Correio da Cidadania

PT é essencial à esquerda brasileira, diz Valter Pomar

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Por ocasião do novo PED - Processo de Eleições Diretas – no Partido dos Trabalhadores, o Correio entrevista com exclusividade o candidato à presidência, Valter Pomar, uma das personalidades de maior atuação e militância dentro do partido.

 

Pomar avalia a conjuntura interna do partido, o seu significado para o país no atual momento histórico, além de ressaltar os erros das direções anteriores e os seus objetivos caso esteja à frente da direção do partido.

Segundo Pomar, o socialismo persiste como uma importante bandeira do PT, uma vez quecorresponde às aspirações objetivas e subjetivas de uma grande parte de base. “Um Partido como o PT só sobreviverá se afirmar, a todo tempo, sua identidade de classe com os trabalhadores, seu repúdio ao capitalismo e sua defesa ao socialismo. Fará muito bem ao PT ter um presidente que saiba afirmar, na teoria e na prática, estes compromissos”, ressalta Pomar.

 

 

Correio da Cidadania: Qual análise você faria da conjuntura interna do PT nos dias atuais?

Valter Pomar: O PT está vivendo um momento de transição, semelhante ao que vivemos entre 1990 e 1995. Explicando: de 1983 até 1989, havia uma política hegemônica e uma maioria dirigente no Partido. Aquela política & maioria nos levaram quase lá. Mas depois da derrota de 1989, abriu-se uma crise de direção no Partido. De 1990 até 1995, não havia uma política nem uma maioria hegemônicas. Uma nova maioria & hegemonia se constituiu em 1995, no Encontro de Guarapari, e se consolidou em 1997-98. Esta nova maioria & hegemonia teve dois símbolos: a intervenção no PT do Rio de Janeiro e a vitória nas eleições presidenciais de 2002.

 

Acontece que esta maioria & hegemonia, do chamado "campo majoritário", foi capaz de vencer as eleições de 2002, mas não teve êxito no teste de governar. Submeteu o partido ao governo, levou as alianças e o financiamento do partido ao limite da irresponsabilidade, agiu com truculência e arrogância contra os setores do PT que criticavam a política adotada, implementou políticas que contradiziam a linha do Partido e mesmo os compromissos de campanha. O resultado foi nossa derrota nas eleições de 2004 e a crise de 2005. Na eleição da direção do Partido, realizada em 2005, o "campo majoritário" perdeu a maioria. Hoje, o Partido não tem maioria nem hegemonia definidas. O PED 2007 se realiza neste contexto.

CC: O que te motiva a disputar novamente as eleições do partido?

VP: Em primeiro lugar, a certeza de que o PT é essencial para a esquerda brasileira. Em segundo lugar, a certeza de que uma direção de esquerda é essencial para o PT.

CC: Quais são, especificamente, os erros mais graves que foram cometidos pela direção do partido, e que conduziram à sua crise maior, quando Genoíno ainda o presidia?

VP: O erro maior foi político. No fundo, a estratégia do antigo "campo majoritário" era a da mudança sem ruptura, sem conflitos, sem impor perdas pesadas ao grande capital e às elites. Em decorrência desta crença, de que seria possível mudar sem ruptura, o "campo majoritário" impulsionou uma aproximação entre o PT e setores do grande capital e dos partidos de centro-direita. O mais grave é que esta aproximação foi feita em torno do programa deles, não em torno do nosso programa.

 

Prova disto é a Carta aos Brasileiros, que se comprometia com algo que até hoje continua pesando negativamente sobre nosso governo: o cumprimento dos contratos e o nível de superávit primário que fosse necessário, ou seja, em bom português, a manutenção de uma taxa de juros e do serviço da dívida que o capital financeiro julgasse adequados. O resto - inclusive a terceirização das finanças partidárias e a importação do know-how tucano nesta área - é efeito colateral da política. Por isto, aliás, não adianta fazer o debate a partir da ética: o debate tem que ser feito a partir da política, que inclui, mas não se limita à ética. 

CC: Após a saída de Genoíno, o partido esteve, na maior parte do tempo, sob a direção de Ricardo Berzoini. Como você avalia esse período?

