Correio da Cidadania

Mapeamento do antipetismo: o PT entre o cínico e o obsoleto

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O Partido dos Trabalhadores, preocupado com os altos índices de rejeição, contratou a empresa Marissol para fazer um mapeamento do antipetismo.

 

A matéria, publicada pela Exame, destaca que “a cúpula do PT já tem um diagnóstico primário das causas do antipetismo. Segundo dirigentes, a onda começou nos protestos de junho de 2013, quando militantes petistas foram agredidos em manifestações em São Paulo, tomou corpo durante o processo eleitoral deste ano e continuou depois das eleições, com as manifestações contra a presidente Dilma.”

 

Os intelectuais do PT ainda insistem na tese de que as jornadas de junho foram protagonizadas por fascistas de direita. Por que é tão difícil reconhecer que houve mudança nos modos de produção capitalistas e na dinâmica das lutas? Talvez a dificuldade em reconhecer as mudanças na base estrutural do capitalismo do século 20 se deva ao fato que isto significa romper com estruturas de poder autoritárias, que usam a força e a violência como garantia de êxito dos projetos empresariais e políticas privatistas.

 

As jornadas de junho estão inseridas em um processo de conflito social que se exprime na violência encarnada no ódio racial, na opressão de gênero e em privilégios socioeconômicos. No entanto, o cinismo do governo não se permite compreender as jornadas fora de uma disputa de hegemonia polarizada entre petismo e antipetismo, colocando-se assim como fiel da balança do panorama político brasileiro. Enquanto isso, os novos sujeitos do trabalho são reduzidos a inimigos fascistas que precisam ser esmagados por um bio-poder totalizante. Já que a presente estrutura de poder, sobre o que se constrói a governabilidade (e o governismo), é incapaz de reconhecer e valorizar as diversidades e subjetividades resistentes à precarização do trabalho, à violência impregnada na rotina, à militarização e/ou milicialização dos territórios dos pobres, à falta de efetivação dos direitos sociais.

 

O governismo padece de uma obsolescência ideológica cuja saída só poderia estar num novo olhar sobre as relações do trabalho metropolitano, a fim de compreender a eclosão das resistências de junho não somente como lutas de classe operárias nos termos ortodoxos das conquistas salariais e de melhores condições de emprego, como também uma luta global por uma nova forma de democracia social participativa.

 

Entender os porquês da crescente rejeição ao governo e ao PT só será possível começando pelo fim da arrogância em considerar-se o centro irradiador de sentido do sistema político (ou da esquerda). É preciso perceber essa arrogância, bem como a responsabilidade pelos equívocos das políticas neo-desenvolvimentistas, que acabaram por incrementar a estrutura securitária de controle social, que historicamente submete os mais pobres e vulnerabilizados a um cotidiano brutalizante de medo, intimidação, silenciamento, execuções sumárias e torturas.

Por isso, ignorar as mudanças estruturais do capitalismo no século 20 e seguir querendo impor as velhas formas de organização das lutas do trabalho consiste numa tentativa de desqualificar politicamente a recomposição dos trabalhadores da metrópole, que se articulam e organizam sua cooperação de outros modos. Este definitivamente não é um caminho para entender por que a multidão insurgente de junho rejeita o atual governo e o PT.

 

Lamentavelmente, o PT e sua militância estão obsoletos, afogaram-se num mar de prepotência e intolerância diante da alteridade. Toda crítica vem sendo tratada como discurso de ódio e, a seguir, achatada num bloco unitário e amorfo de “antipetismo”. O extremismo petista parte, então, para a solução mais simples: denunciar como fascista tudo o que lhe desagrada, enfatizando o discurso de polarização partidária, que é forma não só de destruir o inimigo, como também de dobrar as críticas vindas à esquerda, segundo a tentativa de construir um discurso unificado hegemônico das “esquerdas”, quer dizer, a unificação que atende à vontade do governismo.

 

A velha guarda da militância operária não consegue (e não quer) enxergar a falência dos grandes agregados coletivos-identitários baseados noutra composição do trabalho (do operariado-massa dos grandes distritos industrializados do  passado), atendo-se ainda a um cinturão de sindicatos pelegos, engrenados acriticamente na transmissão de pautas e diretivas do governo, cooptados por uma institucionalidade em crise.

