As energias do Futuro e os futuros do Pré-Sal (5) – Definindo os Eixos de Incerteza
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- Pergentino Mendes de Almeida
- 28/07/2010
O campo de incertezas das energias do futuro e do Pré-Sal
Existem, conforme vimos nesta série de matérias, incertezas mais do que suficientes para alimentar dúvidas e fundamentar roteiros alternativos de futuros possíveis ("cenários"). Cada futuro possível pode gerar conseqüências divergentes e a sua probabilidade é, no momento, impossível de se estimar com objetividade.
É sobre essas áreas de dúvidas que queremos estender uns poucos eixos independentes que as cubram de modo razoável. Como vimos antes, a intenção aqui é cercar esse campo de incertezas para mapear os extremos em direção aos quais a evolução do Pré-Sal brasileiro pode tender, não a de fazer previsões quanto a um futuro de longo prazo, que presumimos incerto.
Nos itens seguintes vamos mencionar abreviadamente algumas das principais questões que desenvolvemos em partes anteriores deste ensaio.
Problemas para o futuro das energias no mundo
Hoje não há mais dúvida a respeito do aquecimento global e de outros problemas gerados pelo consumo de energia e pela industrialização. Não se pode deter o desenvolvimento e não se pode mantê-lo sem aumento do consumo global de energia. A principal fonte de energia hoje são os combustíveis fósseis e o maior vilão dessa história é a emissão de CO2 na atmosfera (embora não seja o único). Parece irreversível a tendência à sua redução pela adoção de novas e mais eficientes tecnologias e fontes de energia.
Acabar drasticamente e de imediato com as emissões de CO2 e com o consumo de combustíveis fósseis não é possível. Por outro lado, adotar novas tecnologias que aumentem ou estimulem ainda mais o seu consumo, nem pensar.
O século XX viu a consolidação da Era do Petróleo, motor do desenvolvimento mundial desde o final do XIX até hoje, no começo do XXI. Esse ciclo de predominância do petróleo deve ser aos poucos substituído por um predomínio do gás natural, junto com, ou antecedendo, um período de aumento de variedade das fontes de energias e ganho das energias naturais e renováveis (sempre como complementares), do hidrogênio e finalmente da energia atômica.
Não se espera que acabe a exploração do petróleo, como até hoje não acabou a do carvão, fonte principal de energia para a humanidade até o século XIX. O que se espera é a transferência, mais ou menos gradual, do predomínio de algumas energias para outras.
Petróleo
Quando se fala em petróleo, costuma-se pensar em diesel, gasolina, carros e transportes em geral. Entretanto, é necessário lembrar sempre que, no mundo todo, o petróleo é o combustível mais usado para gerar eletricidade (além da fabricação de plásticos e outros materiais). Poucos países têm os recursos que o Brasil tem para a geração hidrelétrica.
O consumo de petróleo vem aumentando sistematicamente até hoje, em termos absolutos, mas tem caído em termos relativos. Ou seja, as alternativas de produção de energia estão apenas começando.
São infundados os temores de que faltará petróleo nas próximas décadas. A disponibilidade de petróleo é correlata das variações das reservas comprovadas e estas por sua vez são correlatas com o preço do petróleo. E a produção de petróleo a partir do xisto betuminoso pode virar o panorama energético de cabeça para baixo e colocar os Estados Unidos na posição de maior exportador de petróleo e a Europa como grande produtora, partir de seu próprio território e, em especial, do Leste Europeu.
Estima-se que o preço do barril de petróleo nos próximos 20 ou 30 anos deverá permanecer em torno dos níveis de 2009, cerca de US$ 65 – salvo alguma coisa imprevista, como uma invasão do Irã, uma guerra entre árabes e Israel, ou então, por exemplo, um "improvável" vazamento de petróleo numa plataforma do Golfo do México, com trágicas conseqüências ambientais. Isso poderia ensejar uma interferência governamental para estabelecer uma regulação com padrões mais rígidos de segurança – o que parece estar em curso, mas, no momento em que escrevo isto, o vazamento da BP ainda não está controlado, e nem resolvidas e dimensionadas estão suas conseqüências.
