gap), divulgado em 8 de novembro de 2023, mostra que, apesar de 151 governos nacionais terem se comprometido a alcançar emissões líquidas zero, os governos planejam produzir cerca de 110% mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria consistente com a limitação do aquecimento a 1,5°C, e 69% mais do que seria consistente com 2°C. Quando combinados, os planos governamentais levariam a um aumento na produção mundial de carvão até 2030, e na produção mundial de petróleo e gás até pelo menos 2050, criando uma lacuna cada vez maior na produção de combustíveis fósseis ao longo do tempo, como mostra o gráfico abaixo.
O relatório “Global Tipping Points” (Tim Lenton et al. 2023) mostra que a humanidade está prestes a desencadear pelo menos cinco grandes pontos de ruptura: 1) o colapso de grandes mantos de gelo na Groenlândia e na Antártida Ocidental; 2) o degelo generalizado do permafrost; 3) a morte de recifes de coral em águas quentes; 4) o colapso de uma corrente oceânica no Atlântico Norte e 5) a disrupção dos ecossistemas e da produção de alimentos.
Liderado pela Universidade de Exeter e apresentando o trabalho de mais de 200 investigadores, o Relatório afirma que a humanidade está atualmente numa “trajetória desastrosa” e que a governança global existente não está preparada para a escala do desafio. O relatório baseia-se numa avaliação de 26 pontos de viragem negativos do sistema Terra, onde mudanças incrementais se constroem para eventualmente desencadear eventos transformadores na natureza e na sociedade.
O alerta foi divulgado no momento em que os líderes mundiais se reúnem na Conferência Climática (COP28) em Dubai e há grandes resistências ao corte na produção de combustíveis fósseis. Foi estimado que as metas de emissões para 2030 colocam o planeta no caminho para aquecer mais de 2,5ºC até ao final do século, apesar das promessas dos países de tentar limitar o aquecimento a 1,5ºC. O relatório inclui seis recomendações principais:
• Eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e as emissões provenientes do uso do solo desde agora e interrompendo-os bem antes de 2050;
• Fortalecer a adaptação e a governança de “perdas e danos”, reconhecendo a desigualdade entre e dentro das nações;
• Incluir os pontos de inflexão no Balanço Global (o “inventário” climático mundial) e nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (os esforços de cada país para enfrentar as alterações climáticas);
• Coordenar os esforços políticos para desencadear pontos de inflexão positivos;
• Convocar uma cúpula global urgente sobre pontos de inflexão;
• Aprofundar o conhecimento dos pontos de inflexão. A equipe de investigação apoia os apelos à elaboração de um Relatório Especial do IPCC sobre os pontos de viragem.
Referências:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
SEI, Climate Analytics, E3G, IISD, and UNEP. (2023). The Production Gap: Phasing down or phasing up? Top fossil fuel producers plan even more extraction despite climate promises. Stockholm Environment Institute, Climate Analytics, E3G, International Institute for Sustainable Development and United Nations Environment Programme. https://doi.org/10.51414/sei2023.050
Tim Lenton et al. Global Tipping Points, University of Exeter’s Global Systems Institute, 2023
https://global-tipping-points.org/
José Eustáquio Diniz Alves é economista e doutor em demografia.
Publicado originalmente em Ecodebate.
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