Correio da Cidadania

Análise de propostas de mudanças no Imposto de Renda

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O Governo Federal anunciou um pacote fiscal contemplando uma série de medidas econômicas. Duas delas são importantes de serem analisadas conjuntamente. A primeira é a proposta de ampliar a faixa de isenção do imposto de renda (IRPF) para R$ 5 mil. A segunda é uma tributação maior sobre os mais ricos, isto é, a aplicação de uma alíquota efetiva mínima de IRPF para quem ganha a partir de R$ 50 mil mensais. Com base nos detalhes apresentados até agora pelo Executivo, buscamos atualizar as estimativas de impacto fiscal e distributivo de tais medidas, publicadas anteriormente neste post. Para fins metodológicos, combinamos dados da 5ª visita da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), a qual possui informações mais completas sobre os rendimentos dos indivíduos, incluindo transferências e outros tipos de rendimento, com aquelas fornecidas pela Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física (DIRPF) agregada por centis, como liberado pela Receita Federal. O uso dessa base combinada é necessário devido à tendência de pesquisas amostrais subestimarem a renda do topo da distribuição. A combinação das duas bases segue um processo semelhante ao utilizado por Fritscher et al. (2023), Medeiros & Souza. (2015) e Morgan (2017). Ela se dá através dos seguintes passos:

• Filtra-se a PNADc para que se tenha somente indivíduos maiores de 18 anos e ordena-se a base de acordo com a renda.

• Cria-se grupos na PNADc do mesmo tamanho dos centis da DIRPF.

• Compara-se a renda desses grupos e cria-se um fator multiplicador, que segue .

• Caso este multiplicador seja maior do que 1, a renda presente na PNADc é multiplicada por ele.

• Para outras variáveis, distribui-se os valores de cada grupo DIRPF igualmente entre os indivíduos desses mesmos grupos na PNADc.

Para estimação do quanto se paga de IRPF atualmente e das outras simulações, utiliza-se a base de cálculo individualizada proveniente da DIRPF e aplica-se a tabela progressiva (atual e a proposta, no caso dos exercícios que acrescentam uma faixa extra).



A Figura 1 acima mostra o valor da alíquota efetiva aplicada pelo IRPF que é paga, atualmente, por cada centil de renda que compõe os 25% mais ricos do Brasil. Note que essas alíquotas são diferentes das alíquotas nominais previstas pela tabela do IRPF.

Observa-se, pela Figura 1, que o IRPF é progressivo, isto é, as alíquotas efetivas são crescentes, até o centil 99. A partir deste ponto, a alíquota efetiva cai de forma vertiginosa para o 1% mais rico, sobretudo para os mais ricos dentro desse grupo (0,1%). Em resumo, até o centil 99, quem ganha mais, paga proporcionalmente mais imposto. Do 1% mais rico até ao 0,1% mais rico, ou seja, entre os super-ricos, essa premissa não é mais válida.

Especificamente, enquanto a alíquota efetiva do centil 99 é de quase 12,5%, a do 1% como um todo é de cerca de 10% e a do 0,1% mais rico cai para 3,5%. Isto revela uma enorme desigualdade na cobrança do IRPF entre aqueles no topo da distribuição de renda brasileira. Além disso, aponta a existência de uma margem para maior tributação dos super-ricos, tendo em vista alcançar uma maior justiça tributária.

Como adiantado em estudo anterior, a proposta de ampliação da faixa de isenção até R$ 5 mil prevê um mecanismo de desconto gradual sobre o IRPF atualmente pago por aquelas pessoas que ganham mais do que R$ 5 mil e menos do que R$ 7,5 mil de acordo com a distância em relação ao limite superior desta faixa de transição. Assim, cada pessoa receberia um abatimento aplicando-se um fator de desconto em relação ao quanto ela paga atualmente. Em resumo, pretende-se ter, na prática: i) uma isenção plena até aqueles que recebem R$ 5 mil; ii) uma redução na taxação para aqueles que recebem entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil, e iii) a manutenção da alíquota efetiva para as rendas superiores.