A importância do preço do barril reside no fato de que quanto maior ele for maiores serão os incentivos para a adoção de energias alternativas, que tenderão a se tornar economicamente viáveis. A situação, numa ultra-simplificação dos fatos, é como se quanto mais se enriquecer a economia do petróleo, tanto mais rapidamente ela tenderá a perder força. Isso, incidentalmente, é o maior temor dos sauditas desde a crise dos anos 70. A dinastia saudita sempre se opôs a aumentos especulativos do preço do petróleo, mesmo sendo ela beneficiária deles.
Outras fontes de energia
Além disso, as reservas de gás natural, inclusive o gás extraído dos depósitos de xisto betuminoso, são enormes e pouco exploradas. O gás natural, combustível fóssil, é uma alternativa mais limpa do que o petróleo e o etanol. O Brasil tem grandes reservas de gás, inclusive na camada do Pré-Sal, assim como os Estados Unidos e outros países, como a Rússia e a Bolívia.
O uso do etanol no transporte – por que não também na produção de energia elétrica? – é um paliativo, não uma solução. Primeiro, porque também emite poluentes e não é considerado uma fonte limpa. Nem é propriamente "renovável". Segundo, por razões geopolíticas e estratégicas das nações consumidoras.
A biomassa (etanol, metanol, celulose, oleaginosas, grãos, lixo, em geral tudo o que é degradável) também é uma fonte potencial enorme de energia, dependendo da viabilização em grande escala econômica e financeira de tecnologias já desenvolvidas. Até petróleo cru pode ser produzido com ela, o chamado biocru.
Energias renováveis limpas e naturais são a energia eólica, a hidrelétrica, a solar, a de marés e correntes marítimas, e de gradientes de temperatura. Essas fontes de energia crescem cada vez mais rapidamente e espera-se que venham a contribuir de modo cada vez mais significativo na matriz energética mundial. Mas quase todos os estudiosos concordam que elas não deverão substituir inteiramente as fontes de energia atuais. Serão importantes complementos. No momento, poucos entusiastas discordam.
Energia atômica
A energia atômica promete ser a energia do futuro. E o Brasil poderia ficar para trás nisso. Estamos discutindo a segurança de Angra II e a conveniência de investir nesse "elefante branco" que é Angra III. São usinas de segunda geração, uma tecnologia ultrapassada. O que se faz nos países desenvolvidos utiliza uma tecnologia de terceira geração, com reatores de água leve, mais seguros. Mas mesmo estes já são considerados defasados: hoje o próprio governo americano estimula, pesquisa e investe na quarta geração, que são geradores menores, ainda mais seguros, mais eficientes e mais baratos.
Esses esforços americanos são pelo menos em parte compartilhados com alguns outros países, que têm acordos de cooperação. Esses países incluem a Argentina, o Brasil, o Canadá, a França, o Japão, a África do Sul, a Coréia do Sul e o Reino Unido. Não sei bem qual o proveito que o Brasil tira disso, mas espero que saiba aproveitar a oportunidade e desenvolver sua capacidade tecnológica independente.
Entretanto, a discussão na mídia e entre ambientalistas parece ignorar isso e ainda usar as referências disponibilizadas na década de 70 do século passado. Se não houver incentivos e investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento continuaremos sempre dependentes.
A vantagem da quarta geração de geradores de energia atômica é a sua tecnologia avançada e portabilidade, aliadas a expectativas de preços mais baixos de implantação. As usinas de quarta geração são portáteis: podem ser montadas, embaladas, postas em cima de um caminhão e entregues em poucos dias em qualquer lugar do mundo.
Os Estados Unidos lideram nesse campo e o compromisso do governo americano perante o seu Senado para obter as verbas necessárias é o de desenvolver a tecnologia e oferecê-la ao mundo acabada e fechada a preços que tornariam inviável a sua replicação por outros países. O "fechamento" do acesso a ela seria garantido pela dianteira americana, como por patentes, com requisitos técnicos, contratos de exclusividade para assistência, manutenção e operação.
