30 meses de governo Petro: entre o amargo e o doce
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- Fernando Dorado
- 14/02/2025
“Sem aprofundamento da participação popular na vida nacional-cultural, não há mudança. Temos que recuperar a noção de que a política consiste em ampliar as capacidades populares, as capacidades das pessoas comuns”, Gabriel Winant
Após 29 meses de exercício de um governo progressista, chegou a hora de fazer um sério balanço tanto das realizações concretas e seus conteúdos (transformadores ou não) quanto das formas (tradicionais ou não) como se tentou governar este país complexo e conflituoso. Trata-se de identificar com a maior precisão se a “Mudança” proposta pelo presidente Petro está abrindo caminho na sociedade e no povo colombiano, ou se, até agora, foram apenas tentativas, gestos e anúncios frustrados, que não tiveram maior concretização prática. E, assim, analisar com consciência quais são as causas de uma ou outra situação e vislumbrar como isso influenciará o futuro político e eleitoral, que de alguma forma já começou e se desenvolverá no ano de 2025.
Ponto de partida
Antes de avançar, é importante lembrar como o progressismo e as esquerdas chegaram ao governo. De acordo com nossa visão, fundamentalmente, houve uma continuidade com o processo que se formou no governo de Santos (2010-2018), que denominei “aliança interclassista pela paz”, e que havia sido interrompido pelo governo de Duque (2018-2022).
Desde o início, estava claro que se chegou ao governo, mas o Poder continuou nas mãos da oligarquia financeira e seus aliados, já que controlam a economia e, naquele momento, monopolizavam os demais órgãos do Estado, apesar de pregarem a divisão de poderes no Estado colombiano e o sistema de freios e contrapesos. Hoje, não têm controle total sobre a Procuradoria, a Defensoria Pública e a Procuradoria, o que é um avanço para as forças progressistas e a sociedade em geral.
Esse processo de paz de Santos fez convergir importantes setores da oligarquia
financeira, empresários nacionais, burguesia burocrática, burguesias emergentes de diferentes tipos e os setores populares (trabalhadores formais e informais, camponeses, indígenas e afrodescendentes). A meta e a tarefa de “conquistar a paz” uniram essa ampla faixa da sociedade.
Para a oligarquia e os “democratas” dos EUA, o principal objetivo de desmobilizar e desarmar as FARC era se apropriar e “investir” em regiões estratégicas que essa guerrilha controlava. Além disso, foram impulsionadas algumas reformas cosméticas para atenuar o conflito social. Assim, colocaram suas linhas vermelhas em defesa do modelo de desenvolvimento econômico existente e a continuidade de seu Estado “democrático”. O desafio para o povo era superar essa guerra manipulada pelo grande capital e acumular forças transformadoras para o futuro.
Os grandes latifundiários e os novos latifundiários que instrumentalizaram a insurgência para impulsionar sua “contrarreforma agrária armada”, despojando centenas de milhares de camponeses de suas terras, se opuseram a esse “processo de paz” em aliança com o que há de mais reacionário nas elites dos EUA, com o argumento da ameaça comunista ou do “castro-chavismo”. E, com essa posição, conseguiram influenciar amplos setores da população que, nas décadas anteriores, foram violentados pelas FARC em sua dinâmica “guerrilheira”, que se degradou com o tempo.
Assim, o governo de Iván Duque foi eleito em 2018 porque Santos e as próprias FARC cometeram enormes erros (“demagogia pacifista”) que deram força às direitas para retornar ao governo e tentar “destruir a paz”. No entanto, alguns setores do nosso povo, especialmente os jovens profissionais precarizados das cidades, assumiram as bandeiras da paz e, com sua ação no final de 2019, alimentaram o “estouro social” de 2021. Hoje, estão à espera e um pouco decepcionados.
