O estelionato eleitoral de Dilma 2.0 começou
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- Fernando Silva
- 11/11/2014
Diferentemente das eleições anteriores, diante da ameaça real de derrota, o PT recorreu à força militante para encarar a polarização na reta final do 2º turno da corrida presidencial de 2014. Quem pisasse no Brasil e visse os discursos petistas, e da própria presidente, poderia imaginar que estava num país sob embate de projetos similar ao que deu o tom na Venezuela desde a virada do século. Ocorreu, de fato, uma mobilização real de amplos setores da juventude e da classe trabalhadora, que acabaram sendo um fator relevante na reta final para a apertada reeleição de Dilma.
Mas este episódio, em seu conteúdo, foi uma falsa e distorcida polarização, dado que o governo Dilma nunca foi uma ruptura com os pilares da política econômica histórica dos tucanos, em que pesem as muito mais semelhanças do que diferenças entre o PT de hoje (no poder há 12 anos) e o PSDB.
Prevaleceu a percepção de que Aécio presidente significava perda de direitos (o que é correto), embora direitos estejam sendo atacados de forma paulatina no longo reinado do lulopetismo. Sob a forma de um confronto entre neoliberais clássicos e sociais liberais, ocorreu esta distorcida polarização, que mais se assemelha aos duelos europeus entre os conservadores e os partidos socialistas (antes socialdemocratas, hoje social-liberais, alguns até praticamente neoliberais, como o trabalhismo britânico). Ou, em certa medida, similarmente aos embates entre Democratas e Republicanos nos EUA, no que diz respeito à capacidade dos Democratas em atrair o voto progressista, de mulheres, negros, hispânicos e dos trabalhadores sindicalizados contra os trogloditas republicanos e seus Bush e Tea Party.
Retirada de direitos no horizonte
Embora esta polarização no Brasil prevaleça há duas décadas, reconhecer que o 2ª turno de 2014 recuperou o elemento de uma razoável mobilização social na sua reta final é chave para entender que a vitória de Dilma gerou expectativas em muitos milhares de jovens, trabalhadores, mulheres, na ampla comunidade LGBT (que se engajou fortemente no apoio a Dilma). Uma esperança de que o próximo governo possa ser melhor, faça uma inflexão na direção de garantir e preservar direitos, confronte os setores mais reacionários, o capital e a podre mídia monopólica.
Voltam a ganhar certo corpo, inclusive, as teses de “disputar” os rumos do governo. Mas nada poderá ser mais frustrante para o movimento de massas e todos estes atores sociais do que ficar aprisionado a tal esperança.
Não há nenhuma razão objetiva para esperar que o novo governo Dilma faça inflexões. Uma coisa é a polarização eleitoral e os discursos em palanques, retórica de debates etc.; outra coisa, bem diferente, é a realpolitik da governabilidade petista com sua reacionária, fisiológica e corrupta base de sustentação no Congresso Nacional.
Para começar, o governo Dilma e o PT estarão mais reféns do PMDB (que saiu fortalecido destas eleições e terá uma relação mais paritária com o PT na condução do governo). A bancada governista, embora majoritária, diminuiu em meio a um Congresso Nacional mais conservador. No domingo do segundo turno à noite, Dilma propôs um plebiscito popular para uma reforma política. Bastou a primeira chiadeira do Congresso e dos seus aliados peemedebistas para a presidenta sinalizar o recuo da ideia de um referendo (ou seja, se houver alguma reforma política, será feita por dentro do Congresso e depois pode ser submetida a um referendo).
Tão grave quanto isso, Dilma, com o aval do ex-presidente Lula, está advogando a tese de que o ideal é ter um nome vinculado ao mercado financeiro na pasta da Fazenda, para deixar clara a “reconciliação” com a banca e os especuladores (embora nunca tenha havido um rompimento, em que pese a preferência do mercado por Aécio). Prova disso é que o presidente do Bradesco foi convidado para o cargo. Embora tenha declinado, os esforços do governo em ajustar o Ministério da Fazenda aos representantes do sistema financeiro estão sendo vistos com bons olhos. Pelo mercado.
