E a Terra sorriu
- Detalhes
- Leonardo Boff
- 28/06/2007
Exatamente no primeiro dia do
inverno, quando já começa a esfriar e quase todas as folhas que deviam cair já
caíram, como as do meu pé de caqui, floresceu completamente a cerejeira
japonesa em frente à minha janela. Há uma semana percebera que brotos estavam
irrompendo, depois se desenvolveram com uma cor arroxeada e de repente, numa
manhã, estavam quase todos abertos. Pela tarde do mesmo dia, 21 de junho,
início do inverno, abriram-se totalmente.
Para mim que procuro ler sinais nas coisas, pois elas têm sempre um outro lado e
o invisível é parte do visível, foi uma revelação. Estou aqui escrevendo sobre
a nova moralidade que urge viver no meio do aquecimento global já iniciado.
Digo que se queremos salvar a biosfera e preservar nossa Casa Comum, habitável
para toda a comunidade de vida, temos que resgatar, antes de qualquer outra
medida, a dimensão do coração e a razão sensível. Se não sentirmos a Terra como
nossa Grande Mãe que devemos cuidar, como filhos e filhas bons e responsáveis,
serão insuficientes as necessárias iniciativas técnicas que tomarão as grandes
empresas, os governos, outras instituições e as pessoas. Nascemos da
generosidade do cosmos e da Terra que nos providenciaram as condições
essenciais para a vida e sua evolução e será a mesma generosidade a nossa contrapartida.
Esta florada da cerejeira japonesa, que ocorre uma única vez ao ano, é um aceno
que a própria Terra gratuitamente nos dá. Ela nos está dizendo: "mesmo que
caiam todas as folhas, mesmo que os galhos pareçam ressequidos durante quase
todo o ano, mesmo que impere a dúvida se morreu ou ainda está viva, de repente,
eu ouso revelar o mistério que escondo: a capacidade de regeneração e a vontade
de sorrir gaiamente, de irradiar beleza e provocar êxtase".
Algo semelhante deve ocorrer com a crise ecológica e com as ameaças que pesam
sobre o destino futuro da biosfera e da vida humana. Estimo que não se trata de
uma tragédia cujo fim seria funesto, mas de uma crise cujo termo é um novo
estado de saúde e de consciência, mais vigoroso e mais alto. Logicamente,
depende de nós transformar os sintomas de tragédia em sinais de crise
acrisoladora. E o faremos, pois o instinto básico, já o reconhecia Freud, não é
o de morte, mas o de vida, mesmo que passando pela morte. A vida que há 3,8
bilhões de anos irrompeu na Terra, passou por muitas dizimações. Elas nunca
foram terminais. Foram crises que criaram oportunidades para a emergência de
formas mais complexas de vida. A vida é chamada para mais vida. Esta é a seta
da evolução e a dinâmica do universo.
As flores da cerejeira japonesa significam o sorriso radiante da Terra quando
menos se esperava dela. Pois o inverno é tempo de recolhimento e de retirada
sustentável para recobrar forças vitais que depois irromperão vitoriosas e
deslumbrantes. A Mãe Terra nos quer transmitir uma mensagem: "apesar de
todas as agressões que sofro, da respiração ofegante que tenho devido às
contaminações atmosféricas, não obstante o sangue de meu corpo contaminado e os
meus pés chagados por causa de venenos, ainda assim tenho energia vital
escondida; ela não é infinita mas é suficientemente poderosa para resistir,
para se regenerar e para voltar a sorrir. Apenas dêem-me, por piedade filial, um pouco de tempo para descansar e um gesto de amor e de cuidado para me
fortalecer".
Leonardo Boff é teólogo.
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