Após o estouro social, Gustavo Petro se colocou à frente do povo para canalizar política e eleitoralmente o que aconteceu com as protestos e mobilizações sociais, mas, devido a uma série de erros, especialmente a idealização dos jovens da chamada “primeira linha”, que se deixaram infiltrar por grupos armados de todos os tipos e foram levados a cometer atos violentos, o progressismo e as esquerdas não conseguiram canalizar plenamente a potência e a amplitude desses protestos e foram obrigados a ceder terreno (“aliar-se”) com os partidos tradicionais para poder eleger um presidente.
Assim, refez-se a “aliança interclassista”, mas em novos termos. Agora, é a burguesia burocrática que se coloca à frente do bloco oligárquico para negociar com Petro e o progressismo, com a clara intenção de deter, sabotar e/ou retardar o processo de mudança. As esquerdas e as organizações sociais, neste período, dedicam-se a aprovar ou aceitar as “jogadas” de Petro, já que estão conscientes de que, para ganhar a presidência, era necessário “dividir as direitas” e tentar formar uma forte aliança parlamentar majoritária.
E assim, conseguiu-se a eleição de um presidente progressista e de esquerda que contava com uma bancada parlamentar minoritária do Pacto Histórico. Nessa fase de eleição e posse do novo presidente, pregava-se que havia se constituído a chamada “frente ampla”, que, na realidade, nunca se concretizou e unificou em torno de um programa de governo, muito menos de uma estrutura organizativa. A “boa vontade” e a ação sobre a marcha eram a constante dessa aliança interclassista e interpartidária.
Nessa “frente ampla”, que nunca foi “frente” e sim muito “ampla”, posaram para a foto a esquerda tradicional e o progressismo petrista; os verdes, liberais e conservadores; e toda classe de oportunistas e arrivistas, entre eles, pessoas que haviam sido “uribistas” como Roy Barreras e Armando Benedetti ou “santistas” como Alfonso Prada e Mauricio Lizcano. Eles e muitos outros hoje se aproveitam da burocracia e dos contratos no “governo da mudança”.
A pergunta que surge dessa lembrança tem a ver não tanto com se foi conveniente realizar acordos com os partidos tradicionais para chegar à cabeça do Executivo, mas em como se tem manejado esse “touro de lide” (partidos tradicionais) ao longo desses dois anos e meio. Se, uma vez “enlaçada a besta”, se tem apertado a corda para tirá-la de seus terrenos e costumes ou, pelo contrário, se tem cedido mais do que o necessário. Abordaremos isso mais adiante.
As realizações do governo Petro
Os cinco temas que concentram as realizações do governo progressista são: a política de paz, e dentro dela, a reforma rural integral; as reformas sociais e políticas (saúde, previdência e trabalhista); a política econômica e a mudança da matriz produtiva e energética; a política social (subsídios e serviços públicos); e a política exterior.
No processo de paz, o principal logro, após cessar-fogos e idas e vindas, foi revelar à sociedade colombiana a decomposição política e organizativa desses grupos armados. Todas essas “insurgências” se dividiram nesse processo de “paz total”, mas a situação de segurança no país continua sendo crítica, com um aumento da extorsão, recrutamento de crianças e adolescentes, deslocamentos forçados, confinamentos e assassinatos de líderes e lideranças nos territórios, principalmente, pelas chamadas “dissidências” que utilizaram as aproximações e diálogos para fortalecer sua presença em diversos territórios. Da mesma forma, o Clã do Golfo fortaleceu e ampliou seu controle territorial na Costa Caribe, Chocó, Antioquia e outras zonas estratégicas.
O aspecto a destacar, especialmente na reforma rural integral, tem sido a vontade que o governo tem mostrado em dotar de terras os camponeses despojados e deslocados durante o conflito armado, conseguindo acordos com os pecuaristas (embora a oferta de terras tenha sido limitada) e destinando importantes recursos para alcançar tal propósito, mas, de acordo com a maioria dos líderes camponeses, a entrega de terras ainda é mais simbólica que real. O presidente fala de 440 mil hectares entregues, mas a posse real está longe dessa cifra. Destaca-se o aprovado em jurisdição agrária, obtido basicamente pela pressão camponesa e o apoio da bancada do Pacto Histórico.
