Zeferino Vaz: um Reitor de direita que protegia as esquerdas? (1)
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- Caio N. de Toledo
- 12/06/2015
“É um monstro. Ou melhor, é um autêntico comunista”. Zeferino Vaz
Agradeço a Telma Murari, eficiente funcionária da Unicamp, por ter facilitado a consulta de documentos do Sistema de Arquivos (Siarq) dessa universidade. Igualmente, sou grato a Arley Ramos Moreno, Danilo Martuscelli, Heloisa Fernandes, Lalo Minto, Ronaldo Simões Gomes (Batata) e Patrícia Vieira Trópia por comentários feitos ao texto; obviamente, não têm eles qualquer responsabilidade pelos equívocos de interpretação e juízos presentes no artigo.
I - Introdução: por uma biografia acadêmico-política
Foi extensa e significativa a presença de Zeferino Vaz na história da educação do estado de São Paulo, particularmente em instituições do ensino superior. Diretor da Faculdade de Medicina Veterinária da USP (1936-1947), criador e diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (1951-1964) e fundador e reitor da Universidade Estadual de Campinas (1966-1978). Durante 27 anos, Zeferino Vaz teve atuação importante no Conselho Universitário da USP (1937-1964); por duas vezes se candidatou à Reitoria dessa Universidade. Presidente do Conselho Estadual de Educação (1963) e, durante 17 meses, foi Reitor-interventor da Universidade Nacional de Brasília (1964-1965).
Como prova do reconhecimento dessa intensa presença em instituições de nível superior e estreita ligação com as elites políticas do estado de São Paulo, a ele foram prestadas – por políticos e acadêmicos – diversas homenagens públicas: título de cidadão honorário da cidade de Campinas; ruas em sete cidades do estado de São Paulo e uma rodovia, próxima à Unicamp, levam seu nome. Em 1981, o governador-biônico de São Paulo, Paulo Maluf, denominou “Zeferino Vaz” a cidade universitária da Unicamp. Por sua vez, dirigentes da universidade também homenagearam o ex-Reitor ao designar com seu nome um prêmio concedido anualmente aos docentes que se destacam por sua produção acadêmica; um auditório no Instituto de Economia também evoca a figura maior da Universidade. No plano nacional, foi criado o Grande Prêmio Capes de Tese Zeferino Vaz.
O prestígio alcançado pelo primeiro Reitor da Unicamp, no entanto, não é acompanhado pela elaboração trabalhos acadêmicos sobre a sua contribuição à educação paulista e brasileira (1); igualmente, ainda não foi produzida uma obra de caráter biográfico que examine sua vida pessoal e diferentes atividades exercidas na direção de instituições de ensino superior (2).
Este artigo é motivado pela publicação do Relatório Final da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” (CVMOI), que examinou efeitos da ditadura militar sobre a comunidade acadêmica da Unicamp (3). Embora o Relatório da CVMOI não se configure como um “affaire Zeferino”, não deixa de ser um documento que suscita o debate e a reflexão sobre a personalidade e a obra do primeiro Reitor da Unicamp. A alcunha a ele conferida de Napoleãozinho – pelo seu sentido crítico ou pela forma simpática de designar o intrépido realizador – talvez sintetize a figura controvertida de Zeferino Vaz. A este respeito, pode ser dito ainda que, particularmente entre os docentes da Universidade, tem prevalecido a imagem do notável construtor a quem toda a comunidade universitária deve admiração e reverencial respeito. Na concepção desses docentes, sem a ação empreendedora e lúcida liderança de Vaz, a Unicamp, hoje, não teria atingido o prestígio e o reconhecimento que alcançou nos meios acadêmicos do país e do continente.
Um debate ocorrido em uma sessão do Conselho Universitário da Universidade (5/8/2014) – que decidiu pela manutenção do título Doutor Honoris Causa concedido, em 1973, ao Coronel Jarbas Passarinho – talvez ilustre bem o que os docentes pensam sobre o papel e o significado da obra de Vaz. Nas intervenções que a Ata da reunião registra, fica evidenciado que a Unicamp apenas foi possível graças ao trabalho titânico, férrea determinação e clarividência de Vaz; neste sentido, qualquer reparo às suas ações e iniciativas significaria questionar sua irretocável obra (4).