O objetivo dessa política foi declarado publicamente ao Senado americano e está disponível na internet: assegurar o predomínio absoluto a longo prazo dos Estados Unidos na economia mundial e em energia atômica, armas e geração de energia em geral a longo prazo, mantendo o resto do mundo dependente deles.
Transportes
Carros elétricos e híbridos já são disponíveis e começam a ser lançados comercialmente desde agora. Poluição zero ou quase, uma vez abastecidos. Mas existem problemas logísticos (rede de abastecimento elétrico, tempo de carregamento das baterias, autonomia). E, principalmente, a objeção ao fato de que se emissão de CO2 no veículo é zero, todo o CO2 que ele deixou de emitir já foi emitido na fonte da energia, na geração termelétrica, predominante no mundo.
Entretanto, o sistema atual tem de mudar algum dia. Primeiro, porque o motor de combustão interna está destruindo o meio ambiente a longo prazo, isto é, o próprio mundo. E, segundo, porque é uma solução completamente ineficiente: um automóvel utiliza em média apenas 10% da energia da gasolina que consome para mover-se. Noventa por cento da energia gerada no motor é apenas calor a ser dissipado, um inconveniente. Quase todas as alternativas pesquisadas atualmente são mais eficientes, com exceção da lenha e do carvão.
Um dos problemas, então, da conversão (idealmente total) para veículos elétricos reside em como anular as emissões de CO2 necessárias para abastecê-los de energia. Isso é possível por meio de pequenas geradoras de energia capazes de promover a captura e seqüestro do carbono na produção (e não no consumo) da energia.
Mas tal solução significa mudar inteiramente o modelo econômico de oferta e distribuição de energia – ou seja, um sucateamento de tudo o que foi investido há mais de um século pelas grandes empresas de produção e distribuição de petróleo, em termos de usinas, reservatórios, sistemas de distribuição, frota de veículos, posto de serviços etc. Donde, o seu interesse financeiro em adiar o máximo possível essa (ou qualquer outra) transformação que constitua um rompimento com o modelo defasado do consumo de combustível fóssil em motores de combustão interna.
No entanto, são essas mesmas empresas que detêm o maior domínio e experiência em geração e distribuição de combustível, das redes de distribuição e das tecnologias alternativas que elas vêm pesquisando e desenvolvendo há décadas. E mais: são algumas das poucas empresas privadas com potencial para o investimento necessário. Isso as coloca num dilema. Elas sabem que não será possível segurar o status quo indefinidamente, mas mudá-lo representa começar tudo de novo, como nos tempos pioneiros da corrida dos poços de petróleo no Texas ao fim do século XIX, e perder a maior parte dos investimentos já feitos.
Qualquer solução desses problemas envolve questões econômicas, financeiras e sociais, além das tecnológicas (que não são poucas). Talvez o necessário aqui seja um "empurrão" do Estado, com financiamentos, incentivos fiscais, medidas regulatórias etc. – se não a socialização dos meios de produção de energia do futuro. Hoje, esta última hipótese parece absurda. Mas, há dez anos atrás, quem diria que o presidente dos Estados Unidos estaria, em julho de 2010, festejando a assinatura de uma lei que é a mais severa intervenção governamental nos mercados financeiros desde os tempos de Roosevelt na década de 30 do último século? Naquela época, houve quem acusasse Roosevelt de socialismo. Como hoje há conservadores que acusam Obama da mesma pestilência.
Incertezas do Pré-Sal: a doença holandês-venezuelana
Nem sempre a abundância de um recurso natural como o petróleo num país traz-lhe prosperidade. A prosperidade dos países árabes mais ricos pelo petróleo é discutível, se a gente não olhar apenas os palácios e o exotismo árabes. A chamada doença holandesa caracteriza a situação de um país que, à mercê de novas riquezas, acaba solapando a sua indústria. Mas o mais terrível, como referência à maldição do petróleo, não é a Holanda, é a Venezuela. E o Brasil, por que não? Surfando nos ciclos do açúcar, do ouro e do café, montamos um país desigual e atrasado, ou como dizia Washington Luiz antes da época da industrialização "o Brasil é um país essencialmente agrícola", isto é, especializado em exportar açúcar, café, cacau e tabaco.