VP: A direção eleita em 2005, e que encerra seu mandato agora, não possui uma maioria fixa. O antigo "campo majoritário" tem 42%. E os setores que apoiavam o "campo majoritário" na gestão anterior, e que o faziam atingir até 70% dos votos nas reuniões do Diretório, não se alinham mais com os antigos integrantes do "campo".

 

Além do mais, os setores moderados do PT moveram-se para a esquerda, sob pressão dos ataques da direita brasileira. Nos últimos dois anos, o discurso da luta de classes voltou a freqüentar as reuniões do PT, vindo das vozes mais insuspeitas. O próprio Ricardo Berzoini é alguém que, em 2001, disputou a presidência nacional do PT, contra José Dirceu. Berzoini voltou ao "campo majoritário" em 2004-2005, tendo menos tempo de "casa" do que alguns setores do Partido que hoje buscam limpar a sua imagem pública, fazendo críticas ao "campo majoritário" como se nunca tivessem feito parte dele.

 

Berzoini, justiça seja feita, tentou adotar novos métodos de direção e tentou agir como presidente do Partido, não dirigente de uma tendência. Mas não teve êxito. Não me refiro apenas ao episódio do Dossiê, mas principalmente ao conjunto da obra: o Partido precisaria ter eleito como presidente, em 2005, alguém que sinalizasse, para o próprio Partido e para a sociedade, o fim do reinado do antigo "campo majoritário". 

CC: O que você pretende mudar com sua gestão? Quais são as suas propostas e objetivos nesse sentido?

VP: A próxima gestão do PT tem como objetivos vencer as eleições 2008, trabalhar para que nossos governos (federal, estaduais e municipais) tenham sucesso e preparar as condições para a eleição de um petista para suceder Lula. Para atingir estes três objetivos táticos, existem três tarefas estratégicas que devem ser cumpridas pela futura direção: melhorar a relação do PT com os movimentos sociais, reconstruir a aliança com os partidos de esquerda e dar um salto de qualidade na organização do próprio Partido. Como pano de fundo, trata-se de fortalecer o petismo, o caráter de classe e  socialista do PT.

CC: Você acredita, portanto, que o PT tenha ainda um papel importante a desempenhar no Brasil?

VP: Evidente que sim. O Brasil, sem o PT, é o Brasil governado pelo PSDB e pelo DEM.

CC: O que você teria a dizer quanto a esse abandono de bandeiras históricas pelo PT e seu afastamento da militância, especialmente a partir do processo que levou Lula à presidência em 2002, priorizando o caminho eleitoral – pontos que parecem hoje pacíficos em uma ala mais crítica e à esquerda do partido?

VP: Eu acho necessário perceber o contexto histórico: a derrota da primeira tentativa de construir o socialismo; a ofensiva neoliberal; o refluxo dos movimentos sociais. Acho necessário, também, comparar o que houve com o PT e o que houve com partidos muito mais estruturados, como o PC Italiano ou o PS francês. Considerado o contexto e fazendo a análise comparativa, o que se percebe é que o PT se saiu melhor e, por isso, está em melhores condições de fazer a "reconversão", agora que os tempos estão mudando em favor da esquerda.

 

Por fim, é preciso tomar cuidado com certas generalizações: a prioridade dada ao caminho eleitoral não foi apenas um ato de vontade, tanto é assim que críticos ferozes da institucionalidade não resistiram ao apelo de uma vice-presidência... Disputar as eleições, garantir espaços institucionais, foi uma necessidade, num momento de refluxo das lutas sociais. A maneira como isso foi feito e os efeitos colaterais que produziu é que constituem o problema. Quanto ao afastamento da militância, se fosse do tamanho que alguns dizem, não teríamos vencido as eleições de 2002, não teríamos sobrevivido aos ataques de 2005, nem teríamos vencido em 2006.

CC: E qual seria a sua resposta aos críticos de fora do partido, que acreditam que ele já teve o seu momento na esquerda, e que não há mais resgate possível de seu papel como agente transformador? Nessa visão, o partido já estaria, irreversivelmente, próximo à “política mais tradicional”, a exemplo do próprio PSDB.

VP: Se o PT não tivesse mais resgate possível, os críticos não gastariam tanto tempo criticando o PT. Ninguém chuta cachorro morto. Ninguém cobra do PMDB seus compromissos sociais. O erro de certos analistas é o exagero: confundem tendências com o processo como um todo. No final, acabam fazendo como a líder máxima do PSOL fez em 2006: lavou as mãos, na prática ajudando o PSDB.

CC: Qual a sua visão quanto à relação atual entre o partido e o governo Lula? Você considera que o PT preserva autonomia perante o governo?

VP: Minha visão é que hoje o PT está mais autônomo, mas está mais fraco e tem menos influência. Entre 2003 e 2005, o Partido era mais forte, tinha mais influência, mas tinha menos autonomia. O que eu defendo é que o PT deve apoiar o governo, combatendo a oposição de direita. E deve disputar os rumos do governo, enfrentando os setores conservadores que fazem parte do próprio governo, por exemplo, no Banco Central, na Articulação Institucional e nas Comunicações. O PT deve ser a ala esquerda da coalizão de governo, defendendo, por exemplo, a implementação das reformas estruturais, a começar pela reforma agrária e urbana.

CC: A atuação do partido no Congresso insinua, vez ou outra, um padrão de comportamento que parece não mais se diferenciar da postura fisiológica dominante, muito diferente do que ocorria quando era oposição. Qual a sua opinião sobre isso? Onde começa esse problema e qual a saída estrutural?

VP: Há três questões diferentes misturadas aí. Uma é a da governabilidade: um governo de esquerda ou de centro-esquerda precisa escolher. Ou fica prisioneiro do conservadorismo e do fisiologismo, ou combina apoio institucional com apoio social. Outra é a do sistema político: ou ele é reformado, ou todos que fazem parte dele sucumbirão, mais cedo ou mais tarde, ao fisiologismo e à corrupção.

 

Aliás, o tema da Constituinte exclusiva para fazer a reforma política é algo central, até para evitar a judicialização da política, que começou com a fidelidade, avançou na restrição às greves e no financiamento dos partidos políticos.

 

Uma terceira questão é a da hipocrisia & da ingenuidade: claro que o PSDB e o DEM não têm autoridade para atacar políticos do PT ou de partidos aliados do PT. Mas não podemos permitir que, em nome da hipocrisia e da manutenção de alianças, nosso partido seja lançado na vala comum. No caso do Renam, por exemplo, a direção do partido e a bancada no Senado erraram: deveríamos ter fechado questão e indicado o voto pela cassação do senador que, como todos sabem, quebrou o decoro parlamentar.

CC: O socialismo é ainda uma bandeira importante para o PT?

VP: Sim. Não apenas porque está nas resoluções do partido, inclusive do Congresso, mas também porque corresponde às aspirações objetivas e subjetivas de uma grande parte de nossa base. É claro que o socialismo petista faz muitas concessões à social-democracia. Mas é socialista. O que, nos tempos em que vivemos, é algo muito importante.

CC: De que modo essa bandeira entraria em sua gestão?

VP: Um partido como o PT só sobreviverá se afirmar, a todo tempo, sua identidade de classe com os trabalhadores, seu repúdio ao capitalismo e sua defesa ao socialismo. Fará muito bem ao PT ter um presidente que saiba afirmar, na teoria e na prática, estes compromissos. Do  ponto de vista prático, a nova direção nacional investirá muito no debate de idéias na sociedade, no confronto ideológico e político entre projetos estratégicos; investirá, também, na comunicação e na formação política da militância. E dará prioridade à organização e à luta das classes trabalhadoras e da juventude.

CC: Quanto à questão da judicialização da política, por você mencionada, o que pensa da fidelidade partidária, recém imposta pelo STF?

VP: Sou favorável à fidelidade partidária. Os mandatos são partidários, não individuais. Mas sou contra que o STF e outras câmaras judiciais se transformem em poder legislativo. A decisão sobre greves no funcionalismo é um escândalo. A decisão que impede cargos de confiança de contribuírem para com o PT é outro escândalo.

 

 

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