Correio da Cidadania

EUA: eleição de 2024 começou agora e Biden está perdendo

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Foto: Commons WikiMedia. Gage Skidmore/Peoria/AZ/EUA

Biden acreditava que suas principais medidas teriam mais chances se fossem apresentadas no começo do mandato, quando a opinião pública estaria do seu lado. E não apenas seus eleitores pois, no início de um novo governo, é normal que boa parte dos que votaram contra torçam para que ele se saia bem, no interesse comum. E assim foi: pesquisa revelou que 71% dos americanos disseram que Biden faria uma boa administração.

Confiando na sua estratégia, Biden tratou de apresentar logo os planos trilionários da plataforma eleitoral democrata. O primeiro deles, o Plano de Resgate Americano visava investir 1,9 trilhão de dólares para auxiliar pequenas empresas e pessoas das classes média e baixa a se recuperarem dos danos causado pela pandemia, propiciando um retorno seguro às suas atividades normais.

Em março, esse plano foi aprovado com votos de todos os democratas e de nenhum dos republicanos.

O Plano de Empregos Americanos previa investimentos de 1,9 trilhão de dólares nas extremamente carentes infraestruturas americanas, além de incentivos à pesquisa e desenvolvimento, universalização do acesso à internet, reconstrução de milhões de moradias, escolas e creches e modernização das indústrias entre outras medidas.

O Plano das Famílias Americanas tinha por alvo expandir o acesso universal à educação e à pré-escola, combater a insegurança alimentar, subsidiar planos de saúde e garantir acesso gratuito a faculdades comunitárias. 1,8 trilhão era a verba proposta.

O Partido Republicano e alguns democratas moderados opuseram-se, no início, a esses planos, principalmente porque seriam, em grande parte, financiados por aumentos de impostos e outras taxações sobre as corporações e os americanos mais ricos, o que lhes traria problemas econômicos, forçando-os a reduzir seus investimentos. Alegavam também que o imenso gasto desses planos teria fortes efeitos inflacionários.

Por sua vez, os democratas progressistas afirmavam que só votariam a favor do Plano de Emprego Americano se antes fosse aprovado o Plano da Família, por eles favorecido devido a seu alcance social. Temiam que, deixado para o fim, esse plano poderia não contaria com os votos dos moderados e assim acabaria alterado em pontos básicos ou mesmo, rejeitado.

Depois de meses de discussões acirradas, chegou-se a um acordo.

Assim, o pacote das infraestruturas só foi aprovado (com recursos de 1,2 trilhão de dólares, inferior ao previsto) no início de novembro. 6 deputados democratas votaram contra, ao lado de todos os republicanos.

Quanto ao plano que privilegia soluções para problemas sociais, espera-se que os debates cheguem a um final feliz em meados deste mês. Só que já está desfalcado de pontos importantes como faculdade grátis e licenças pagas para cuidar de problemas da família e para tratamento médico. Com isso, o total de recursos inicialmente previsto foi de 1,8 trilhão de dólares para 1,2 trilhão.

Graças à demora no Congresso, o governo levou 11 meses para conseguir a aprovação de todos os grandes planos prometidos (já dou como aprovado o plano social). Esse lapso, quando nada de marcante veio da Casa Branca, pegou mal junto à população. Foi uma das razões da queda do prestígio de Biden, aliada a outros fatores: a retirada tumultuada do Afeganistão, a inflação em alta, a incapacidade de votar reformas na lei do Direito de Votar, a crise da pandemia e a desunião no Partido Democrata, evidenciada na luta aberta entre seus parlamentares na discussão da agenda do presidente.

O resultado apareceu em recente pesquisa da NBC, na qual 54% dos americanos desaprovaram o governo Biden, enquanto só 42% se dizem satisfeitos. Um número ainda maior, 71%, acha que o país está indo na direção errada. Nenhum presidente eleito depois da Segunda Grande Guerra perdeu tanto apoio popular em poucos meses quanto Joe Biden.

Esse quadro assustador refletiu-se na derrota do candidato democrata a governador da Virgínia. Na verdade, desastrosa porque desde 2009, o Partido Democrata elege sempre o governador do estado, onde Barack Obama venceu em 2020 por uma margem de 10 pontos.

E há ainda um outro fato a considerar: durante dezenas de anos, o partido que vence nas eleições estaduais da Virgínia, vence também nas eleições presidenciais. Se isso não mudar, teríamos Trump de novo. O mundo não merece esse castigo.

