Correio da Cidadania

Trump presidente

Estados Unidos, 25/01/2025 - Migrantes deportados pelo governo Donald Trump nos Estados Unidos embarcam em avião militar de volta ao Brasil. Foto: Casa Branca/Divulgação
Que Deus Salve a América.

Trump começou sua gestão esbanjando medidas e ameaças, pincipalmente as relativas à imigração, saúde e meio ambiente. Com incontida admiração, comentaristas e apresentadores da TV brasileira destacaram que ele estava cumprindo suas promessas da campanha eleitoral.

No caso de Trump, torcíamos para que ele se esquecesse de ideias como a expulsão em massa dos 11 milhões de imigrantes, que encontraram nos EUA parte das condições de vida que procuravam, ausentes nos seus países de origem. A maioria dava graças a Deus quando lhe ofereciam até os serviços mais humildes, que os estadunidenses desprezam.

Para o republicano, réu de uma porção de processos, os imigrantes não passam de criminosos. O plano anti-imigração, cujos detalhes começam a ser revelados, não são nada tranquilizadores.

Ele atribui a seus agentes o direito de entrar até em igrejas, escolas, clínicas e locais de trabalho para prender imigrantes ilegais.

O inquilino atual da Casa Branca mandou para nosso país os brasileiros sem documentos, algemados e acorrentados em um avião cargueiro, sem ar condicionado. Durante a viagem, eles foram molestados pelos guardas, como se fossem marginais.

Visando promover uma limpeza racial mais completa, Trump decretou que os filhos de imigrantes ilegais nascidos nos EUA não teriam direito à cidadania norte-americana. Incidem na mesma pena os filhos daqueles pais que estão nos EUA, para estudos temporários, por exemplo.

O fato de terem nascido em solo dos EUA não os torna cidadãos da América, nem da nação dos seus pais. Tornam-se apátridas. Sem direitos a nada.

A ex-vice-presidente, Kamala Harris, enquadra-se nesse caso. Pela nova lei de Trump, ela não seria cidadã norte-americana, não podendo jamais candidatar-se a presidente dos EUA.

O povo norte-americano não deve perder muito com isso. Perderá, isso sim, com a retirada dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), ordenada pelo presidente republicano, que acarretará sérios problemas também aos demais países do mundo.

O país é o maior contribuinte da OMS. Sem os vultosos recursos provindos de Washington, a organização será obrigada a restringir suas atividades.

A retirada pode enfraquecer as defesas mundiais contra novos surtos capazes de desencadear pandemias, além de reverter avanços das últimas décadas no combate a graves problemas de saúde pública como a malária, Aids e tuberculose.

Donald Trump justificou sua decisão: “a Organização Mundial da Saúde nos explora, todo mundo explora os EUA. Isso não vai acontecer mais”.

Especula-se que Trump iria usar os dólares destinados à proteção da saúde do planeta no estímulo à indústria do petróleo, do gás e de seus bons amigos do Vale do Silício.

Todos eles foram generosos doadores da campanha eleitoral de Trump. O marido da bela Melanie soube retribuir aqueles que lhe deram 1 bilhão de dólares (conforme estimativa).

Mas como dinheiro não é tudo nas eleições, Trump vem cultivando há decênios a massa de eleitores evangélicos, especialmente aqueles que acreditam na curiosa ideia de que Cristo renascerá com a concretização do Israel bíblico, ou seja, agregando a Cisjordânia ao Estado judeu.

Trata-se de um pessoal portador de ideias há muito ultrapassadas com uma rigidez que desafia os avanços da civilização moderna. Trump garante que está com eles.

Começou a dar provas mais factuais na questão de identidade de gênero. Decreto presidencial dispõe que só existem 2 sexos nos EUA: homem e mulher.

As palavras “homossexual”, “lésbica”, “transgênero”, “bissexual” e outras do universo LGBTQ foram suprimidas de todos os documentos federais.

Ao mesmo tempo, Trump proibiu o uso de fundos públicos em programas que versem sobre temas como “identidade de gêneros e direitos dos transgêneros”.

Contra tudo e todos?

Depois de alvejar os LGBTQ, Trump virou sua metralhadora contra o México, o Canadá e a China, criando uma sobretaxa de 25% sobre os produtos importados dos países vizinhos e de 10% sobre as importações chinesas.