Como dirigente acadêmico sans peur et sans reproche, Vaz é exaltado como um firme escudeiro da Unicamp durante a ditadura militar. Sob esta perspectiva, é reconhecido que teria sido uma honrosa exceção nos tempos em que a maioria dos reitores brasileiros aceitou passivamente arbítrios perpetrados contra suas comunidades acadêmicas e, pior, colaboraram com o regime de exceção. Neste sentido – argumentam vários docentes (inclusive de esquerda) –, toda a comunidade acadêmica, ontem e hoje, não pode senão prestar permanente e renovada gratidão a Zeferino Vaz.
Longe de desconhecer os inegáveis méritos do construtor de importantes instituições universitárias do estado de São Paulo, entendemos que – para ser rigorosamente elaborada – uma justa e merecida biografia acadêmico-política sobre Zeferino Vaz não pode prescindir de um estudo sobre suas posturas políticas e convicções ideológicas. Nossa hipótese é a de que os posicionamentos políticos e ideológicos – longe de serem marginais ou irrelevantes – são elementos cruciais para entender a ascensão e projeção de Vaz no cenário educacional brasileiro.
II - As afinidades políticas e ideológicas
1. Um livro de autoria da pesquisadora Maria Gabriela Marinho contribui para conhecer os compromissos políticos e ideológicos de Zeferino Vaz. Por meio desta obra, ficamos sabendo que – juntamente com Ernesto de Souza Ramos – Vaz teve um papel central no aprofundamento das relações da Fundação Rockfeller (EUA) com a Universidade de São Paulo. Nas palavras da autora, Ramos e Vaz, no Brasil, foram as “principais figuras difusoras do modelo modernizante de ciência – elitista e conservador – formulado pela filantropia norte-americana” (5).
Mostra o livro, por exemplo, que as vultosas contribuições financeiras e ajuda técnico-científica dessa Fundação (nas décadas de 1950 e 1960) permitiram a criação e consolidação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (6). O bem sucedido projeto educacional e científico da FMRP – modelar nos anos 1960 no quadro das escolas de medicina no Brasil – foi decisivo para projetar o nome de Zeferino Vaz no estado de São Paulo e em todo o país.
A preferência da Fundação Rockfeller por estes dois dirigentes acadêmicos não teria sido gratuita, mas consciente e deliberada; plenamente afinados com a concepção de produção científica propugnada por essa entidade estadunidense e com os valores e ideais dominantes na sociedade norte-americana (a defesa da livre-empresa, o anticomunismo, o pragmatismo etc.), durante a guerra fria, ambos tinham concepções ideológicas conservadoras e vínculos políticos de direita (7).
Em 1945, Zeferino Vaz chegou à Direção da Faculdade de Veterinária pelas mãos do interventor do estado de São Paulo, Fernando Costa; posteriormente, como membro do Partido Social Progressista, fundado e controlado estritamente por seu confrade e amigo, Adhemar de Barros, Vaz seria nomeado em 1963 à chefia da Secretaria da Saúde do governo do estado de São Paulo e, no final desse ano, à Presidência do Conselho Estadual de Educação. Ainda, sob o patrocínio político do golpista de 1964, Vaz – que havia combatido a criação de uma Faculdade de Medicina em Campinas – seria indicado, em setembro de 1965, Presidente da “Comissão Organizadora da Universidade de Campinas”.
Aprovado o Relatório da Comissão, em 19/12/1966, o Conselho Estadual de Educação (CEE) criaria a Universidade Estadual de Campinas. Em 21/12/1966, por ato do governador Laudo Natel – que sucedera Adhemar de Barros, cassado por “corrupção” –, Vaz seria designado Reitor pro-tempore da Unicamp; posteriormente, foi confirmado no cargo por mais duas vezes, embora a legislação que criou a Universidade vedasse a recondução. O apoio que recebia dos militares e políticos do estado de São Paulo convenceram os governadores biônicos de São Paulo (Laudo Natel e Abreu Sodré) a fazer vistas grossas à flagrante irregularidade legal. Por 12 anos, Zeferino Vaz foi Reitor pro-tempore.
