Voto nulo é alternativa democrática a dilema falso (2)
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- Duarte Pereira
- 24/10/2014
Atrevo-me a ponderar que falta uma análise mais concreta da situação brasileira nos posicionamentos políticos que têm defendido o voto crítico à candidatura do PT, por representar o mal menor, no segundo turno. Resulta muitas vezes dessa visão a benevolência com o PT e com os governos Lula e Dilma e preconceito extremado com o PSDB, atacado em bloco e sem diferenciações.
Quem tem implementado e defendido a participação das Forças Armadas na política e nas operações de segurança interna? Já esquecemos tão rapidamente a impiedosa repressão das jornadas de junho e julho passados? Esquecemos também a visita de Lula a Bush e a de Obama a Dilma, ou a persistente presença militar do Brasil no Haiti?
Isto para não falar da política econômica de corte neoliberal e da política social de cunho compensatório e assistencialista. A chamada “nova matriz econômica” foi fugaz e já abandonada. Fala-se tanto em Armínio Fraga e se esquece Henrique Meirelles ou mesmo Palocci. O PT não é um partido socialdemocrata desde 2002, quando se tornou um partido social-liberal tanto quanto o PSDB - este mais à direita, o PT mais à esquerda, mas sem diferenças substanciais nas políticas implementadas por ambos. As mudanças ocorridas nessas políticas ficam por conta das conjunturas distintas enfrentadas pelos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma.
Por que as defesas que chamo de benevolentes com o PT não discorrem sobre as alianças do partido e dos governos Lula e Dilma com o grande capital nacional e transnacional e com partidos e lideranças de direita e de extrema-direita, assim como havia ocorrido com o governo de Fernando Henrique e com o PSDB? E essas recapitulações sumárias nem abordam os escândalos administrativos desses governos e partidos. São irrelevantes estes escândalos?
A conjuntura que enfrentamos é muito diferente de contextos históricos tomados tantas vezes como referência comprobatória das consequências nefastas que adviriam da desunião das ‘forças de esquerda’. A propósito, não podemos perder de vista as responsabilidades dos governos Lula e Dilma na desmobilização e despolitização das forças populares e no crescimento das forças de direita e de extrema-direita.
Quer exemplo maior dessas responsabilidades do PT, de Dilma, de Lula e de seus aliados de centro e de esquerda do que as campanhas de desconstrução pessoal de Marina e Aécio, despolitizadoras e deseducativas, campanhas perpassadas por imprecisões e falsidades e até mesmo por escandalosas contradições com posições defendidas por correntes de esquerda, como o pluralismo religioso e a laicidade do Estado, a legalização da maconha e o tratamento da dependência de drogas como uma questão principalmente de saúde, e não de polícia e difamação?
Não há no horizonte brasileiro uma ameaça fascista, nem o risco de um golpe de Estado. Está ademais para ser demonstrado que Aécio representa a “versão dura” do neoliberalismo com as consequências econômicas, sociais e políticas drásticas geralmente indicadas contra ele. O alarmismo exagerado e eleitoreiro e a estratégia do medo não contribuem para a educação política dos trabalhadores e da juventude estudantil, nem para que as correntes de esquerda encontrem uma tática e sobretudo uma estratégia adequadas para sair do isolamento e das dificuldades em que estão enredadas.
Essas ponderações não significam, ressalto, minha concordância com a proposta estreita de uma “frente de esquerda” advogada pelo PCB e pelo PSTU, por exemplo. Defendo taticamente uma frente popular e democrática mais ampla, de esquerda e de centro, antiimperialista e antimonopolista, contra o grande capital transnacional e nacional e contra todas forças de direita e de extrema direita.
Por essas e outras razões, anularei meu voto com firmeza e serenidade no próximo domingo, exercendo um direito democrático e contribuindo para sinalizar a insatisfação de setores populares e de esquerda com as alternativas postas e a necessidade de ser aberto outro caminho, assim como fizemos na primeira década da ditadura militar.
Se morássemos nos Estados Unidos, teríamos que votar nos candidatos “democráticos” para não votar nos candidatos “republicanos”? Também lá não existe alternativa revolucionária, nem muito menos violenta à vista. Como sabemos, a política não se resume às urnas.
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Duarte Pereira é jornalista.
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