Alegações não provadas garantem que os três países nada faziam para impedir a entrada do opiáceo Fentanil no território americano. Mas Trump pretende ir além: tarifar também os produtos da União Europeia, cujos países estariam sendo ‘malvados’ para com os EUA.

Segundo o marido de Melanie (o chapéu cobria metade do rosto dela na posse e não dava para ver se ela continua a “Thing of Beauty, da poesia de John Keats), muitos países tratavam mal os EUA.

Haveria, portanto, uma situação bizarra, na qual os satélites exploravam a metrópole, algo inédito na história. Aproveitavam-se da inércia dos presidentes anteriores para levar vantagens comerciais indevidas, a dano dos interesses norte-americanos.

Conclui-se que para Trump estaria ocorrendo uma bizarra situação na qual os satélites estão explorando a metrópole, algo inédito na história.

Conversando com jornalistas, o presidente deixou escapar as verdadeiras intenções do tarifaço: “vai nos fazer muito ricos e muito fortes”.

Biden tivera intenções diferentes. No seu governo, ele embarcou na onda ambientalista, aprovando medidas legais em quantidade, nas quais privilegiava a proteção do meio ambiente, mesmo sacrificando interesses de outros setores da economia.

Foi o caso de ordem executiva de Joe Biden que impulsionava a venda de carros elétricos por reduzirem significativamente a emissão de gases poluentes. Determinava que, a partir de 2030, metade dos carros vendidos nos EUA seriam elétricos. Como hoje eles representam cerca de 7% do total, o crescimento do seu mercado seria exponencial.

Muito mais poluidores, os carros de motor a combustão interna, que abrangem perto de 93% do mercado atual, sofreriam uma queda de vendas radical. Os benefícios para o meio ambiente seriam consideráveis.

Trump acha absurdo. Já pontificou, afirmando que a influência dos homens no aquecimento global era uma balela. Sua opção é priorizar o crescimento das vendas dos carros a combustão interna, fortalecendo a indústria automobilística nacional.

Trump diz que não iria sabotar os lucros desses beneméritos empresários, para atender às “fantasias” dos defensores do meio ambiente.

Com isso, está batendo de frente com as políticas de Biden. Enquanto o ex-presidente tinha como alvo a redução da dependência dos EUA aos combustíveis fósseis, o republicano age no sentido contrário.

Sua emergência nacional de energia visa elevar consideravelmente a produção de combustíveis fósseis, autorizando as perfurações de novos poços de petróleo.

Trump prevê que o preço dos combustíveis seria reduzido, o que agradaria aos consumidores. E mais: contribuiria decisivamente para baixar os preços dos bens de consumo em geral.

Diante do desinteresse de Trump em relação ao aquecimento global, ninguém estranhou sua retirada do Acordo de Paris.

O tratado, assinado por 196 países em 2015, tem como objetivo a redução das emissões de gases que causam o efeito estufa para evitar o aumento da temperatura global acima de 1,5C.

Teme-se que o aquecimento global possa atingir 2,7C até o ano de 2.100, impulsionado pelo eventual sucesso de Trump com seu plano de multiplicação das perfurações de petróleo.

Podemos esperar mais enchentes como no Rio Grande do Sul e em New Orleans, terremotos como no Haiti e no Japão, incêndios como em Los Angeles e no Brasil e ciclones como no Caribe e nos EUA. Só que ainda mais terríveis, além da imaginação.

Mais genocídio

Na política externa, a princípio pareceu que o presidente republicano iria mudar, porém, para melhor. Sua intervenção forçando o duro Netanyahu a aceitar um cessar-fogo, com um acordo decente apresentado na ONU pelos EUA, em maio, (o Brasil já o apresentara em setembro do ano anterior, mas os norte-americanos ignoraram) recebeu aplausos gerais.

Foi tido como uma esperança de que Trump, usando o poder do seu país, poderia impor uma solução justa para o drama palestino. Desilusão.

Tendo um jornalista perguntado a Trump se ele confiava na trégua na guerra de Gaza, o presidente disse que não e esclareceu: “Não é nossa guerra, é deles”. Falou como um incorporador imobiliário: “Gaza é interessante. É uma localização fenomenal. Junto ao mar, o melhor tempo. Algumas coisas fantásticas poderiam ser feitas em Gaza”.