Quanto às reformas sociais em saúde, previdência e trabalhista, que tiveram como principal cenário o Congresso Nacional, os resultados são agridoces, mais amargos que doces. Num primeiro momento, obteve-se a aprovação da reforma tributária e do plano nacional de desenvolvimento, mas, depois, os avanços legislativos foram ao ritmo que os partidos tradicionais impuseram, às vezes, aliados ao Centro Democrático e ao Cambio Radical (direitas) para sabotar o trâmite legislativo ou pressionar para obter contratos e burocracia.
Até agora, a única reforma social que foi aprovada é a previdenciária. O logro das mil semanas para as mulheres (processo projetado para vários anos) e a ampliação da contribuição para idosos sem aposentadoria são aspectos a destacar, mas também é certo que se incluíram pontos acordados com os fundos privados (capital financeiro), que continuarão administrando parte dos recursos, poderão operar como entidades administradoras na poupança individual do pilar contributivo do novo sistema, e as contribuições para aposentadoria acima de 2,3 salários mínimos mensais legais vigentes continuarão sendo administradas por eles.
Quanto à reforma da saúde e a trabalhista, avançam ao ritmo que impõem os acordos burocráticos e os gestos que fazem todos os setores interessados, e pelo caminho vão ficando ministros “queimados” e acusados de tráfico de influências. O povo, que deveria estar pressionando, foi parcialmente neutralizado com propaganda apocalíptica sobre a inconveniência de ambas as reformas (saúde e trabalhista) e, embora tenham existido importantes mobilizações de apoio, sua força não tem sido contundente. Alguns erros em seu trâmite, cometidos por ministros acelerados e intempestivos, serviram de desculpa aos “aliados” para se unirem à oposição e sabotar o trâmite normal das reformas ou para “afundá-las”, como aconteceu com a reforma política (que propriamente não era do governo).
No manejo da economia, o governo Petro tem sido relativamente “cauteloso” e “disciplinado”. Está consciente de que nesse terreno deve lidar com a “independência” do Banco da República e a supervisão das agências “internacionais” de risco, que estão atentas para impedir qualquer tipo de medida que saia da ortodoxia neoliberal, e, especialmente, o respeito à Regra Fiscal. Nisso também estão todas as cortes judiciais que defendem a “doutrina jurisprudencial” desenvolvida nos últimos 34 anos. As experiências do Equador e da Bolívia são um bom referencial para entender que romper com as dinâmicas do grande capital não só depende das forças internas em cada país, mas da construção de um bloco de países latino-americanos e de um movimento sociopolítico global que enfrente e desafie esse poder.
Quanto às transformações do aparato produtivo, a industrialização e a mudança da matriz energética, houve alguns anúncios relacionados à economia popular e à democratização do crédito, mas, fundamentalmente, não se observa uma estratégia que se apoie com clareza e decisão nos setores sociais e econômicos que estão interessados nessas políticas, como os pequenos e médios empresários e produtores (especialmente agrícolas) e a maioria dos profissionais precarizados, que em sua maioria são “empreendedores” ou subempregados. Nesse campo, o governo progressista continua atado, como os anteriores, a quem tem acesso ao aparato produtivo formal, quando a maior parte da população é informal. Muitos deles estão migrando para o mundo desenvolvido porque não encontram soluções e oportunidades em nosso país.
No entanto, até agora, apesar dos anúncios de crise ou apagões energéticos ou financeiros que pregam as cabeças dos sindicatos empresariais, os ex-ministros da Fazenda e os meios de comunicação “prepagos”, o governo Petro reduziu a inflação, o desemprego se mantém abaixo de 10% e o crescimento da economia está em alta, embora não o suficiente para gerar um amplo espírito de otimismo. Também ajudou a conjuntura internacional que disparou os preços do café e do cacau, que contribuíram com o aporte da agricultura ao PIB, assim como as remessas enviadas do exterior. O setor do turismo também contribuiu para o crescimento econômico.