Antes mesmo de iniciar o novo mandato, o Banco Central aumentou novamente as taxas de juros, Dilma sinalizou com ajustes severos nos gastos sociais, os combustíveis começaram a ser reajustados e, para reativar a política industrial, mais uma leva de isenções fiscais para os capitalistas começou a ser costurada.
Com chave de ouro, o ainda ministro da Fazenda pretende fechar seu mandato passando bastão com a proposta de cortes no seguro-desemprego, auxílio-doença, pensão por morte, entre outros, e explicitamente, segundo o próprio ministro, economizar para o superávit primário, ou seja, para pagar juros da dívida pública.
As acusações que o comando de campanha da presidente martelou dia e noite a respeito do que faria Aécio na presidência estão no rol das medidas concretas que Dilma põe em prática, antes mesmo da sua posse para o seu segundo mandato.
Longe de nós duvidar do quão antipopular seria o governo Aécio, mas sobram poucas dúvidas de que já estamos diante de um estelionato eleitoral, comprovando a similaridade de projetos de poder das duas principais forças políticas dominantes do sistema.
Uma plataforma mínima para 2015
O ano de 2015 será de crise no Brasil: a dramática crise da água no Sudeste, a crise do modelo de produção de energia, a estagnação e ameaça de recessão, um cenário externo desfavorável ao modelão exportador. As escolhas do governo já estão sendo feitas e não há tempo a perder, pois, se serve para alguma coisa o calor da radicalização da reta final das eleições, será para colocar nas ruas e em movimento uma pauta com os anseios de todos aqueles que querem muito mais direitos e mudanças.
Do nosso ponto de vista, algumas propostas diante do cenário que se avizinha são centrais e até emergenciais para enfrentar verdadeiramente o capital.
Por exemplo, água não pode ser mercadoria e nem podem recair sobre as costas do povo reajustes de tarifas públicas como de energia elétrica. Nenhum reajuste de tarifas é uma primeira reivindicação a ser levantada nesta conjuntura.
O Brasil precisa, sim, de uma reforma política, de um plebiscito popular que vá na direção dos anseios de junho, na direção da democracia direta, da ampla participação popular; uma reforma que seja feita pelo povo e com medidas que democratizem radicalmente o poder e liquidem com os mecanismos de controle e manipulação do poder político.
Também é necessário enfatizar o debate da democratização dos meios de comunicação, colocando-o no centro de uma agenda que tenha como objetivo acabar com os monopólios manipuladores da mídia corporativa.
É preciso colocar em outro patamar as pautas de opressões, dos direitos das mulheres, dos LGBTs. Há que ganhar a luta pelo casamento civil igualitário e pela legalização do aborto, pois a luta contra os ataques aos direitos civis e democráticos não pode depender de um Congresso reacionário e de um governo que cede aos gritos dos reacionários. Será pelas ruas que vamos conquistar estes direitos.
No terreno econômico, em ano de crise e ajuste, precisamos pautar nas ruas a tributação dos ricos, das fortunas, dos lucros, exatamente o oposto do que, normalmente, os governos petistas fazem, que é desonerar os capitalistas. Uma tributação progressiva sobre o Capital ao lado de uma auditoria da dívida pública é que pode construir condições para uma política que acelere o combate e o fim da desigualdade social.
Não se pode levar a sério qualquer fraseologia de mudanças sem tocar minimante nos temas desta pauta. Na verdade, não se pode levar a sério governos que falam em mudanças nos dias de festa e depois tomam medidas no caminho inverso das expectativas daqueles milhares de jovens e trabalhadores que se mobilizaram para dar a vitória a Dilma.
Da nossa parte, estaremos onde sempre estivemos, na oposição de esquerda aos ajustes de governos, sejam aos estaduais capitaneados pelo tucanato e seus aliados, sejam aos que se avizinham, severamente, no segundo mandato de Dilma Rousseff.
Fernando Silva é jornalista e secretário-geral do PSOL.