Correio da Cidadania

As eleições, as ruas e a esquerda: para onde vamos?

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A eleição à presidência da República deste ano foi marcada por uma grande tensão, muito em função de as campanhas de PT e PSDB terem colocado, de um lado, o medo do retorno aos anos miseráveis de neoliberalismo selvagem, dos anos 1994-2002, contrapondo o discurso político conservador dos tucanos ao neoliberalismo criativo do lulismo, aos seus números e aos seus resultados; de outro lado, a promessa de uma mudança vaga, que prometia, ao mesmo tempo, a manutenção de medidas compensatórias como o programa bolsa família e a aprovação da redução da maioridade penal contra a juventude da periferia.

 

Após o fiasco da candidata neodireitista Marina Silva no primeiro turno, esta que, caso fosse ao segundo turno, ao menos elevaria o debate entre os postulantes a um âmbito programático – e não moralista e acusatório, como se a corrupção fosse um problema de gestão de governo, e não da própria estrutura do Estado –, a campanha do PT se travestiu de esquerda no segundo turno para captar votos especialmente da juventude, que era praticamente o único flanco em que a campanha petista poderia disputar novos votos à vera com os tucanos.

 

Para isso, a candidata Dilma chegou, inclusive, a apoiar a criminalização da homofobia, o fim do genocídio da juventude negra nas periferias (por parte das polícias militares), enquanto o PT, seu partido, propõe tardiamente uma reforma política e a regulamentação das comunicações. Reforma agrária, reforma urbana, aprovação da lei anti-homofobia, fim da anistia aos torturadores do regime civil-militar, respeito aos direitos humanos dos pobres, dos índios, da juventude etc., nada disso foi prometido.

 

Este novo governo do PT deixará que empresas como a Rede Globo e a Editora Abril sigam perpetuando seus abusos protofascistas? Que emissoras de TV aberta sigam impunemente criminalizando os pobres e as “minorias”, e promovendo ideologias nocivas à democracia durante a quase totalidade de suas transmissões e edições? A regulamentação e democratização das comunicações é a única saída a essa indústria de ideologia conservadora e/ou reacionária.

 

No Brasil, a noção de “cidadania” (conceito que elimina as classes sociais) é formada substancialmente por meio da televisão e do rádio, e não na escola, onde se educa, na maioria das vezes, à obediência cega à autoridade. Desde a redemocratização, a estrutura monopolista dos grandes meios de comunicação, que se concentram nas mãos das oligarquias, é o elo que mantém viva a herança do regime civil-militar, este que hoje respira por meio das estruturas das polícias militares e do judiciário, que, por sua vez, foram desenhadas para promover o aprisionamento e o assassinato em massa contra os pobres e negros em nosso país.

 

Só no ano de 2013 foram assassinadas mais de duas mil pessoas pela polícia em nosso país, grande parte delas vítimas de chacinas como a que vitimou oito pessoas em Belém, após a morte de um policial em um suposto confronto com traficantes. Em um dos áudios, um suposto policial anunciava: “Mataram um policial nosso e vai ter uma limpeza na área. Ninguém segura ninguém, nem o coronel das galáxias”. Adivinha o que aconteceu com os policiais envolvidos? Isso mesmo.

 

A reforma política prometida pelo governo não pode prescindir da reforma de todas as instituições, a começar pela total desmilitarização e democratização das forças armadas e das polícias. Some-se a isso, há a necessidade de se criar uma Comissão da Verdade para a apuração de tais crimes e a condenação das autoridades estatais envolvidas, afinal, vivemos uma guerra civil com milhares de mortos ao ano e centenas de milhares encarcerados por crimes que apenas são cabíveis de pena com a condição de o réu ser pobre, preto e marginalizado.

 

O suposto combate ao tráfico, responsável por 30% dos encarceramentos, a maioria deles por pequeno tráfico ou mesmo incriminando usuários – mas nunca punindo envolvidos em casos do grande tráfico, como os Perrella e seu heliPÓptero – serve como carro-chefe para a presença das polícias nas periferias, não para proteger seus moradores, e sim para massacrá-los, como ocorre na ocupação das forças armadas no complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Ao contrário de se envergonhar por tamanha repressão, Dilma, que até 90% da contagem de votos perdia para Aécio Neves, orgulha-se, como se viu no último debate promovido pela Rede Globo.

 

Nas últimas duas décadas, o ritmo de crescimento da população carcerária brasileira só foi superado pelo do Camboja. Estamos atrás apenas dos Estados Unidos (2,24 milhões) e da China (1,64 milhões) em número total de presos, com cerca de 500 mil presos, sendo que vários deles sequer foram julgados, assim como há detentos que, mesmo após cumprir sua sentença, seguem encarcerados em função do descaso e da morosidade estrutural de nossa justiça, feita para não funcionar, ou melhor, para punir o pobre e o negro e manter livre o rico e o branco. Cinquenta e três por cento dos homicídios no Brasil atingem jovens negros, enquanto que a mulher negra recebe, em média, um terço do que recebe um trabalhador homem e branco. Podemos falar de justiça nessas condições?

 

Essa rede composta pelo grande capital da comunicação, pelo judiciário e pelas forças policiais e armadas promove o círculo vicioso da reação conservadora, que pôde ser visto na violência transposta às ruas por meio da campanha do PSDB, e é o que faz com que as aspirações e os sonhos das massas que foram às ruas em junho de 2013 se transformem no pesadelo que triunfa sem oposição significativa à esquerda, desde a Copa do Mundo deste ano. Romper com esse círculo significa, para toda a esquerda, abandonar suas lutas fratricidas por direções, cargos e status de vanguarda em prol da retomada dos trabalhos de base e da unidade programática, algo tão crucial e menosprezado por uma esquerda que hoje é incapaz de ouvir as ruas, as periferias, os trabalhadores e a juventude.

 

 

Leia também:

‘Infelizmente, segundo governo Dilma será bem mais conservador que o primeiro’

 

 

Lucas de Mendonça Morais é jornalista e editor do Diário Liberdade.


Comentários   

0 #1 BueiroJosé Marques 04-12-2014 22:49
Um jornal de grande circulação no RJ está indignado por constatar que uma criança se banhava num bueiro. Como tem feito uma campanha desvairada pelo ajuste fiscal, só pode ser porque tem só uma criança, querem encher o bueiro de petiz.
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