Uma das principais propostas do presidente Petro gira em torno de uma política social adequada para fechar as brechas socioeconômicas e alcançar uma sociedade mais justa e menos desigual. No entanto, nessa matéria, as realizações têm sido bastante limitadas. As mudanças que haviam sido projetadas no manejo dos “subsídios” ou transferências monetárias condicionadas ou não condicionadas, para que esses recursos se focalizem nas famílias mais vulneráveis e necessitadas, ainda não se concretizaram. Existe a proposta de dar a alguns subsídios o caráter de incentivo à produção, mas ainda não se avançou nessa direção, e a conjuntura político-eleitoral que se aproxima vai dificultar a tarefa.
A criação do Ministério da Igualdade, encabeçado pela vice-presidente Francia Márquez, tem sido até agora algo funesto e inconveniente, já que muitos dos institutos que têm a ver com essa matéria, como o ICBF e o Departamento de Prosperidade Social (DPS), continuam atuando de forma separada e descoordenada. Mantém-se a superposição, duplicidade e contraposição de competências e recursos. Por outro lado, programas tão importantes como o Plano de Alimentação Escolar (PAE) continuam com o mesmo esquema de contratistas e operadores privados, sem que o governo tenha intervindo para dar maior participação à comunidade educativa.
Em política social, estão os temas de habitação e serviços públicos. Nessas matérias, o governo progressista quis intervir para romper com o controle do grande capital, mas até agora não se desenvolveram ações concretas e efetivas. Os grandes monopólios privados que expropriaram as comunidades e se apropriaram das empresas de serviços públicos nos anos 90 e início do século 21 não estão dispostos a reformar ou mudar as condições normativas de seus negócios, que lhes geraram imensos lucros nessas últimas três décadas. Com o “apagão” (paralisação empresarial) de um dia em Vichada, já mostraram o que são capazes de fazer. São um osso duro de roer.
A política exterior, liderada diretamente pelo presidente Petro, parece oferecer os melhores resultados, apesar da alta complexidade desse terreno geopolítico e diplomático. Normalizou-se a relação com a Venezuela e abriram-se as fronteiras; as relações com o governo estadunidense mantiveram-se estáveis, apesar da posição do governo colombiano, que tem sido firme em não se alinhar com os blocos geopolíticos enfrentados na Ucrânia e que romperam as relações com Israel diante da guerra de extermínio que esse governo impulsiona e executa contra o povo palestino. Nesse aspecto, Petro rompeu com toda a tradição oligárquica que se submetia aos ditames do império estadunidense, e, em torno do tema da crise ambiental e as consequências da mudança climática, conseguiu construir uma liderança internacional que nenhum presidente colombiano havia conseguido no passado. Se essa “linha estadista”, firme mas serena, fosse aplicada internamente, certamente estaríamos melhor. Claro, com o que aconteceu recentemente no país irmão e a eleição de Trump, as coisas podem se complicar no futuro imediato.
Em outras áreas, como comunicações (TICs), a fazenda, transporte, educação, cultura, justiça e demais, há realizações parciais e conquistas interessantes. No entanto, ainda não conseguem gerar impactos importantes que transcendam para a sociedade. Apesar de alguns esforços iniciais (“diálogos regionais”), a participação das comunidades na gestão governamental tem sido muito limitada e subordinada, e, por isso, a luta contra a corrupção continua dependendo da vontade dos funcionários, sem que exista um verdadeiro controle social.
O problema de fundo, o que se questiona neste escrito, é que o presidente Petro, a fim de deixar um legado (ou talvez, inconscientemente, querer se reeleger), quis fazer mais do que materialmente se podia fazer. Não havia conseguido uma vitória eleitoral contundente; não contava com os recursos econômicos que teve, por exemplo, Chávez; não tinha as maiorias parlamentares que acompanharam AMLO em seu mandato, e não existe na Colômbia um movimento social forte como os do Equador ou da Bolívia (em seu momento). Por isso, por querer fazer mais, entregou grande parte do governo aos “mesmos de sempre” (políticos de todos os tipos) para que continuassem com as mesmas práticas. “Pouco, mas bom”, pedia aquele revolucionário russo de outrora, o que implica, antes de tudo, apoiar-se realmente nas pessoas e gerar, de fato, um “processo de mudança” baseado em novos valores e práticas verdadeiramente transformadoras.