A intimidade que mantinha com os governantes do dia recebeu uma aguda observação de Marcelo Damy, renomado físico brasileiro demitido por Vaz da Unicamp: “Um reitor tem que conversar com as autoridades estaduais e federais para receber verbas. Mas ele não precisaria ser janguista no governo Jango nem janista no governo Jânio nem levar o presidente Castelo Branco para o lançamento da pedra fundamental da Unicamp (1980-1984)” (8).
Sem examinar aqui as relações pessoais e ideológicas existentes entre Vaz e políticos dos anos 1940 e 1950 – tarefa que eventuais pesquisadores e biógrafos poderão esclarecer –, é possível mencionar alguns fatos e episódios relevantes, ocorridos em décadas seguintes, que revelam os compromissos políticos e ideológicos de Vaz.
É o próprio dirigente universitário que nos informa a respeito de seus posicionamentos políticos e relações militares no pré-1964. Dias após o golpe, o médico veterinário manifestou sua imensa alegria a um proeminente dirigente da Fundação Rockfeller, Robert Watson, pelo fato de estar vivendo “dias maravilhosos que culminaram com a abertura cirúrgica do infecto abcesso comunista que minava o nosso país por ação direta do Jango Goulart e da camarilha comunista que o rodeava” (9). Em um trecho da carta, sintetizou a histeria anticomunista do período da guerra fria ao se referir a um ex-colega da Faculdade de Medicina: “É um monstro. Ou melhor, é um autêntico comunista” (10). (Ressalte-se que, de forma semelhante a outros golpistas civis – entre eles, Delfim Netto (de quem se dizia amigo) e Carlos Lacerda –, Vaz também denominava os comunistas por meio da expressão “canalhas”.)
Embora tenha magnificado a atuação no golpe de seu líder político, Adhemar de Barros, Vaz revelou lucidez ao afirmar que seria um “erro grosseiro” pensar que o movimento de 31 de março de 1964 tinha tido apenas um caráter militar. Uma prova da participação civil estaria na intensa ação conspiratória dele e de outros colegas da FRP-USP contra a “subversão janguista”. Acreditando na ingenuidade do estimado amigo norte-americano, fantasiou: caso o golpe de Goulart triunfasse, a “canalha comunista” o condenaria, juntamente com os demais democratas, al paredón... Em uma entrevista a pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), esclareceu como se deu a sua “atuação revolucionária”: “Então, eu me engajei na Revolução, me engajei mesmo e me articulei com o então Tenente-Coronel Restel (...) que era o articulador aqui e preparei (na condição de Secretário da Saúde de Adhemar de Barros, CNT) 250 peruas de transporte e depósito de gasolina (...)”(11).
2. Posicionamentos na conjuntura do golpe
Como presidente do CEE, denunciou a “infiltração marxista” nas faculdades do estado de São Paulo. O Estado de S. Paulo, em janeiro de 1964, informava que Zeferino Vaz “chamou a atenção do governador para o fato de que, no programa dos exames vestibulares da Faculdade (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, CNT) haja indicação apenas de autores marxistas como fontes de referência aos pontos de História do Brasil. Esses autores são Caio Prado Júnior e Celso Furtado” (12). (A notícia também acrescentava que, meses antes, o governador Adhemar de Barros havia vetado a contratação de Caio Prado Jr, para ministrar na Faculdade do interior paulista a disciplina de “História das Doutrinas Econômicas e Políticas”.)
Em uma “memória” sobre suas atividades anticomunistas, dirigida a setores militares de suas relações, Vaz se vangloriou pelo fato de ter pedido ao governador Adhemar de Barros que demitisse o prof. Paulo Guimarães Fonseca, diretor da Faculdade de Araraquara, pois estaria comunizando seus estudantes (13). Ainda como presidente do CEE, Vaz foi responsável pela demissão do prof. Fausto Castilho, por divergir das concepções políticas e ideológicas do docente da FFCL de Araraquara (14).
