Correio da Cidadania

Se todos fossem iguais a você, Plínio

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Eram quase 22h quando a campainha tocou. Do lado de fora, lá estavam Plínio de Arruda Sampaio e dona Marietta, sua companheira desde a juventude. Depois de um dia inteiro de atividades da candidatura de Plínio ao governo de São Paulo pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), era o momento de gravar o programa de rádio da campanha. Estamos em 2006 e ele tem 76 anos. Entrego-lhe o roteiro feito por mim e pelo querido amigo Igor, ambos voluntários e sem nenhuma experiência relevante com comunicação eleitoral. Ele pega a caneta, risca algumas frases, diz que acha que tal palavra soa melhor que a outra e vai para a cabine. Sorriso e disposição para mais essa tarefa militante com uma estrutura precária, mas muitos sonhos. Ali estava uma figura gigantesca da esquerda brasileira, que seguia, incansável, acreditando na humanidade e na possibilidade de construir um mundo com igualdade. De uma generosidade ímpar e uma convicção invejável. Para ele, era apenas mais um episódio de uma vida que é sinônimo de luta. Para mim, era uma lição inesquecível.

 

Fonte: Centro de Mídia Independente

 

Plínio só poderia mesmo ter ido embora hoje. Um dia em que o Brasil perde a Copa do Mundo realizada no próprio país, sob críticas e mobilizações de massas, de uma maneira completamente inesperada.

 

Plínio foi um dos 41 deputados federais cujas representações populares foram tomadas em 10 de abril de 1964 pelo golpe militar. Advogado, formado pelo Largo São Francisco, no exílio trabalhou para a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) assessorando projetos de reforma agrária na América Latina e na África, temática que o acompanharia pelo resto da vida. Depois de voltar ao Brasil, foi um dos fundadores do PT (Partido dos Trabalhadores) e elegeu-se deputado constituinte por esse partido. Desde 1996, preocupado com a concentração da mídia e com a necessidade de uma comunicação mais democrática, dirigia o Correio da Cidadania, veículo com o qual contribuí quando havia acabado de me formar em jornalismo.

 

Dando seguimento à luta por reforma agrária, Plínio presidiu a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e elaborou o Plano Nacional de Reforma Agrária. “O Brasil não vai superar o subdesenvolvimento enquanto não mudar a estrutura da questão agrária e o que esse segundo plano pretende, em última análise, é dar mais poder ao povo que vive no campo”, dizia então. Foi a decepção nesse campo e com os rumos do governo Lula em geral que o fizeram deixar o PT em 2005 para filiar-se ao PSOL.

 

Figura incansável, com a mão esquerda levantada, punho cerrado e um sorriso no rosto, apresentou-se, em 2010, para mais uma tarefa: a candidatura à presidência da República à esquerda. Ocupou as tribunas dos meios de comunicação e as ruas das cidades brasileiras para passar a mensagem de que o socialismo era, sim, um caminho possível. Pouco depois, em 2012, lançou o livro “Por que participar da política”, preocupado em dialogar com a juventude — algo que fazia, aliás, com frequência, usando redes sociais como o Twitter. Talvez houvesse percebido antes da maioria a necessidade de discutir política com aqueles e aquelas que protagonizariam as manifestações de junho de 2013.

 

Despedi-me dele alguns dias antes de embarcar para o meu período de doutorado na França. Ele desejou-me boa sorte e disse que, possivelmente, iria passar pela Europa com a dona Marietta e que deveríamos combinar um encontro. Estávamos em mais uma atividade militante e ele acabara de entrar no anfiteatro aplaudido por uma centena de pessoas. Sempre fiel aos seus ideais. Hoje é um dia muito triste. Viva Plínio, sempre presente!

 

Maíra Kubik Mano é jornalista.

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