As formas predominantes no governo progressista
As formas de governo estão determinadas pela política traçada e pela qualidade dos protagonistas. Nesse sentido, apresentamos sinteticamente alguns pontos que devem ser aprofundados em um artigo posterior. Vejamos:
1. O governo Petro e Petro como seu principal protagonista
Podemos afirmar que o exercício do governo progressista durante esses 29 meses está caracterizado e determinado pela personalidade do presidente Petro e pelas formas como ele quer materializar o programa de governo que ficou aprovado no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) “Colômbia, potência mundial da vida”.
Os altos funcionários que o presidente nomeou assumiram o desafio de fazer o melhor desde seus cargos, mas quem impõe as “formas” é Petro. Eles ou elas não podem fazer quase nada diante desse fato. Essas formas ou maneiras não são discutidas nas reuniões de “gabinete” e, em muitos casos, como ocorreu com o ministro do Interior (Cristo), vão na contramão do que se acorda no momento de sua posse.
Nesses dois anos e meio, Petro nomeou 37 ministros e 54 vice-ministros. Isso determina em grande medida a forma como se administra o aparato de governo (executivo), que é parte importante do Estado. Nesses ministérios e institutos, concentra-se a maior parte da burocracia, o manejo dos recursos financeiros e as forças armadas. Mas é o primeiro mandatário quem impõe a agenda e o debate, o ritmo e a frequência, a aceleração ou a pausa.
Num primeiro momento, esteve o tema de como manter a chamada “frente ampla” e aprovar a reforma tributária e o PND. Nessa fase, tiveram bastante importância os “ministros liberais não oficiais” (Ocampo, López Montaño, Gaviria e o diretor do DNP, Iván González). Se não fosse por sua gestão, esse importante logro teria sido impossível.
Uma vez financiado (em teoria) o plano de desenvolvimento, quase que imediatamente Petro começa a apertar em todos os sentidos, especialmente a pressionar pela apresentação ao Congresso das reformas sociais (saúde, previdência, trabalhista), e por aprovar um método para tornar mais ágil e possível a compra de terras para impulsionar a reforma agrária (algo que a oposição chama de “expropriação express”). A ministra López não concordou e foi demitida.
Isso significava desafiar a oligarquia financeira sem contar com uma bancada parlamentar efetiva e majoritária. Esses ministros e funcionários, bastante experientes, perceberam imediatamente que era um passo em falso. As contradições com eles explodiram em pouco tempo e ocorreu a primeira crise ministerial, na qual o presidente aproveitou para demitir outras ministras que não cumpriam suas expectativas ou não faziam uma boa gestão (cultura e esportes).
Na Fazenda, nomeou Ricardo Bonilla, que, em geral, seguiu a linha de Ocampo, mas que, por suas proximidades com Petro, se envolveu em tarefas que, dentro da tradição institucional colombiana da burguesia cortesã, se fazia desde os “diretórios” e de forma mais que “dissimulada” com os chamados “cupos indicativos”. Agora, como se trata de um governo progressista que tenta se desvincular do controle oligárquico, todos os órgãos de controle e as Cortes judiciais estão vigilantes e prontos a abrir investigações e julgar os funcionários.
É nesse terreno que o governo Petro tem tido mais problemas. Pelo afã de cumprir com o povo, de mostrar resultados, seja na aprovação de leis reformistas ou em programas concretos (caso de La Guajira), impulsionam-se leis, aprovam-se decretos e resoluções que, de antemão, sabe-se que serão “derrubadas” pelo establishment judicial ou que serão sabotadas pelas maiorias retrógradas que aninham no Congresso Nacional.
A ideia, como ocorre com a recente “lei de financiamento” (reforma tributária não aprovada pelo poder legislativo), é mostrar ao povo a intencionalidade progressista e reformista do governo, e demonstrar que tanto magistrados quanto as maiorias parlamentares não só bloqueiam os planos e projetos que beneficiam o povo, mas que está em desenvolvimento o “golpe brando” (“lawfare”). O melhor exemplo dessa prática foi a proposta de impulsionar um “processo constituinte”, que, como todos observamos, só era entendido e impulsionado pelo presidente Petro.