Provavelmente, uma sucessão de apartamentos para os cidadãos dos EUA e da Europa gozarem das férias, servidos por empregados palestinos... Explicando melhor sua ideia, Ttump propôs que o povo palestino fosse removido para a Jordânia e o Egito, já que Gaza teria acabado, “é literalmente uma área de demolição”, afirmou.

A ideia foi rejeitada pela Jordânia e o Egito, além da Autoridade Palestina e dos grupos de direitos humanos. O diretor da Human Rights Watch na Palestina e em Israel declarou: ”se essa proposta fosse implementada representaria uma alarmante escalada na limpeza étnica do povo palestino e exponencialmente um aumento no seu sofrimento”.

Ucrânia-Rússia

Enquanto os palestinos podem contar com o pior da parte de Trump, os ucranianos esperam que, graças a ele, a guerra acabe. Trump praticamente ordenou a Putin que trabalhasse num acordo viável.

Como ninguém imagina que a Ucrânia possa ganhar a guerra, espera-se que o chefão de Moscou não se prevaleça da sua superioridade, exigindo condições tão indigestas que levem Zelensky a optar pela continuação da guerra até o Ocidente parar de lhe enviar armas.

Dado o pouco interesse de Trump pela guerra da Ucrânia e seu bom relacionamento com Putin, as partes firmem um acordo de paz. No qual a Ucrânia perderia parte da região leste, onde os russos são maioria.

Repararam como Trump não falou uma única vez em direitos humanos em qualquer de suas muitas declarações, ao contrário de Biden que sempre se apresentou como defensor desses direitos, ditos um dos pilares de seu governo?

Trump os ignorou completamente, enquanto Biden, o “humanista”, apoiou com centenas de bombas o morticínio dos palestinos civis por Israel.

Mas Biden teve algum êxito na defesa do outro pilar de seu governo: a democracia.
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, o ex-presidente assumiu a liderança dos países do bloco ocidental para defender a soberania ucraniana.

Apesar do decréscimo do apoio geral ao regime de Kiev, Biden ainda é prestigiado nos EUA e na Europa, como o protagonista na luta contra a violência do urso das estepes.

Para menosprezar a posição honrosa do rival Biden, Trump proclamou a sua superioridade no concerto internacional, afirmando em março de 2023, que, caso eleito, acabaria com a guerra da Ucrânia, antes mesmo de tomar posse.

Essa data passou há quase um mês e os céus ucranianos continuam cortados por bombardeiros, drones e disparos de artilharia na sua faina devastadora. Pondo os pés na terra, Trump aumentou o prazo da paz em mais 100 dias.

Por enquanto, ele está ouvindo as duas partes em conflito, sem incluir nas negociações seus aliados europeus que também participam das lutas, enviando armamentos ao exército do presidente Zelensky.

Guerras comerciais

Numa época em que o multilateralismo é celebrado urbi et orbi, Trump navega em sentido contrário. Ele não aceita compartilhar seu poder com outros atores ou obedecer a decisões de diretores de organizações internacionais, eleitos pelos países-membros.

Daí a saída do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde. Com os tarifaços, Trump está violando regulamentos da Organização Mundial do Comércio. Não se retirou da entidade porque, até agora, seus dirigentes mantêm-se alheios aos arroubos comerciais do governo.

O unilateralismo do presidente republicano deve fazer os EUA se ausentarem de outras organizações mundiais da maior importância para a comunidade internacional.

Mesmo que isso não aconteça, as políticas já definidas por Trump no relacionamento até com potências aliadas já bastam para ameaçar o futuro da humanidade.

O tarifaço tem tudo para provocar uma guerra comercial que gere uma poderosa crise econômica de âmbito mundial com consequências imprevisíveis.

Sem os EUA, a Organização Mundial da Saúde não terá recursos suficientes para enfrentar epidemias inesperadas, com a necessária eficiência. Os países do Acordo de Paris, que enfrentam sensíveis dificuldades para atender às metas de controle do aquecimento global, sem os EUA, têm menos chances de êxito.

Isso porque, mais do que reduzir o crescimento do aquecimento global, os EUA devem o acelerar, em consequência da eliminação da proteção ao meio ambiente contra a poluição, especialmente graças à política de intensificação da perfuração de poços petrolíferos.

O que está por vir pode ser o caos. Restaria rezar.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça