Tudo por dinheiro (parte 1)
- Detalhes
- Heitor Scalambrini Costa
- 30/08/2013
Em recente visita à microrregião de Itaparica, aos municípios de Floresta, Belém do São Francisco, Petrolândia e Itacuruba, pude constatar a completa falta de informação das respectivas populações sobre a provável instalação de uma usina nuclear na região.
A visita, que contou com o apoio da Diocese de Floresta através do Movimento Cultura de Paz, teve o objetivo de levar informações sobre a energia nuclear, a radioatividade, os efeitos da radiação, o que é uma usina nuclear e como funciona, os riscos de acidentes e a situação desta fonte energética no mundo e no Brasil. Além de haver uma discussão sobre outras fontes de energia, em particular aquelas encontradas na natureza, que poderiam atender a demandas energética destas populações.
Foram realizadas Rodas de Diálogo nos quatro municípios com a presença de educadores, religiosos, políticos, representantes da sociedade civil organizada, movimentos de jovens, representantes de grupos quilombolas e indígenas. Amplo material de divulgação foi distribuído aos participantes, desde cartilha explicativa, cordéis, e-books com artigos sobre a questão nuclear e panfletos.
Como resultado das Rodas de Diálogo foram definidas, em cada cidade, ações que serão desenvolvidas no intuito de mais e mais pessoas se incorporarem ao debate sobre a instalação da usina nuclear. Assunto de grande importância para o destino dos moradores das cidades e do campo daquele território.
O trabalho planejado durante estas reuniões se dará essencialmente na divulgação pelas redes sociais, em ações nas escolas estimuladas pelos educadores(as), na distribuição de material informativo aos membros das associações de moradores, associações de pescadores, comerciantes, nas aldeias indígenas e nas comunidades quilombolas. O que se espera de toda esta movimentação é que as populações se envolvam neste debate e, como resultado, formem opinião sobre a decisão unilateral tomada de se instalar a usina nuclear.
Espera-se que sejam ouvidos, e tomem em suas mãos a responsabilidade de aceitarem ou não esta instalação industrial para produzir energia elétrica. O que não se pode mais aceitar e nem admitir é que decisões sejam tomadas à revelia, sem a participação dos principais interessados.
Por outro lado, nestas reuniões, o que era esperado aconteceu. Mesmo convidada, a classe política não esteve presente, e quando alguns de seus membros compareceram, foi de maneira não participativa nos debates. O que se percebe nesta atitude é que fogem da discussão pública. Evitam se comprometerem e nem emitem suas opiniões publicamente. Todavia, à surdina, conspiram para a vinda da usina nuclear para a região, apoiando interesses pessoais em detrimento do interesse público, da coletividade, das comunidades.
Também nesta viagem, tornou-se mais claro o interesse econômico envolvido com a construção da usina nuclear no município de Itacuruba. A área pré-selecionada, à beira do rio São Francisco, possui diversos proprietários em todo seu entorno. A maior propriedade em extensão pertence a parentes do ex-prefeito de Itacuruba. Estivemos com um dos outros proprietários de terras na região (possui uma gleba de 130 hectares), que nos informou já ter sido procurado pelo ex-prefeito interessado em comprar suas terras, como também de outros proprietários que teriam sido procurados para este fim.
Verifica-se nesta movimentação o interesse de tornar-se o único proprietário das terras e, assim, poderem ser negociadas e muito bem indenizadas pelo governo federal, caso a usina nuclear seja implantada na região. Também para valorizá-las, o ex-prefeito, na sua gestão, obteve recursos do Ministério da Integração Nacional/Codevasf para a implantação e pavimentação de uma rodovia vicinal até estas terras, chegando bem próximo da fazenda Jatinã (local pré-selecionado para a implantação da usina nuclear). Esta rodovia, um trecho da PE 422, atravessa terras da aldeia Pankará e comunidades quilombolas. Por exigência da comunidade indígena, licenças para esta rodovia nunca foram apresentadas e as obras foram paradas. Os recursos públicos destinados para esta rodovia foram de R$ 13.488.205,55.
O discurso proferido por este político na defesa intransigente da usina nuclear caminha no sentido de que a usina trará impactos econômicos importantes para a região e, como consequência, o desenvolvimento e o progresso tão almejados pelos habitantes.
Este discurso, recorrente, já que utilizou os mesmos argumentos quando prometeu e não cumpriu o Observatório de Itacuruba (http://www.debatesculturais.com.br/observatorio-de-itacuruba-uma-obra-inacabada/), aponta na geração de emprego e renda para a população. Todavia, esconde de fato o mero interesse pessoal, em detrimento ao da coletividade, que sofrerá os impactos e o estigma que esta construção trará aos moradores do seu entorno.
Em verdade, o que tem movido a defesa desta obra na região, por alguns que exercem grande influência junto às populações, pelo fato ocuparem (ou já terem ocupado) cargos públicos na política local, são os benefícios financeiros que receberão com a sua implantação.
Esta situação se verifica quando defensores do modelo predatório de desenvolvimento – em curso no Estado através de obras como a instalação de uma indústria de petróleo e gás, termoelétricas a combustíveis fósseis, construção de estaleiros e indústrias altamente poluentes no Complexo de Suape – locupletam-se financeiramente. Afinal é tudo por dinheiro.
Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco
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