Isso explica os contínuos e, às vezes, desesperados chamados à mobilização popular que o presidente Petro tem lançado contra o bloqueio institucional e contra o “golpe brando”, que, com o tempo, têm se desgastado. É evidente que “sabíamos que não seria fácil” e, por isso, era necessário desenhar a estratégia mais coletiva possível para acumular verdadeira “força popular”, muito além da que existe nos “movimentos e organizações sociais”, que, como temos observado, carregam dinâmicas demasiado setoriais e burocráticas.
Ou seja, o presidente Petro lança uma ofensiva após outra sem contar com uma verdadeira e efetiva força social e política. Ele se apoia nos resultados eleitorais de 2022, no “mandato popular vencedor”, mas parece não ser suficiente. Após cada “tentativa”, deve recuar e voltar à proposta do “acordo nacional” com os partidos tradicionais e alguns setores econômicos. Nesse processo, propõe grandes projetos, anuncia uma série de realizações e repreende publicamente ministros e funcionários, concentrando todo o esforço em sua liderança pessoal.
É evidente que essa “forma de governar” gera uma série de problemas tanto no interior do governo quanto nas “forças da mudança” e, em geral, entre o povo e a sociedade. Essas dificuldades podem ser sintetizadas assim:
• O “governo do povo” acaba concentrado na pessoa do presidente.
• A “mobilização popular” se reduz a apoiar Petro nas ruas.
• Não se promoveu uma efetiva participação social e cidadã na gestão do governo.
• Os ministros e funcionários não conseguem sintonizar com as “formas” de Petro.
• A última palavra sobre quase todos os temas tem que ser dada pelo presidente.
• Os possíveis herdeiros de Petro acabam “queimados” nessa dinâmica tensa e desgastante.
• À sombra dessa “liderança onipotente”, se infiltra a ineficiência e a corrupção.
• O presidente vai ficando sozinho, ninguém questiona seus erros e não há autocrítica.
• Fortalecem-se artificialmente alguns funcionários próximos ao presidente, enquanto os ministros e outros funcionários se desgastam e murcham nesse exercício.
• Uma espécie de “guarda pretoriana” composta por “youtubers” e “influencers” vai adquirindo um poder inusitado com base em “endeusar” Petro e acusar de “uribista” quem ousar questionar alguma medida ou atuação com o argumento de “não dar papaya à direita”.
2. O governo Petro e as formas tradicionais de governar
É evidente que, ao longo desses 30 meses de governo progressista, as formas de governar têm sido absolutamente tradicionais. Parece que as alianças com setores políticos tradicionais impediram que os dirigentes do Pacto Histórico e o próprio Petro tentassem romper com essas maneiras em que o povo é receptor passivo das políticas, planos, programas e projetos que são traçados “de cima para baixo” sem que, efetivamente, as pessoas “de baixo” possam decidir e participar ativamente na concretização e controle dessas iniciativas.
Só durante a elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento foram realizadas reuniões nas quais os dirigentes das organizações sociais participaram – embora formalmente – em uma espécie de consultas nos diversos territórios, mas com a limitação de que a priorização e aprovação das diversas iniciativas e projetos propostos pelas comunidades foram realizadas em altas instâncias do governo e, portanto, essas propostas comunitárias não se converteram em uma ação coletiva “de baixo para cima”.
A escassa qualificação e burocratização dos movimentos e organizações sociais, a dispersão e falta de unidade entre os diferentes setores sociais nos territórios e a dinâmica “grupista” e personalista dos dirigentes do Pacto Histórico, que só pensam em ser (re)eleitos nas próximas eleições, são impedimentos e obstáculos para lograr que, desde as bases das comunidades, se imprima uma ação social e política que contrarie as formas tradicionais de fazer política e de governar só “de cima para baixo” (“fetichismo legalista” e “estatismo obsessivo”).