Igualmente, na condição de Presidente do CEE, Vaz indeferiu a contratação de Bernardo Boris Vargaftig, em junho de 1964, para a função de professor do Departamento de Farmacologia da então Universidade de Campinas. O motivo do veto do CEE – justificado, capciosamente, como sendo de “interesse da administração estadual” – teve uma dimensão claramente ideológica, posto que Vargaftig, na condição de estudante da FMUSP, tinha militado, nos anos 1960, em um partido de orientação trotskista (15).
Foram o “curriculum revolucionário” e o prestígio alcançado como fundador e Diretor da FMRP-USP que credenciaram Vaz a ser convidado pelos golpistas de 1964 para o cargo de interventor da UnB (16). Relatos diversos dão conta que, em sua curta passagem (abril de 1964 a agosto de 1965), resistiu ele aos reclamos da ultradireita (civil e militar), que exigia que mais cabeças rolassem na UnB. Durante sua breve gestão, deu declarações contraditórias à imprensa; ora reconhecia a excelência da experiência educacional e científica da UnB – que desejaria aprofundar –, ora desqualificava os docentes de ciências humanas pela “medíocre” formação acadêmica ou por serem meros “agitadores políticos”.
Embora possa contar a seu favor o fato de a UnB, durante sua gestão, não ter sido invadida por forças militares, Vaz foi responsável, nos primeiros dias de sua interventoria, pela cassação de 13 docentes e vários funcionários; em julho de 1965, pressionado por setores da direita, revogou o contrato de um professor de esquerda, Ernani Fiori, e expulsou vários estudantes, acusados de “agitadores profissionais”.
3. Posicionamentos em defesa da ditadura militar
De forma abreviada, outros episódios podem ser lembrados a fim de comprovar a plena identificação de Zeferino Vaz com o regime militar. Alguns destes fatos são relatados em O Mandarim:
a) AI 5: em vários depoimentos elogiou a decretação do ato institucional mais repressivo do período militar; referindo-se à “subversão” do movimento estudantil, Vaz entendia que o AI 5 e a “legislação subsequente” interromperiam “o processo de afirmação de líderes subversivos”. Como se sabe, o Decreto-Lei 477, que punia estudantes, integra a “legislação subsequente” ao AI 5;
b) Elogio do Golpe. Em entidades militares e civis, fazia palestras homenageando a “Revolução de 31 de março de 1964” e deplorava as vítimas da “Intentona Comunista” de 1935;
c) Desqualificação dos críticos à ditadura. Em conferência na Escola Superior de Guerra, fez duras críticas a D. Helder Câmara, o “bispo vermelho” que, no exterior, “denegria a nação brasileira”. Igualmente, condenou asperamente os estudantes da UnB que, em 1977, entregaram a Rosalyn Carter (casada com Jimmy Carter) um documento que denunciava a prática da tortura no Brasil. Para Vaz, o gesto dos estudantes seria de “traição ao ideal da pátria”;
d) Apoio à Arena: na campanha eleitoral de 1974, na condição de Reitor da Unicamp, apoiou abertamente os candidatos da Aliança Renovadora Nacional, o partido político que dava inteiro apoio à ditadura militar; (17).
e) Honraria a um ideólogo do regime militar. A outorga, em 1973, do Prêmio de Doutor Honoris Causa ao coronel Jarbas Passarinho – que mérito algum detinha para receber a honraria – não deixou de simbolizar o apoio irrestrito que o Reitor dava ao governo dos militares. Na sessão quase secreta do Conselho Diretor da Unicamp, que aprovou a imposição do prêmio ao coronel, docentes de posições progressistas se calaram, tal foi o constrangimento existente na reunião (18).
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Tendo em vista que “revolucionários de primeira hora” (intelectuais, políticos, literatos, clérigos, jornalistas etc.) – após denúncias sobre a política de terror da ditadura militar (mortes, desparecimentos e torturas) – deixaram de apoiar o regime, caberá aos biógrafos de Zeferino Vaz nos esclarecer se, em algum momento de sua vida, o fundador de escolas procedeu de forma semelhante a Teotônio Vilela, Severo Gomes, Alceu Amoroso Lima e outros. Acadêmico bem informado e intimorato, teria o fundador da Unicamp – em nome dos valores democráticos, do livre debate cultural e do pensamento crítico – se afastado da ditadura militar?
