Eleições e mudança do sistema político
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- Frei Marcos Sassatelli
- 02/10/2014
As eleições - mesmo com todas as limitações do sistema político vigente - são um momento ímpar para o exercício da cidadania. Quais os critérios que devem orientar a escolha dos candidatos e candidatas?
Temos que olhar não só a história de vida dos candidatos e candidatas, mas também e sobretudo o projeto político que eles e elas e seus partidos defendem atualmente. Digo "atualmente", porque existem partidos e candidatos e candidatas, que renegaram - se não com palavras, pelo menos de fato - toda sua história de luta ao lado do povo pobre, oprimido e excluído, e se aliaram ao sistema econômico dominante, defendendo seus interesses.
Existem também candidatos e candidatas que se dizem "cristãos" ou “cristãs” e fazem questão de defender alguns valores importantes no campo da bioética, mas que "encontram-se muitas vezes em contradição com as opções e compromissos que estes mesmos candidatos e candidatas têm em relação aos direitos humanos, à economia, à vida social e política e, de modo especial, às necessidades dos pobres.
(...) A defesa de alguns valores importantes pode ser feita por estes candidatos e candidatas para iludir e esconder compromissos e práticas que estão, na verdade, a serviço da cultura da morte. A defesa da cultura da vida exige que os valores da bioética não sejam separados dos valores da ética social" (CNBB. Eleições 2010: o chão e o horizonte).
Hoje, "na verdade, o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo (ou do neodesenvolvimentismo, que - apesar de seus aspectos positivos imediatos - é mais uma tapeação dos trabalhadores e trabalhadoras). Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas obtidas.
Há insatisfação, sem dúvida: uma outra parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta divisão, esta confusão, esta aparência de governo do povo, sendo preferencialmente governo dos banqueiros, dificulta o posicionamento dos movimentos sociais (populares).
(...) Existe uma mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade (‘o Brasil que queremos’), distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (ou - acrescento eu - neodesenvolvimentista). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos" (Entrevista com o sociólogo Ivo Lesbaupin, concedida, por e-mail, à IHU On Line, abril 2010).
Delfim Netto, homem forte da economia no regime militar e um dos principais conselheiros do governo Lula, afirma que o governo foi o primeiro a perceber "que o capitalismo deve aos programas de distribuição de renda sua sobrevivência no país" e que o governo "mudou o país de forma importante, de forma a salvar o capitalismo" (Entrevista de Aguinaldo Novo. Em: O Globo, 20/09/09).
Infelizmente, a maioria dos candidatos e candidatas (mesmo quando se dizem cristãos ou cristãs), da situação ou da oposição, são reformistas. Não querem mudar as estruturas do sistema político dominante; querem simplesmente "maquiá-lo", colocando remendinhos novos numa roupa velha.
As diferenças e as brigas entre eles e elas se referem unicamente a reformas e não a mudanças estruturais. Para esses políticos e políticas, os chamados "programas sociais de distribuição de renda" (que em situações emergenciais são necessários e aliviam o sofrimento dos pobres, mas que não mudam a estrutura do sistema capitalista) são como balinhas que se costuma dar às crianças para que não chorem, e servem para legitimar o "sistema econômico iníquo" vigente (às vezes, até com argumentos religiosos, usando o nome de Deus em vão) e para manter o povo, pobre, oprimido e excluído em situação de dependência dos poderosos e do governo, evitando assim possíveis revoltas.
É o caso do chamado neodesenvolvimentismo, que pretende dar uma face aparentemente “humana” ao capitalismo neoliberal, mas que, na realidade, engana o povo e encobre a iniquidade estrutural do sistema dominante.
"A misericórdia (leia-se: obras sociais, programas sociais de distribuição de renda e outros) sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca da verdadeira justiça social (...)" (DA, 385).
O papa Francisco - lembrando-nos que “o sistema social e econômico é injusto em sua raiz” e “um mal embrenhado nas estruturas” - afirma com clareza: “devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Essa economia mata. (...) Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, em que o poderoso engole o mais fraco. (...) O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que, aliás, chega a ser promovida. (...) Os excluídos e excluídas não são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’” (A Alegria do Evangelho - EG, 53 e 59).
Atualmente - como falou o sociólogo Ivo Lesbaupin -, a maioria dos movimentos populares é cooptada pelo governo, atrasando de muitos anos a organização popular. Basta, por exemplo, lembrar a festa do primeiro de maio, reduzida a um show para os trabalhadores e trabalhadoras.
Precisamos reverter essa situação iníqua e votar em políticos e políticas, que - conforme nos lembra a 5ª Semana Social Brasileira (setembro 2013) - estejam de acordo com o projeto "o Brasil que queremos", "projeto popular", alternativo, justo, humano, fraterno e estruturalmente diferente (o projeto do “bem viver”). Mesmo que muitos deles ou delas não ganhem agora as eleições, marcam presença, fazem avançar o processo democrático e abrem caminhos novos para que o "projeto popular" aconteça.
Eleitores e eleitoras, vamos abrir os olhos, refletir e tomar nossas decisões. O seu voto é muito importante e faz a diferença. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo, 10, 10).
Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano e doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), é professor aposentado de Filosofia da UFG. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.