Além da influência negativa da má imagem atual de Biden e do Partido Democrata, a derrota na Virgínia deve ser também creditada à incompetência da campanha do democrata Terry McAulife e à eficiência despudorada do adversário, Glenn Youngkim.

McAulife centralizou sua campanha no ataque a Donald Trump, mostrando Youngkim como um lacaio dessa figura lamentável da política americana. Não pegou, o candidato republicano jamais falou sobre The Donald, que, por sinal, esteve ausente de qualquer evento da campanha.

Outro erro do democrata foi focar suas mensagens nos grandes temas do partido como o antirracismo, os direitos LGBT, a tradição libertária e as conquistas nas áreas de educação, saúde e meio ambiente do país. Temas aceitos com reservas pela classe média dos subúrbios. Mais esperto, Youngkin concentrou-se nos assuntos locais, especialmente na educação.

Ele aproveitou uma frase ingênua de seu adversário – “Os pais não devem indicar as matérias da escola”- para se apresentar como um defensor incondicional dos direitos das famílias. A mensagem de que na área da educação o democrata queria colocar o Estado entre as crianças e seus pais foi largamente difundida pelo republicano.

Veja o que ele disse a respeito: “Nós vamos abraçar nossas famílias, não as ignorar. Nós vamos avançar com um currículo que inclua prestar atenção aos pais, assim como um currículo que permita às nossas crianças progredirem quanto puderem, ensinando-as como pensar…”

Os pontos clássicos do populismo republicano foram propagados por Youngkin tais como negar a obrigação de professores e outros funcionários públicos serem vacinados, aplicar mais recursos para a polícia reprimir duramente o crime o qual, aliás, teria aumentado na Virgínia, governada por democratas, nos últimos anos.

Ele não vacilou em afirmar repetidas vezes que impediria os professores de “ensinar as nossas crianças a ver tudo com as lentes da raça”, assegurando que tal calamidade estava no currículo de todas as escolas públicas do estado da Virgínia, o que não era verdade. Criticou a chamada Teoria Crítica da Raça, por ele interpretada como a atenção privilegiada e injusta que o governo dava aos negros, em prejuízo dos brancos.

As Tvs locais veicularam muitas vezes um filme que mostrava um professor ensinando um aterrado menino negro que, por ser negro, ele estava destinado a sempre sofrer injustiças e perseguições, era uma pobre vítima condenada ao sofrimento eterno. Em seguida, aparecia um menino branco sendo agressivamente acusado pelo professor de, como membro da sua raça, ser também culpado pelas inúmeras maldades impostas aos negros pelos brancos, numa sociedade hostil à raça oprimida.

A campanha Youngkin deixava claro que o professor representava o Partido Democrata, virtualmente “dominado” pelas ideias da Teoria Crítica da Raça, expostas de modo totalmente enviesado.

O candidato republicano gozava de uma vantagem sobre o adversário: não era político, vinha da iniciativa privada, argumento muito usado por políticos populistas em todo o mundo. E ele lembrava que McAuliffe era um militante político profissional. Fora até mesmo governador da Virgínia. E pertencia ao grupo político dos “novaiorquinos sofisticados”, como Bill e madame Clinton, tendo sido o principal arrecadador de recursos da campanha de Hillary a presidente.

Acho que também pesou contra a candidatura democrata uma relativa escassez de entusiasmo por parte dos eleitores negros e progressistas, devido a atitudes ou falta de atitudes por parte de Joe Biden.

Diversos movimentos negros protestaram contra o fato do presidente pouco fazer em favor da discussão e aprovação pelo Congresso de reformas na Lei do Direito de Votar.

Esta lei, que data de 1965, levanta uma série de obstáculos e atos burocráticos para desestimular o alistamento eleitoral dos pobres, que sentem a maior dificuldade em atender a estas exigências. Como se sabe, os negros constituem a maioria da população pobre dos EUA.

Por sua vez, os democratas progressistas, embora fiéis ao partido, estão indignados com a política externa de Joe Biden. Israel é apoiado pelo presidente, mesmo quando pratica violências contra os direitos humanos, como aconteceu na recente Guerra de Gaza; constrói assentamentos e promove assassinatos de físicos nucleares iranianos.

Por outro lado, Biden dá pouco interesse aos palestinos. Embora tenha se declarado (na campanha eleitoral) a favor da independência palestina, nada fez a esse respeito. Contrário aos assentamentos, limitou-se a um protesto escrito quando Bennett anunciou a aprovação de 3 mil deles. Diante das mais de mil vítimas dos mísseis e bombas israelenses em Gaza, aprovou o regime sionista, repetindo o velho e sovado mantra “Israel tem o direito de se defender.”