Afinal, com qual setor da direita brasileira Zeferino Vaz estava mais afinado? Desconhecendo ter feito ele uma pública autocrítica de seu passado golpista, não seríamos levados a concluir que a “direita esclarecida” (não democrática), com a qual o fundador da Unicamp estava comprometido, nunca abriu mão do combate frontal ao pensamento de esquerda, em particular ao comunismo? Aceitando o que dele dizem seus admiradores – um dirigente que cultivava a isenção política e ideológica –, estaríamos, pois, diante de um militante anticomunista fora da universidade, mas que, ao adentrá-la, ensarilhava as armas e rendia-se aos valores da tolerância e pluralismo teórico-ideológico? Durante sua gestão na Unicamp, protegia sua comunidade, não obstante fechasse os olhos aos arbítrios perpetrados, fora do campus, pelo regime que irrestritamente apoiava (19) ?
Notas:
(1) - Duas dissertações de mestrado sobre a criação da Unicamp abordam aspectos da atuação de Zeferino Vaz: Stela Meneghel, Zeferino Vaz e Unicamp. Uma trajetória e um modelo de universidade, FE, Unicamp, 1994 e Eloi da Silva Lima. A criação da UNICAMP: administração e relações de poder numa perspectiva histórica. FE, Unicamp, 1989.
(2) - O livro O Mandarim examina a atuação de Zeferino Vaz na criação e consolidação da Unicamp (1966-1978). O livro abre sugestivas pistas para a elaboração de uma biografia acadêmico-política do educador paulista. Sua deficiência maior reside na sistemática ausência de indicação das fontes documentais sobre as quais o livro se baseia. Eustáquio Gomes, O Mandarim. História da infância da Unicamp. Editora da Unicamp, 2006.
(3) - O Relatório Final pode ser consultado no site da Comissão: http://www.comissaoverdade.unicamp.br/
(4) - A parte da Ata que reproduz o debate no Consu sobre a proposta de revogação do título de Doutor Honoris Causa ao cel. Jarbas Passarinho pode ser lida no Boletim da Adunicamp:
http://adunicamp.org.br/wp-content/uploads/2015/02/BE_Jarbas_Passarinho.pdf
Um dos membros do Consu, prof. Adalberto Bassi, afirmou: “revogar a outorga do título corresponde a repudiar, no seu total, o modo como Zeferino Vaz agia (...) Zeferino Vaz merece tal repúdio?” (negrito meu, CNT). Mais adiante, conclui: “Enxovalhar, imerecidamente, a memória do nosso fundador seria uma grande lástima para a Unicamp”. Nesta perspectiva, a honraria concedida não teria sido uma afronta à comunidade acadêmica posto que, no passado, a Unicamp tirou vantagens da homenagem prestada a uma importante liderança do regime de 1964.
(5) - Maria Gabriela S. M. C. Marinho, Norte-americanos no Brasil. Uma história da Fundação Rockfeller na Universidade de São Paulo, São Paulo, Editora Autores Associados, 2001, p. 4.
(6) - Numa entrevista em 1978, logo após seu afastamento da Reitoria da Unicamp, Zeferino Vaz informou que, a seu convite, o presidente da Fundação Rockfeller, Dean Rusk, esteve em Ribeirão Preto: “passou ali três dias com sua comitiva e nos deu um auxílio de quase um milhão de dólares”. “Entrevista de Zeferino Vaz”, Os 12 anos da Unicamp, Sistema de Arquivos da Unicamp (Siarq).