Portanto, o Pré-Sal tanto pode ser uma fonte de recursos que impulsionarão o Brasil para um novo patamar de desenvolvimento e eqüidade social (reparem que eu não escrevi "igualdade") ou algo mais parecido com o ciclo da cana-de-açúcar, em que se consolidou uma sociedade colonial injusta, atrasada e sem recursos que não os cedidos pelas metrópoles. Tudo depende de como o Pré-Sal vier a ser administrado.
Em novembro de 2009 a Petrobrás publicou em várias revistas um anúncio de várias páginas sobre o Pré-Sal e as bases de sua política a respeito. Nesse comunicado, ela demonstra ter consciência dos problemas e incertezas da descoberta dessas jazidas e declara-se preparada para enfrentá-los. Autoridades na cúpula das Forças Armadas parecem também estar atentas aos desafios das novas energias do futuro, inclusive e mormente a atômica. Tudo isso são sinais bastante positivos.
Entretanto, a elite política, a mídia e vários setores do governo não parecem sintonizados com essa atitude de bom senso. Muitos discutem os problemas e dilemas do passado, para os quais têm soluções já assumidas desde muito, e ignoram os desafios do futuro. Os governadores, prefeitos e senadores brigam por fatias maiores da receita das novas jazidas. O próprio presidente Lula, culpado de ter iniciado a politização do tema do Pré-Sal, acabou reconhecendo esse problema, com seu jeitão simpático e popularesco: "A turma tá brigando pelo pirão, mas ainda nem pescamos o peixe".
Incertezas do Pré-Sal: um coringa inesperado
A catástrofe da BP no Golfo do México trouxe um fato novo, verdadeiro "coringa" inesperado num jogo de futuros possíveis. Até hoje, julho de 2010, meses após a explosão da plataforma e do início do vazamento desastroso, a situação não parece inteiramente controlada.
Para o presidente Obama, a solução (?) desse problema é uma questão de sobrevivência política – uma situação injusta para ele, mas real. O mínimo que se pode esperar é mais do que apenas a multa milionária imposta à BP: é o reconhecimento de que não existe (ainda) garantia de segurança em águas profundas, mais a exigência de que isso seja melhor avaliado pelos técnicos, com uma provável regulamentação severa das medidas de segurança e prevenção, a instituição de seguros contra danos sociais e ambientais mais onerosos, além de apontarem-se prováveis culpados a serem punidos severamente para satisfação da opinião pública.
Mas o governo americano parece estar disposto a ir além: pretende adotar, agora, medidas de estímulo e garantias para a implantação imediata (embora gradual) de carros elétricos e de exploração de novas fontes de energia (gás, hidrogênio, eólica, células a combustível etc.), acompanhadas de prováveis aumentos de impostos sobre o combustível de petróleo, de modo a desestimular o seu uso crescente. Ou seja, a administração Obama parece querer mudar as próprias regras do jogo, embora ainda não seja claro como isso vai se dar. Afirmou que vai perseguir esse objetivo com a determinação de um Kennedy há cinqüenta anos, quando este declarou que os Estados Unidos iriam colocar o homem na Lua antes de findar aquela década.
Incertezas do Pré-Sal: influência do desenvolvimento de alternativas
O gás natural é menos poluente e mais barato do que a gasolina e o etanol. Já está em uso. O crescimento do seu consumo implica em garantias de fornecimento e estabilidade de preços para a indústria e para o fornecimento de energia elétrica domiciliar, na produção de veículos já preparados para ele e na ampliação da rede de distribuição. Tudo isso é fácil, mas custa dinheiro e empenho político do governo.
Pelo que tem sido divulgado, o nosso Pré-Sal tem grande potencial de fornecimento de gás. Parece que existem, em terra, depósitos de gás inexplorados. Faltam recursos, se todos eles explorados, para a sua distribuição.
