Plebiscito: primeiro desafio da presidenta Dilma
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- Frei Marcos
- 07/11/2014
Presidenta Dilma, com o Congresso (Câmara e Senado) que temos, nenhuma mudança política estrutural irá acontecer. É mais do que evidente. A grande maioria dos deputados federais e senadores, com algumas louváveis exceções, foi eleita por causa do seu poder econômico, enganando ou comprando os eleitores. Com eles e elas, o máximo que poderá acontecer no Congresso será: pequenas reformas ou retoques, que servem de maquiagem para manter e fortalecer o sistema político-econômico dominante.
Como exemplo, basta lembrar a derrubada (dois dias após as eleições) na Câmara Federal, presidida por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) – com o apoio do PMDB, principal aliado do Planalto –, do decreto presidencial que institui os Conselhos Populares e outras formas de participação popular (Política Nacional de Participação Social - PNPS). Com ironia, cinismo e desrespeito, o deputado federal Mendonça Filho (PE), líder do DEM e autor do projeto que cancela os Conselhos Populares, afirma: é preciso reverter “esse decreto bolivariano”. Por sua vez, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, diz que o decreto será derrubado também pelos senadores. Que vergonha nacional! Dá nojo!
Está claro que estes deputados federais e senadores querem servir-se do povo e não servir ao povo. Se fossem realmente representantes do povo (e não aproveitadores), deveriam ficar contentes e apoiar com entusiasmo a criação de novas formas de participação do povo – como os Conselhos Populares – na implementação de políticas públicas. Seria uma maneira de consolidar a participação popular como método de governo, multiplicando os espaços do exercício da democracia direta ou participativa e não somente da democracia indireta ou representativa.
Inclusive, como afirma José Fortunati (PDT), prefeito de Porto Alegre, “a decisão dos parlamentares fere a Constituição. A Carta assegura a participação direta dos cidadãos na política e não deixa dúvidas quanto à inexistência de concorrência de atribuições entre a participação popular e o indelegável papel dos Legislativos” (Câmara na contramão das ruas. Folha de S. Paulo, 03/11/14, p. A3).
Infelizmente, a nossa democracia (que é, quase sempre, indireta ou representativa), na prática, não é democracia (governo do povo), mas aristocracia (governo de uma elite – que usa o povo para seus interesses).
Pretender que nesse Congresso (Câmara e Senado) e, pior ainda, no Congresso da próxima legislatura, a maioria dos deputados federais e senadores aprove os Conselhos Populares é como pretender que no galinheiro a raposa aprove os conselhos das galinhas.
Presidenta Dilma, a senhora está diante de um grande dilema: governar com o povo, para conseguir mudanças estruturais, ou governar com os detentores do poder econômico, para manter e fortalecer o sistema vigente, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida, 385) ou, em outras palavras, uma “economia da exclusão e da desigualdade social”, que é uma “economia que mata” (Papa Francisco. O Evangelho da Alegria, 53). Não há outra saída!
Com os detentores do poder econômico poderá até haver, por necessidade estratégica, acordos pontuais sobre alguns posicionamentos políticos, mas nunca aliança (comunhão de projetos). Trata-se de dois projetos políticos e econômicos totalmente diferentes e opostos. Não se iluda, presidenta Dilma!
O seu primeiro e grande desafio, no segundo mandato, é realizar o Plebiscito para uma Constituinte Soberana e Exclusiva (insisto: Exclusiva) para a Reforma (mudança estrutural) do Sistema Político. A senhora só irá conseguir isso com o apoio do povo unido, organizado e mobilizado.
Presidenta Dilma, siga o exemplo do papa Francisco e, logo no início do seu segundo mandato, convoque um grande Encontro de Movimentos Populares do Brasil todo, lance uma aguerrida Campanha de Mobilização Nacional e esteja à frente dela. Vamos ocupar as ruas do país! Vamos ocupar e pressionar o Congresso, lembrando aos deputados federais e senadores que todo poder é do povo e emana do povo! Presidenta Dilma, venha conosco! Venha no meio do povo! O povo é soberano!
O Plebiscito Popular (que, pela Constituição atual, não é oficial, mas que, com a Reforma Política, poderá sê-lo), planejado por cerca de 400 entidades e realizado de 1 a 7 de setembro passado, com quase 8 milhões de assinaturas, é uma prova concreta da força do povo.
No Encontro Mundial de Movimentos Populares (27-29 de outubro), o papa Francisco, em seu vibrante discurso, afirma: “alguns de vocês expressaram: esse sistema não se aguenta mais, temos que mudá-lo, temos que voltar a levar a dignidade humana para o centro e que, sobre esse pilar, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos”.
Diz ainda o papa: “os movimentos populares expressam a necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo excede os procedimentos lógicos da democracia formal”. Ah, se os nossos deputados federais e senadores tomassem consciência disso!
Sem nenhuma pretensão proselitista e numa atitude ecumênica de profundo respeito às diferentes culturas e religiões como um grande valor humano, o papa, com muita fraternura, faz um veemente apelo aos membros dos movimentos populares: “queridos irmãos e irmãs, sigam com sua luta, fazem bem a todos nós. É como uma benção de humanidade”.
Referindo-se aos textos evangélicos das Bem-Aventuranças (Mt 5,1-12 e Lc 6,20-26) e do Juízo Final (Mt 25,31-46) e recomendando vivamente sua leitura, Francisco afirma: “os cristãos têm algo muito lindo, um guia de ação, um programa, poderíamos dizer, revolucionário”.
Presidenta Dilma, sejamos, pois, verdadeiros revolucionários e revolucionárias! O Brasil e o mundo de hoje exigem isso de nós!
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Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG.
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