Desta vez, os inimigos da Pátria são os quilombolas
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- Henrique Cortez
- 19/02/2009
Como discutimos no editorial "Ambientalistas, os novos inimigos da Pátria (Quem são os inimigos da Pátria?)", o governo, seus ministros – exceções honrosas -, parlamentares ruralistas, representações empresariais, com o apoio expresso da grande mídia, sempre que podem atacam os ambientalistas, como sempre atacaram os movimentos sociais e populares.
A campanha difamatória não perde fôlego e, desta vez, ataca os quilombolas.
De acordo com a Agência Estado, o ministro da Ciência e Tecnologia (MCT), Sérgio Rezende, criticou a ‘intransigência’ de quilombolas na região de Alcântara, no Maranhão. Segundo ele, "está havendo uma certa intransigência", disse. Ele manifestou preocupação com a situação, observando que o movimento "tem impedido ou dificultado a evolução do programa espacial". "Temos de ter um diálogo. Nesse momento eles estão impedindo o trabalho que nós estamos procurando fazer", afirmou o ministro, que esteve em Belo Horizonte, onde assinou convênios com o governo de Minas Gerais. "Muitos desses movimentos sociais são liderados por pessoas que até têm outros interesses", disse, sem citar quais seriam essas pretensões.
Argumentos semelhantes, pelas mesmas ‘razões’ e igualmente contra os quilombolas, já haviam sido usados pelo ministro Jobim. Segundo a Folha Online o ministro Jobim afirmou que "Da perspectiva do Ministério da Defesa, a área de Alcântara é imprescindível. Ou seja, o Brasil é o único que dispõe, junto com a França, em Kouru (base de lançamentos na Guiana Francesa), de local privilegiadíssimo para o lançamento de satélites. Não podemos abrir mão desse aspecto", afirmou, no Rio.
As declarações dos ministros, por si mesmas, demonstram de quem é a intransigência e a falta de diálogo. Ambos demonstram e fazem questão de expressar que o governo quer a área e ponto final.
Outra questão são os outros interesses que "têm impedido ou dificultado a evolução do programa espacial". Bem, vamos avaliar um pouco melhor a quem interessaria "sabotar" o nosso programa espacial.
É evidente que as agências espaciais e a indústria aeroespacial dos EUA e Europa não devem estar preocupadas conosco, já que estão anos-luz a nossa frente. A China, a Ucrânia e a Índia têm diversas parcerias conosco nesta área e sempre demonstraram vontade de avançar ainda mais.
Sobram os nossos vizinhos latino-americanos e, mesmo eles, também não estão preocupados com o nosso programa espacial, principalmente porque todos têm coisas mais importantes e urgentes com que se preocupar.
As acusações generalistas de que os movimentos sociais têm outros interesses precisam ser provadas e documentadas. Se não o foram até agora é porque os ‘fatos’ não existem. Se existissem e pudessem ser provadas, alguns ministros não perderiam a oportunidade de criminalizar os que se opõem ao seu desenvolvimentismo.
O governo não está percebendo que diversos ministros estão perdendo contato com princípios básicos das democracias modernas, inclusive esquecendo que os governos são transitórios, mas a sociedade não é.
Atitudes recheadas de arrogância e soberba, que defendem o princípio de que ‘os fins justificam os meios’, podem ser muito perigosas para a democracia. Não podem e não devem ser permitidas e muito menos estimuladas. O governo deve ficar atento ou vai perder o controle do ‘serpentário’.
Na outra ponta da questão, há quem, dentro do governo, queira estimular a reaproximação com os movimentos sociais e populares. Mas fica a pergunta: reaproximar em que? Qual a pauta? Quais as propostas e compromissos?
Estes são momentos difíceis e, ao que parece, podem piorar e muito. Mas não precisam piorar.
Tenho certeza de que os movimentos sociais e populares continuam abertos ao diálogo e têm tanto amor ao país como qualquer ministro diz ter. Mas, acima de tudo, um diálogo só pode ser construído com respeito.
O governo deve explicar aos ministros o que são os movimentos sociais e populares, qual a importância destes movimentos para que este governo fosse possível. Deve ainda explicar que o respeito para com parceiros históricos não pode ser menor do que o respeito para com os aliados de ocasião.
A partir daí, o diálogo necessário torna-se possível.
Henrique Cortez é coordenador do Ecodebate.
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