Ódio sem fim ao PT
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- Lincoln Secco e Ciro Seiji Yoshiasse
- 26/02/2015
Manchete da Folha de S. Paulo no dia 12 de fevereiro de 2015: “Doleiro afirma que José Dirceu sabia de repasses de desvios da Petrobrás ao PT”. Nenhum acusado por um criminoso sob delação premiada mereceria uma primeira página. Exceto se ele for do PT.
José Dirceu foi condenado e já cumpriu parte de sua pena. Aguarda sua liberdade plena para pedir a revisão criminal de seu julgamento e, eventualmente, apelar a tribunais internacionais. A sua condenação não teve sustentação nos autos, como juristas de diferentes posicionamentos ideológicos declararam.
Obviamente que Dirceu cometeu erros políticos que deveriam, em outras circunstâncias, ser julgados pelo seu partido. Foi ele quem escolheu o caminho de um partido socialdemocrata de massas com alianças amplas para chegar ao poder.
O PT entrou no governo pedindo licença – não precisava. Vinha sustentado pelas ruas, com a identidade dos militantes dos sindicatos, dos movimentos populares e da esquerda. Mas introjetou a ideia de que tinha ganhado a partir de uma artimanha publicitária, a Carta ao Povo Brasileiro.
Tanto que ao primeiro sinal de golpe em 2005, Lula colocou o boné do MST e quer repetir a dose hoje, com o MTST. Mas, agora, a nova geração de lutadores sociais não levará borrachada por ele.
Neopetismo
Os dirigentes neopetistas (1) até poderiam ter rifado Dirceu e Genoíno para salvar a própria pele, mas não deveriam ter abandonado o partido às hienas míopes para que a sua rebeldia, história e prontidão fossem transformadas em moranguinhos (2) e burocratas da estrutura do Estado.
Depois, o PT conseguiu a proeza de escolher os juízes que colocaram na cadeia dois de seus ex-presidentes: Dirceu e Genoíno. Eles pagaram pela ideologia do republicanismo periférico: aquele que considera neutras instituições forjadas pela classe dominante apenas para seu uso egoísta.
Mas José Dirceu também foi condenado pelo seu “sucesso” político. Arquiteto da chegada do PT ao poder e oriundo da luta armada, os de cima não o perdoariam jamais.
A causa disso é aquilo que Florestan Fernandes denominava a resistência sociopática da burguesia periférica a qualquer mudancismo social. A insistência na fabricação de escândalos como arma política e a tentação recorrente de derrubar o PT de um governo para o qual foi eleito legitimamente demonstram que nem mesmo as mudanças ordeiras produzidas pelo neopetismo foram assimiladas.
A perseguição atinge até mesmo executivos de empresas no exercício de seu “sagrado” direito de financiar todos os partidos em troca de favores públicos. Inconformados em suas celas, perguntam-se: “O que fizemos de errado?”. A resposta é uma só: juntaram-se ao PT. O objetivo da maioria do poder judiciário é secar as fontes de financiamento do partido, infligindo o pânico nos doadores de campanha.
Caos
No entanto, há um preço a se pagar. O PT foi a última chance de a burguesia legitimar sua “dominação democrática”. A derrocada “ética” do PT e seu afastamento de práticas socialistas não ensejaram novas formas permanentes de luta na esquerda. Junho ainda não decantou e as derrotas populares de 2014 o comprovaram. O neopetismo, mistura de covardia republicana e repressão aos novíssimos movimentos sociais, colaborou com aquelas derrotas.
O PT seguiu o caminho da água, o mais fácil, porque os neopetistas não são leões famintos, mas lobos domesticados de estômago elástico. Mesmo assim insultou com a sua mera presença na festa das figuras medíocres da política nacional, da elite sem berço que vê o Brasil como uma criança branca que volta de Miami carregada de brinquedos de plástico.
O único que eles temiam, e temiam porque já teve um revólver na mão, era Dirceu. Era preciso, portanto, reduzir a pedaços os seus nervos e a sua vontade. Mas não conseguiram porque o ódio não tem data de validade.
O destino de José Dirceu é um símbolo do futuro de seu partido. À sua direita, o seu próprio governo; à sua esquerda, os reclamos de sua militância desorganizada, sem núcleos e perdida nas ruas desde junho. Dali ecoam cada vez menos discretamente os sons da insurreição.
Na encruzilhada, o PT hesita entre a debandada e outra revolta dos bagrinhos (3). Só que os bagrinhos de hoje estão nas ruas, ocupações, na educação popular, nos mesmos lugares em que apanham sob o olhar cúmplice de dirigentes que se calam para proteger seus glúteos recostados.
Notas:
1) O neopetismo não diz respeito a pessoas que adentraram recentemente no partido. O PT mais que dobrou de tamanho nos primeiros três anos de governo Lula, mas muitos jovens aderiram não apenas por oportunidade de carreira, e sim porque a imagem do PT continua incomodando as elites das classes dominantes. Por outro lado, muitos dirigentes neopetistas são antigos membros do partido que aderiram ao nepotismo, ao conservantismo e apoiam a repressão policial e judiciária de manifestantes.
2) Primeira leva em massa de militantes pagos pelo PT em São Paulo.
3) Alusão à imagem de revolta interna da base petista nos anos 1980.
Licoln Secco é professor do Departamento de História da USP e publicou em 2011 o livro “História do PT”, pela Ateliê Editorial.
Publicado orginalmente no Blog da Boitempo.
Comentários
Enfim, violar direitos humanos é consuetudinário e uma denúncia (fundamentada) deve ser reparada com um pedido de desculpas formais, como já registrou o docente.
Como alguém omisso pode falar em omissão?
E a situação é tão grave, que os atentados aos direitos humanos e redução à condição de escravo, no Curso de História Econômica da USP conta com a condescendência de todos os professores, incluindo os "críticos". Os adversários do PT sorriem à vontade, com toda a razão: se os "petistas" e "marxistas" fecham os olhos para os atentados graves aos direitos humanos materialmente comprovados, com certeza eles, anti-petistas, podem dormir tranquilos, operando a destruição dos trabalhadores e dos sem-teto, que é autorizada pelo Judiciário e é "perfeitamente legal".
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