O hidrogênio para transporte também é uma tecnologia antiga, que foi rudimentarmente usada no início do século XIX. Ele pode ser consumido diretamente, como num motor a gasolina, ou transformado em energia elétrica por meio de células a combustível. Os problemas maiores residem na sua estocagem e transporte. São problemas superáveis, mas os investimentos necessários para viabilizá-los ainda estão pingando.
O potencial das energias propriamente "limpas" e renováveis é enorme, comparativamente ao que já existe: ventos, marés, correntes marítimas e fluviais, energia solar. Elas deverão constituir um nó importante na matriz energética mundial. Entretanto, admite-se que ainda assim continuarão sendo apenas complementares e não suficientes para substituir o petróleo.
Um dos problemas dessas energias limpas é que o seu potencial não é regularmente distribuído no mundo entre as nações consumidoras. O Saara, Mogavi e o Nordeste brasileiro são exemplos de ricos potenciais de energia solar, mas em que isso beneficia os grandes consumidores do norte da Europa? O Nordeste brasileiro, assim como a região de Bengala e outras regiões tropicais, tem enorme potencial eólico. Mas não são só eles: a Dinamarca produz 75% da energia que consome pelos ventos. Poucos países podem rivalizar com o Brasil quanto à energia hidrelétrica. Conclusão: nenhuma dessas fontes energéticas poderá, por si, constituir-se no sucessor do petróleo em nível mundial.
Incertezas do Pré-Sal: quão fundo é "profundo"?
Quando os americanos discutem as águas profundas do Golfo do México e as dificuldades de extração de petróleo em tais condições como problemas a serem reavaliados referem-se a jazidas a 1.000 metros de profundidade e a 100 quilômetros da costa. Quando falamos em águas profundas no nosso Pré-Sal, referimo-nos a jazidas a sete mil metros de profundidade, a 300 quilômetros da costa. Ignoramos as dificuldades técnicas e as reais dimensões financeiras que isso representa, principalmente considerando-se o novo panorama tecnológico, econômico e político.
O nosso Pré-Sal parece distribuído numa área que os Estados Unidos e vários outros países reconhecem como águas internacionais. A jurisdição da área é da ONU e a sua vigilância está a cargo da IV Frota Naval americana. O governo brasileiro estipulou, unilateralmente, o limite de 200 milhas como o de águas brasileiras, mas isso ainda é discutido. Na prática, a história ensina que o limite de atuação efetiva de uma nação é aquele dentro do qual ela consegue fazer reconhecer sua força.
Outros desastres podem acontecer e afetar ainda mais profundamente a política e a economia do petróleo e das jazidas oceânicas. A questão aqui é que, a um custo cada vez maior, podemos reduzir indefinidamente as probabilidades de um desastre, mas algum risco sempre existirá. Ainda que mínimo o risco, as dimensões de um desastre eventual e pouco provável, se acontecer, serão cada vez mais catastróficas para pessoas, meio ambiente e economias – não só na exploração em águas profundas, como também na extração de óleo e gás de jazidas de xisto em terra.
Então, põe-se o problema: a que custo compensará a exploração do nosso Pré-Sal e a que preço ele terá de ser vendido daqui a cinco, dez, vinte anos, ou até mais? A longo prazo, como dizia Keynes, estaremos todos mortos. Você pode imaginar um cenário futuro de preço altamente vantajoso, ou um cenário altamente negativo para todos, com as piores conseqüências. Para fins práticos, ambas as alternativas são mais ou menos viáveis, assim como as intermediárias; mas as conseqüências serão antagônicas em cada caso extremo. A partir de que ponto futuro a evolução das alternativas de energia tornará os custos de extração em águas profundas anti-econômicos?
Incertezas do Pré-Sal: Conclusões – Os Eixos Básicos
A questão, portanto, não é avaliar qual cenário é o mais provável, já que isso acabaria sendo um palpite talvez razoável, mas nunca uma previsão objetiva. Nosso problema hoje é delimitar alternativas relevantes, montar estratégias robustas que possam nos cobrir o melhor possível contra os riscos das incertezas, monitorar a realidade de agora em diante, a fim de sermos capazes de diagnosticar precocemente para que lado os eventos estão nos levando e promovermos as adaptações e atualizações adequadas a tempo.
