A derrota do clone
- Detalhes
- Otto Filgueiras
- 31/10/2014
Muita gente sustenta que as manifestações preconceituosas contra os direitos da mulher, contra direitos dos povos originários, defesa da homofobia, manutenção da famigerada lei do aborto e continuidade da matança de pobres e negros nas periferias são fascista e antessala da implantação do regime de Benito Mussolini neste outro lado do Equador.
São importantes, mas nada mais ingênuo do que confundir preconceito e racismo com fascismo.
Claro que são bandeiras da direita e da extrema direita, adotadas por gente do PSDB, mas que permeiam também as alianças do governo de Dilma Rousseff, recém eleito. Contradições ideológicas que não serão sanadas por nenhuma genialidade da atual presidenta, mesmo que pessoalmente ela seja a favor de rever a Lei da Anistia e punir os facínoras torturadores da ditadura.
Portanto, não se trata de questionar as boas intenções pessoais. Até porque de boas intenções o inferno está cheio.
A questão é discernir entre contradições políticas sempre resolvidas com a “governabilidade” e o idealismo.
Também não se trata de leitura anacrônica que a esquerda revolucionária faria do marxismo e colocaria em segundo plano todas as formas de opressão que não sejam a de classe e da luta de classes.
É certo que no Brasil há uma multidão de mulheres recebendo menores salários, com menos chances de chegar a posições do poder, capitalista. Sofrem a violência de gênero e têm seus direitos sexuais e reprodutivos negados. Os LGBTs - têm direitos civis negados, são alvo de discursos de ódio por parte de políticos e pastores fundamentalistas, sofrem violência e bullying desde crianças e são espancados e mortos em crimes motivados por ódio.
Embora seja contradição importante, não há um país dividido entre cristãos e adeptos de religiões minoritárias (incluindo as dos africanos) e ateus. É bom lembrar que desde o último governo Lula foi imposta uma religião oficial e um código moral dogmático, com base no fundamentalismo do texto bíblico.
Mais do que isso: o governo de Dilma não vai fazer a reforma política e adotar bandeiras progressistas, porque não pode.
Seu governo está comprometido em administrar o capitalismo, precisa das alianças com os partidos de direita, extrema direita e dos conservadores. Não por acaso, a limitada proposta do governo federal de organização dos Conselhos Populares já foi derrubada, com participação de aliados de centro-direita, direita e extrema direita, em votação na Câmara dos Deputados.
A rede Globo, do Plim-Plim e contrária ao projeto dos Conselhos Populares, estava exultante com a derrota do clone. Na eleição presidencial, o governo petista, e de comunistas de logotipo, respirou aliviado com o apoio de sindicatos pelegos, do peleguismo de tipo novo, mas também de movimento populares combativos. O governo clonado editou um decreto para “democratizar as relações de representação popular e poder entre a sociedade civil e o Estado” capitalista.
De pronto foi criticado pelos mesmos reacionários de sempre (antigos e novos), e por sua mídia comercial conservadora, argumentando que se tratava de um golpe institucional do governo, próximo das eleições. Segundo a banca da direita e sua imprensa de classe, o decreto desacredita os poderes da república. Ou seja, os poderes da podre democracia burguesa.
Mas o decreto do clone não enfraquece burgueses e reacionários. Quer apenas colocar ordem na casa, ordem na contestação ao sistema capitalista. Ao contrário da repressão pura e simples das manifestações populares, o clone petista foi obrigado também a fazer concessões, desde que os rebeldes que ocuparam praças e ruas reconheçam o Estado burguês e os seus governos como legítimos representantes para mediar conflitos de classe, mas sempre respeitando a lei e a ordem capitalista.
De fato, os conselhos de políticas públicas são menos burocráticos e mais representativos do que o Congresso Nacional, onde a corrupção corre solta no Senado e Câmara dos Deputados.
Mas o decreto não ameaça a democracia burguesa e não subverte a ordem, como dizem os reacionários, incluindo os tucanos, que forçam a barra para ver uma espécie de bolivarização ou a sovietização inexistente no Brasil.
É importante não esquecer que a Globo e boa parte da mídia comercial ajudaram ao governo do Picolé de Chuchu a esconder a gravidade da crise de água em São Paulo.
O clone petista, do PSDB, dá uma no cravo e outra na ferradura.
O COPOM, Conselho de Política Monetária, aprovou na sua última reunião a elevação da taxa Selic: é um sinalizador para o “mercado” do enquadramento do governo, cevando banqueiros e o sistema financeiro. A taxa de juros é o instrumento utilizado pelo Banco Central para manter a inflação sob controle ou para estimular a economia. Se os juros caem muito, a população tem maior acesso ao crédito e, assim, pode consumir mais. Os teóricos do neoliberalismo dizem que o aumento da demanda pode pressionar os preços caso a indústria não esteja preparada para atender um consumo maior.
Mas do outro lado há uma visão idealista de uma parte da esquerda socialista em relação às contradições políticas e ideológicas da nossa realidade.
Nunca é demais lembrar que a referência de classe é uma das verdades do marxismo a ser resgatada.
Setores da esquerda revolucionária também dão interpretação doutrinarista, dogmática e muitas vezes esquerdista aos escritos de Marx, Engels, Lênin e outros marxistas.
É certo que a luta de classes não acabou como apregoou o Partido dos Trabalhadores, que inaugurou a “democracia social”.
Afinal, o capitalismo e as suas crises (cada vez mais presente em nossas vidas) permanecem com intensa perversidade, explorando e aviltando mulheres e homens que vivem do seu trabalho.
Por isso, é preciso saber relacionar o que está dito nos clássicos marxistas com as contradições políticas e ideológicas na nossa realidade. Continuamos com a necessidade do Partido da Classe Operária e insistimos que há vaga para Lênin.
É preciso levar em conta os pontos de vistas conflitantes entre o governo do clone, o PSDB e a mídia comercial.
Mas não podemos esquecer o que disse Mestre Carpina ao desesperado Severino, que pretendia saltar da ponte da vida, no poema dramático Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto: O mar de nossa conversa precisa ser combatido, de qualquer maneira, porque se não ele alaga e destrói a terra inteira.
Otto Filgueiras é jornalista e está lançando o livro Revolucionários sem rosto, uma história da Ação Popular.