 

Em primeiro lugar, é preciso assumir os males da “governabilidade” empreendida pelas políticas neo-desenvolvimentistas dos últimos 12 anos, para começar a enxergar com lucidez o porquê de as lutas não suporem mais a centralidade das instituições representativas (partidos políticos e sindicatos). Essa centralidade se deslocou para incorporar o potencial dos trabalhadores metropolitanos em toda a amplitude da cooperação social, dos fluxos transversais da cidade, da rede de singularidades que não deixam de ser singularidades quando se unem na luta e criação de alternativas. Isto significa entender que não há líderes neste processo.

 

No entanto, enquanto vigorar a demagogia em pretender construir a realidade de maneira tão simplória, etiquetando as lutas em “de direita” ou “de esquerda” em função das conveniências partidárias e eleitorais, qualquer pesquisa não servirá senão para negar os fatos. As contingências irredutíveis dos fatos são assim ignoradas, do que só poderá resultar a manipulação da pesquisa, a partir de pressupostos enviesados voltados a reeditar a mesma polarização falsa: petistas (amigos) x anti-petistas (inimigos).

 

O fracasso de um modelo de organização partidária de esquerda que parou no tempo está novamente evidenciado no momento em que pretende reimpor os mesmos binarismos, a mesma máquina de consensos forjados a partir da mera necessidade de manter-se no poder, mesmo que isto signifique negar as lutas, destruir a organização política do trabalho e criminalizar quem luta por uma democracia melhor.

 

Querem identificar líderes? Querem sondar o tecido social atrás do que já acreditam conhecer, a fim de reencontrar redimidas as velhas estruturas, e assim propagar um discurso de polarização que, no calor do conflito social, não lhe corresponde?

 

Que tal, então, estudarem a crise da representatividade? Que tal tentarem olhar para junho de 2013 dentro de um contexto global e local de lutas interconectadas, por novas formas, métodos e instituições?

 

Mas não, querem mesmo é associar black blocs a Bolsonaros!

 

Toda resistência a uma violência ilegítima do Estado seletivo protagonizada pelas jornadas de junho passa a ser associada, convenientemente, às manifestações golpistas e a todo tipo de violência fascista e preconceituosa.

 

A neurose petista prefere ignorar as mazelas da sua gestão e despolitizar as lutas por direitos articuladas em moldes apartidários, assim articuladas em meio a uma crise representativa, tudo para reduzi-las, dentro da lógica da polarização, aos atos despolitizados e golpistas, evidentemente, apoiados por partidos políticos conservadores.

 

Portanto, a cúpula do partido já começa a pesquisa com um diagnóstico primário totalmente equivocado, que contamina quaisquer conclusões. Senão para reforçar o consenso repressivo, militarista e criminalizante de que a cúpula do PT e governo participam conscientemente.

 

Nunca entenderão nada enquanto olharem o presente pelo passado. O que basta é saber se a intenção é mesmo entender alguma coisa ou se é mais uma tentativa de cercear garantias constitucionais pela intimidação dos que resolverem não ser chantageados pelo discurso da polarização.

 

 

Priscila Pedrosa Prisco é advogada da comissão de direitos humanos da OAB-RJ, professora da UFF e mestranda na mesma instituição.

 

Originalmente publicado em Uninomade - http://uninomade.net/tenda/mapeamento-antipetismo-o-pt-entre-o-cinico-e-o-obsoleto/


Comentários   

0 #2 AntipetismoNelson Viana 28-11-2014 22:32
Também me perguntei por que o PT está fazendo essa pesquisa. O PT perdeu a condição de representar os interesses dos trabalhadores e ao elitizar-se desqualificou a sua origem. As boas intenções foram todas para a lata de lixo da história e negar os fatos do presente é uma forma de desqualificar a subjetividade geral como se alguém estivesse gritando-nos:SÃO TODOS BABACAS. Essa afronta à inteligência mediana é que me assusta. Parabéns pela síntese fantástica que você fez Priscila.
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0 #1 RE: Mapeamento do antipetismo: o PT entre o cínico e o obsoletoJoão Coimbra 27-11-2014 18:25
Dizer que existe crise de representatividade só serve para afirmar que o problema são as pessoas, e o problema não são as pessoas, são as propostas, as soluções propostas. Ninguém tem proposta que atendam às reais necessidades de todos. Ninguém quer pagar esse preço, os ricos não querem abrir mão dos seus privilégios.
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