A decepção entre os democratas progressistas e os negros em relação a Biden não os levou a votar no candidato republicano, no entanto muitos deles não deram o sangue na campanha do candidato democrata. Acredito mesmo que não foram poucos os que se desinteressaram em votar (nos EUA, o voto é facultativo). Não dá para afirmar que foi esta a causa da derrota de McAulife, mas certamente contribuiu para esse resultado.

Virgínia foi um tropeço na caminhada de Biden em busca da reeleição em 2024. Antes disso terá de vencer mais uma parada: as Midterm Elections (eleições de meio de mandato), quando serão postos em disputa todos os 435 assentos da Casa dos Representantes e um terço do Senado.

Para Biden é essencial que os democratas mantenham, e até ampliem seu domínio nas duas casas do Legislativo. Embalados pela vitória na Virgínia e a queda de Biden nas pesquisas, os republicanos apostam que vencerão pelo menos em uma delas, senão em todas.

Se a vitória for deles, irão certamente bloquear todos os projetos de peso do governo democrata em 2023 e 2024. E Biden teria de propor sua reeleição sem nada capaz de aplausos justamente nestes dois anos críticos por serem imediatamente anteriores ao pleito.

Sem problema, dizem alguns analistas, os trilionários projetos recém-aprovados produzirão benefícios tão incríveis às classes média e baixa nos anos que restam a Biden, que ele terá tudo para continuar dando as cartas nos EUA.

Ainda assim, os republicanos apostam que ganharão, mandando no Senado e/ou na Casa dos Representantes, não deixarão passar mais nenhum projeto relevante e criarão os maiores problemas para Biden aplicar seus planos aprovados em 2021. O que o obrigaria a se mudar da Casa Branca.

Além do que, os ainda seguidores de Donald Trump, têm nas mãos uma arma mortal: o gerrymandering. Eles o classificam como uma sábia estratégia de marketing eleitoral mas, falando sério, não passa de uma artimanha desleal.

Consiste na manipulação do redesenho dos distritos eleitorais de forma a garantir mais deputados do que o partido dos manipuladores teria direito.

De dez em dez anos é realizado o Censo dos EUA. Como se verifica normalmente, há mudanças na população dos estados, o que torna necessário redesenhar cada distrito eleitoral. O gerrymandering consiste na manipulação dos redesenhos dos distritos feita por membros do partido majoritário no legislativo local, de modo a garantir-lhe a eleição de mais deputados federais do que teria direito.

Por exemplo, nas eleições de 2014, na Virgínia, os republicanos receberam 51% dos votos para a Casa dos Representantes. Pela justiça deveriam conquistar 6 dos 11 cargos. Graças ao uso do gerrymandering elegeram 8, como se tivessem obtido 73% dos votos.

Não vá pensar que os democratas são uns santinhos. Também têm praticado o gerrymandering, porém nesse quesito, os republicanos dão show (New York Times, 5/11/2021). Esta condenável manobra vem sendo do aplicada em muito mais estados republicanos do que em democratas.

O último redesenho aconteceu em 2020, vale para as eleições legislativas de Midterm (meio do mandato) em 2024, quando estarão em disputa todos os 435 membros da casa dos Representantes e um terço do Senado. O Comitê Nacional Democrata resolveu jogar limpo em todo o país, e decidiu tentar banir o gerrymandering, tendo já procurado derrubar nos tribunais estaduais eleições ganhas pelos republicanos com a preciosa colaboração dessa manobra.

Joga a favor do gerrymandering uma decisão da Suprema Corte, em 2019, rejeitando processo movido pelos democratas para garantir critérios unificados nacionalmente para o redesenho dos distritos eleitorais.

Em função dos resultados do Censo de 2020, os republicanos ganharam o controle do redesenho em estados-chave. Os democratas apresentaram moções acusando os republicanos de ilegalidades em todos estes estados. (New York Times, 31/1/2021).

Os democratas perderam na Virgínia uma eleição tida como certa, mas ganharam consciência de que será muito dura a parada para impedir uma volta triunfal de Trump.

Vencer no pleito de Midterm passa a ser essencial, embora muito difícil. De um modo geral, a imprensa acha que os republicanos têm as melhores cartas.

Podem estar errados.

Há algum tempo, Biden foi chamado de novo Roosevelt, o presidente que reformou os EUA.

Não creio que ele consiga ser tudo isso.

Mas, se chegar razoavelmente perto, pode até ganhar.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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