Apesar desse quadro de incertezas quanto ao amadurecimento de condições de exploração do Pré-Sal, da evolução de tecnologias alternativas, da influência política dos interesses econômico-financeiros globais envolvidos, não existem dúvidas sobre a superação do ciclo do petróleo. A questão principal é: a partir de quando o petróleo terá a sua supremacia mundial questionada pelas alternativas em desenvolvimento?
Por outro lado, a exploração do Pré-Sal não é uma empreitada que se pode completar em pouco tempo. Embora os debates políticos tenham se concentrado na disputa dos dividendos de sua exploração, a sua exploração propriamente dita está apenas começando a ser planejada e preparada, não só do ponto de vista tecnológico, como do econômico, jurídico e institucional, ignorando-se as dimensões precisas dos problemas a serem enfrentados.
Também não se conhecem eventuais entraves a serem postos por agentes políticos aqui e no exterior, por considerações de segurança, ambientais, legais, judiciais, institucionais etc. Como se dará a interação entre governo, Petrobrás, Petro-Sal, empresas privadas e os políticos disputando cargos e poder em todas as Petros e brás?
Proponho um horizonte na linha do tempo de 15 a 20 anos a partir de hoje como base para elucubrações, pois esse me parece ser o tempo máximo para sabermos o que resultará do Pré-Sal.
Até esse ponto de referência da linha do tempo, o problema então se apresenta como uma corrida entre duas tendências: quem chegará primeiro, a realização do Pré-Sal ou os efeitos de um novo ciclo de energias alternativas?
Por outro lado, a exploração do Pré-Sal vai requerer investimentos públicos e privados vultosos, podendo constituir-se numa empreitada historicamente tão significativa como foi a construção de Brasília, somada à implantação local da indústria automobilística pelas empresas então chamadas de multinacionais (hoje "globais"). Essa empreitada pode arruinar de vez o país, mas pode também alavancar o seu crescimento e industrialização, lançando-o finalmente à categoria de nação desenvolvida.
Tais considerações delimitam dois eixos básicos de incertezas para recobrir o nosso campo de dúvidas:
A. Pré-Sal x Outras alternativas – Num pólo deste eixo ("Pré-Sal") a empreitada brasileira se completa com sucesso. No outro ("Outras Alternativas"), a matriz energética mundial muda antes de o Pré-Sal ter-se consolidado e este acaba sendo figurativamente um "furo na água", em termos de produção de energia economicamente compensadora.
B. Desenvolvimento brasileiro autônomo x Brasil-colônia – Num dos pólos, imagina-se que o Pré-Sal possa alavancar a economia e a indústria brasileiras a ponto de alinharem-nas entre as mais importantes do mundo. Já o outro pólo pode acontecer em duas circunstâncias diferentes:
1 – A exportação do Petróleo torna-nos cada vez mais uma nação especializada em exportar commodities ("doença holandês-venezuelana");
2 – Os investimentos feitos para viabilizar o Pré-Sal escapam de controle e o país volta a ser um grande devedor internacional, com dívidas interna e externa impagáveis e inegociáveis.
Esses dois eixos configuram cinco cenários alternativos, combinando-se os seus pólos respectivos:
1.Sucesso do Pré-Sal com desenvolvimento autônomo brasileiro;
2.Fracasso do Pré-Sal com desenvolvimento autônomo brasileiro;
3.Sucesso do Pré-Sal resultando na doença holandês-venezuelana;
4.Fracasso do Pré-Sal e do país;
5.Sucesso do Pré-Sal e o país arruinado.
Na última parte deste trabalho, vamos elaborar algumas idéias a respeito de cada um dos cinco cenários.
Leia mais:
As energias do futuro e os futuros do Pré-Sal: Energia renovável (I)
As energias do futuro e os futuros do Pré-Sal: Energia renovável (II)
As energias do futuro e os futuros do Pré-Sal: Energia renovável (III)
As energias do futuro e os futuros do Pré-Sal: Energia renovável (IV)
Pergentino Mendes de Almeida é diretor da AnEx – Analytical Expertise & Scenarios.
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