Essas circunstâncias levaram a que sejam os partidos tradicionais e/ou grupos e dirigentes provenientes dessas práticas politiqueiras e clientelistas que se alinharam com o Pacto Histórico ou que nunca superaram essa “herança”, os que controlem as instituições e entidades que manejam a maior parte dos recursos públicos (ministérios, Sena, ICBF, governações, prefeituras, etc.), e, portanto, esses setores políticos são os que têm o controle dos projetos, burocracia e recursos econômicos de olho nas eleições de 2026, tanto em nível nacional e muito mais nos entes territoriais, onde a politicagem tradicional foi a que se posicionou nas últimas eleições regionais e locais.
Algumas previsões para o futuro imediato
Apesar dos esforços do presidente Petro e de alguns dirigentes do Pacto Histórico por posicionar a ideia da “Mudança”, baseando-se principalmente na nomeação de alguns funcionários provenientes de dinâmicas sociais e populares, no impulso de algumas iniciativas (reformas legais e programas como a reforma agrária) e na focalização de alguns recursos financeiros para beneficiar a “população vulnerável” de territórios esquecidos pelos governos anteriores, o que a maior parte da sociedade colombiana percebe é que a “mudança” ficou enredada nos escaninhos legais e nos acordos com os partidos tradicionais.
É o custo que o presidente Gustavo Petro teve de pagar para lograr certo nível de “governabilidade”, que tem sido bastante precária e instável, quando escolheu a estratégia política que descrevemos anteriormente. Nunca se propôs outro tipo de alternativa. Em vez de priorizar o cenário do Congresso para impulsionar suas políticas centrais (industrialização de novo tipo, mudança da matriz energética e democratização da sociedade colombiana em todos os níveis), poderia ter buscado diretamente (sem intermediação política) os setores sociais e econômicos que têm as condições materiais e culturais para impulsionar tais transformações: os pequenos e médios produtores (especialmente agrícolas) e os profissionais precarizados das cidades.
O que podemos observar é que, se isso não foi tentado quando era possível, agora que já entramos nos terrenos da campanha eleitoral de 2026, será quase impossível que o presidente Petro e o Pacto Histórico impulsionem algum tipo de virada, o que implica romper com as práticas que predominaram durante esses 30 meses de administração, muito mais quando as limitações orçamentárias vão passar uma protuberante conta de cobrança frente às promessas e anúncios de soluções e projetos que até agora têm sido difíceis de cumprir.
Tudo indica que aqueles que pretendiam posicionar a ideia da reeleição do presidente Petro não terão maiores possibilidades de concretizar essa iniciativa, que implica reformar a Constituição. Igualmente, os setores progressistas e de esquerda que aspiram a emular o caminho iniciado por Petro, de enfrentar a oligarquia financeira e seus aliados cortesãos da burguesia burocrática e outros setores sociais, vão ter sérios problemas para posicionar candidatas(os) com esse perfil.
O que vai aflorando no cenário político é que a “socialdemocracia liberal-progressista”, medrosa, temerosa, supostamente “moderada”, “superpragmática”, com tintas e heranças “santistas” e “samperistas”, que tem laços e influências entre setores liberais, conservadores e do “partido U (Uribe)”, sejam os que “colham” tudo o que semearam dentro do governo progressista e de esquerda, e que, portanto, ao estilo do que ocorreu no Equador e na Bolívia, surjam na Colômbia os Lenin Morenos ou os Luis Arces, que, em nome de Petro, se postulem para continuar com o “governo da mudança”.
Apesar desse augúrio bastante pessimista, penso que a liderança dos movimentos sociais e o mais avançado do Pacto Histórico ainda têm a oportunidade de influir nas decisões do presidente Petro. Uma espécie de “Golpe de Timão” é possível, urgente e necessário.
Fernando Dorado é ativista social, dirigente sindical de trabalhadores do setor de saúde e eletromecânicos. Colabora com movimentos sociais do Vale do Cauca, Colômbia. Deputado entre 1994-1997.
Traduzido por Gabriel Brito, editor do Correio da Cidadania.
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