Correio da Cidadania

Revolução ou barbárie

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O inconformismo com a política burguesa se confirmou pelo resultado das eleições de domingo passado: mais de 30% do eleitorado ou se absteve ou votou nulo ou em branco. Enquanto isso, o PT viu reduzida sua representação na Câmara dos Deputados: de 86 para 70 parlamentares. Encolheu mais de 18%. É a menor bancada desde 2002, quando o partido chegou ao poder central da República. Apesar da queda, o petismo chapa branca e a sua coligação conservadora continuam com a maioria na Câmara Federal.

 

Já o PSDB elegeu a terceira maior bancada e terá 55 deputados, 11 a mais do que atualmente. Dos três grandes partidos, com mais de 50 deputados, apenas o PSDB cresceu.

 

O conservadores Pros, PSD, Solidariedade e PEN elegeram 75 deputados. Criadas depois de 2010, as três siglas, pela primeira vez, terão representantes eleitos.

 

E o PCdoB teve a sua representação na Câmara dos Deputados reduzida de 15 para 9 parlamentares.

 

O reacionário e populista Celso Russomano (PRB-SP), que apoiou Alckmin e Aécio Neves em São Paulo, foi eleito com 1.524.361 de votos. Tiririca (PR-SP), que apoiou Padilha e Dilma, ficou com 1.016.796 de votos.

 

Entre os partidos da esquerda revolucionária, o PSOL foi o único que cresceu. Luciana Genro, gostando ou não dela, ficou em quarto lugar, com 1,55% dos votos. Mauro Iasi, do PCB, foi o que obteve menos votos entre os candidatos a presidente, menos de 0,7%. Na Bahia, por exemplo, enquanto Dilma alcançou quase 4,3 milhões de votos, Mauro Iasi obteve menos de 3 mil votos. Agora não adianta dizer ter poucos militantes.

 

Ao contrário do período da ditadura, quando o então MDB da transição conservadora ganhava nas capitais, nos estados das regiões sudeste, sul e grandes cidades, Dilma e a sua coligação de petista chapa branca, comunistas de logotipo e outros tiveram sucesso no Norte, Nordeste e também em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. O neoliberal Aécio Neves foi vitorioso no Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.

 

Enquanto isso, a burguesia se divide em quem apostar suas fichas no segundo turno: Dilma ou Aécio Neves.

 

Não podemos esquecer que a hegemonia absoluta do capital financeiro e sua política econômica mostraram-se inviáveis, pois implicavam o aumento da instabilidade macroeconômica. Por isso, no segundo governo FHC, implantou-se outro regime: metas de inflação, superávit fiscal primário e câmbio flutuante. Com isso se reduziu a vulnerabilidade externa e a instabilidade econômica. E isso significou mudanças importantes do bloco no poder no primeiro governo Lula.

 

A fração do capital exportador de commodities industriais e agropecuárias, o agronegócio, foi fundamental para o novo padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil, fazendo com que o capital financeiro compartilhasse sua hegemonia. O efeito da crise na China sobre o balanço de pagamentos do Brasil reduziu a vulnerabilidade externa conjuntural do país e permitiu, durante o segundo governo Lula, menor superávit fiscal primário e mais gasto do governo com o PAC, manutenção das metas de inflação, menores taxas de juros e intervenção no câmbio para acumulação de reservas.

 

Assim foi possível aumento real do salário mínimo e melhora dos benefícios da Previdência Social, ampliação do alcance do programa Bolsa-Família, expansão do crédito e política habitacional para as famílias de baixa renda. Criou-se um pequeno ciclo de crescimento da produção e do emprego, com melhora na distribuição da renda entre os que vivem do trabalho. Essa conjuntura, colada na expansão da produção e do comércio mundiais, comandadas pelos EUA e China, permitiu maior autonomia relativa do Estado, possibilitando a Lula maior margem na arbitragem das distintas frações do capital. Com isso, a fração estatal do capital ganhou espaço no interior do bloco no poder, redefinindo-o novamente.

 

O governo Dilma seguiu com a mesma política econômica, mas a conjuntura internacional se alterou com a crise mundial do capitalismo e com efeitos negativos sobre os países da periferia em 2008. Em 2011, início do governo Dilma, isso foi agravado pela crise da dívida soberana dos países da zona do euro. Portanto, a manutenção do tripé e das demais políticas públicas não foi mais suficiente para dar continuidade ao ciclo iniciado no governo Lula.

 

A capacidade do governo Dilma de continuar com tal política macroeconômica, descolada da conjuntura mundial, torrou-se quase zero.

 

É importante ter claro que, em eventual segundo governo, Dilma vai adotar medidas ortodoxas, como forte ajuste fiscal, por exemplo. Mas o cenário para a classe trabalhadora será pior caso ocorra a vitória eleitoral do programa neoliberal de Aécio Neves.

 

Durante o primeiro turno, a defesa da independência do Banco Central por Marina Silva levantou a bola para o governo Dilma/Lula, o PT chapa branca e os comunistas de logotipo.

 

E o debate ficou na superfície dos problemas estruturais do capitalismo brasileiro e com repercussões graves para os trabalhadores. Historicamente, a economia brasileira é dependente e subordinada aos países imperialistas, em particular aos EUA.

 

O Banco Central independente é a legitimação dos interesses do capital financeiro no interior do Estado, através do controle da política econômica e seus efeitos sobre a luta entre as classes e frações de classes. A independência do Banco Central é dar ao capital financeiro a chave do cofre, pois esses interesses se colocariam acima do governo eleito pela sociedade, em nome de inexistente neutralidade da austeridade fiscal e da defesa da moeda.

 

Mas com ou sem Banco Central independente, o capital financeiro já influencia políticas econômicas dos governos, em especial de seus Bancos Centrais, ameaçando com a fuga de capitais e ou desencadeamento de crise cambial. Portanto, a independência jurídica e formal do Banco Central não é condição para o capital financeiro garantir seus interesses no interior do Estado, mas reforça e legitima a sua influência, dificultando o questionamento pelas demais forças político-sociais e do próprio bloco no poder.

 

Aécio e Marina defendiam a dependência do Banco Central ao capital financeiro. Mas a sua influência ocorreu no governo Dilma, e vai continuar ocorrendo num eventual segundo governo, embora ela seja contra a sua independência legal.

 

É preciso levar em conta que as teses reacionárias da homofobia, pela manutenção da genocida lei do aborto e a não descriminalização da maconha se fortaleceram na sociedade burguesa.

 

Por isso, vença quem vencer o segundo turno, a situação econômica vai piorar e os comunistas, a esquerda revolucionária, se ainda quiserem pongar no bonde da história, precisam se preparar para lutar nas ruas pela alternativa operária e popular: criticar as concessões à classe média conservadora, que quer a PM matando pobres e negros nas periferias, e entender que a luta é de longa duração. E não ter receio de resgatar sua trajetória, aprender com os erros do seu passado, deixar de cultuar heróis, pensar e fazer grande.

 

Reconhecer que a esquerda revolucionária está enfraquecida e que a luta pelo socialismo não se faz com propaganda eleitoral na televisão. É preciso incluir milhões de trabalhadores brasileiros, os anarquistas, a esquerda do PT e movimentos sociais combativos, mesmos aqueles ainda iludidos com o governo social-liberal de petistas chapa branca.

 

Ma não será passeando como garças pela Paulista e outras avenidas do Brasil que faremos a revolução.

 

Afinal, é hora de escolher entre a barbárie ou a revolução socialista.

 

Otto Filgueiras é jornalista e está lançando o livro Revolucionários sem rosto, uma história da Ação Popular.

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