A regra sugerida calcula o montante pago para aqueles com renda entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil da seguinte maneira:

A ideia de tal regra é que quanto mais próxima a renda estiver de R$ 5 mil, maior o desconto sobre o montante que o indivíduo paga atualmente sob a forma de imposto de renda. O custo da isenção, nesta formulação, seria de aproximadamente R$ 49,6 bilhões.
Quanto à taxação dos super-ricos, a proposta é ampliar a cobrança de imposto de renda para aqueles que recebem a partir de R$ 600 mil anuais (R$ 50 mil mensais) até alcançar uma alíquota efetiva mínima de 10% sobre os milionários, isto é, aqueles que têm renda maior do que R$ 1,2 milhão anuais (R$ 100 mil mensais). Vale lembrar que se trata de uma alíquota mínima; isto e, aqueles que já pagam mais do que 10% não terão aumento em sua carga tributária.

Ainda não há detalhes de como essa gradação será feita. Seguimos, portanto, lógica parecida ao aplicado para o desconto entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil, isto é, aplicando um fator redutor sobre o quanto ainda falta, em termos de alíquota efetiva, para completar os 10%, fazendo com que indivíduos com renda mais próxima aos R$ 1,2 milhão anuais paguem uma alíquota mais próxima aos 10%, criando assim um escalonamento da alíquota efetiva até que ela chegue no patamar dos 10%:

Tal política geraria uma arrecadação de cerca de R$ 47 bilhões. Desta forma, a aplicação de uma alíquota mínima para o topo seria suficiente para tornar a ampliação da isenção fiscalmente neutra, isto é, os custos decorrentes da isenção praticamente equivalem aos ganhos de arrecadação via taxação extra sobre os mais ricos. Vale notar que, no Brasil, cerca de 574 mil pessoas recebem a partir de R$ 600 mil anuais, estando situados entre 0,4% mais ricos do país. Aqueles com rendimento anual maior do que R$ 1,2 milhão estão entre o 0,1% mais rico. Essa medida possibilita que, por outro lado, quase 23 milhões de pessoas passem a ser beneficiadas com a nova faixa de isenção de IRPF (isto é, quem tem renda entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil).

Uma vez combinadas, as medidas, além de não produzirem impactos negativos do ponto de vista fiscal, conseguem também gerar um efeito agregado que reduz a concentração de renda. Como resultado, é possível diminuir a regressividade observada no topo do IRPF que discutimos junto à Figura 1. A Figura 2, abaixo, permite comparar as alíquotas da Figura 1 com os resultados estimados. Com a nova proposta de taxação, a alíquota efetiva do 0,1% mais rico, que é atualmente de 3,5%, passa a ser de 10%.

Ainda assim, é importante destacar que a alíquota mínima de 10% é insuficiente para reverter por completo a regressividade do IRPF no topo, uma vez que o 1% continuará pagando menos imposto do que aqueles logo atrás na distribuição. Para se ter uma ideia do que isso significa, um indivíduo de renda anual igual a R$ 1,5 milhão continuará a pagar menos imposto, proporcionalmente, do que alguém que receba entre R$ 12.188 e R$ 14.666 por mês (decil 97).


Quando olhamos a distribuição de renda como um todo, a combinação da nova faixa de isenção até R$ 5 mil e das alíquotas mais altas sobre os super-ricos também se mostra positiva. Ao olharmos uma medida agregada de desigualdade de renda, como o índice de Gini, a queda é relativamente modesta, de 0,2%. Contudo, quando olhamos para grupos específicos, vemos que a combinação de políticas é capaz de gerar uma redistribuição do topo (sobretudo o 0,1%) para aqueles da parte intermediária-superior da distribuição – isto é, aqueles cuja renda é maior do que a média, mas menor do que a do 1% do topo, algo como uma renda mensal entre R$ 1.490 e R$ 29.933.



Guilherme Klein Martins, João Pedro de Freitas Gomes e Guilherme Arthen são economistas e pesquisadores do Centro de Pesquisas Macroeconomia das Desigualdades da Faculdade de Economia Aplicada da USP (MADE-USP).

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