(7) - No Prefácio ao livro de Marinho, Luís de Castro Santos conclui que Zeferino Vaz “aboliu perigosamente a distinção entre política ideológica e política científica, e acabou por firmar uma associação perversa entre seu conservadorismo político pessoal e de classe, por um lado, e, por outro, uma agência internacional que perdera de vista seus próprios objetivos de atuação filantrópica no campo da ciência”. Para o pesquisador, nos anos 1950/1960, nas fichas de acompanhamento dos bolsistas da Fundação Rockfeller, os eventuais “compromissos ideológicos” dos pesquisadores eram anotados. Nas fichas de alguns deles – entre outros, Gleb Wataghin, Omar Catunda e Samuel Pessoa –, constavam, por exemplo, as pechas de “comunista” e “doutrinador subversivo”.
(8) - Maria Gabriela Marinho op. cit., p. 141. Em 2013, a Reitoria da Unicamp mandou construir um extenso Painel – em homenagem a Zeferino Vaz – que registra a presença no campus, em 5/10/1966, do Senhor Presidente da República General Humberto de Alencar Castelo Branco. Assim, quase 50 anos do golpe, os dirigentes maiores da Universidade manifestam regozijo com a visita de um ditador ao campus da Universidade. Sobre este episódio, ver texto publicado pelo blog Viomundo: http://www.viomundo.com.br/denuncias/caio-toledo-unicamp-vai-manter-homenagem-passarinho-e-castelo-branco.html
(9) - A carta de Zeferino Vaz deveria integrar uma antologia de textos sobre o anticomunismo no Brasil. Ao final, na clássica fórmula que identifica a mentalidade colonizada, o acadêmico agradecia aos “amigos da Fundação Rockefeller que nos têm auxiliado decisivamente e desinteressadamente a alcançar o nosso desenvolvimento cultural”. In. Maria Gabriela Marinho, op. cit, p. 139.
(10) - Na carta mencionada, afirmava que em todo o país haveria uma “limpeza cuidadosa” de todos subversivos; para não deixar a declaração vaga, mencionou os nomes de vários docentes da FMRP-USP – certamente, por ele delatados ao comando da “Revolução” – que deveriam ser expulsos e presos pelos “vitoriosos” de abril de 1964.
(11) - Tjerk Franken e Ricardo Guedes, op. cit.
(12) - O Estado de S. Paulo, 16/1/1964. Verifica-se que a militância anti-esquerdista de Vaz era indiscriminada; Celso Furtado, por ser um economista crítico, entrava na vala comum dos indesejáveis “marxistas”.
(13) - Eustáquio Gomes esclarece que essa “memória” foi escrita como uma tentativa de Vaz de convencer os militares que jamais fora complacente com docentes comunistas; a acusação de conivência com os comunistas foi difundida pelo General José Valverde, seu maior desafeto na Universidade. Nessa ocasião, saindo em defesa de Vaz, Ester Figueiredo Ferraz testemunhou que o Reitor da Unicamp “sempre foi um ativíssimo líder anticomunista e anti-esquerdista”; op. cit. p. 91.
(14) - Em uma extensa entrevista sobre sua trajetória acadêmica, Fausto Castilho oferece uma explicação sobre as razões de sua arbitrária demissão: “em primeiro lugar, porque eu contratei o Caio Prado Júnior, um notório comunista, histórico no Brasil (...); em segundo lugar, pela minha participação, no começo dos anos 50, na campanha em defesa da escola pública”. “Educação e Filosofia”, UFU, jan./jun. 2013.
(15) - O vídeo do depoimento de Boris Vargaftig está postado na página da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni”; de forma resumida, o depoimento se encontra no livro que reproduz o Relatório Final.
(16) - Na entrevista concedida aos pesquisadores da FGV, declarou que recebeu uma convocação de Castelo Branco para ser Reitor-interventor da UnB: “É uma missão, o sr. não se meteu na revolução?” Tjerk Franken e Ricardo Guedes, op. citt
(17) - Notícia de O Estado de S. Paulo de 13/11/1974 informa que Vaz convocou seus correligionários de Limeira para comparecer ao comício de encerramento da campanha do candidato da Arena ao Senado, Carvalho Pinto, em Campinas. A chuva torrencial, contudo, impediu o ato.
(18) - Justificando a outorga da honraria – entregue fora do campus de Capinas –, Zeferino Vaz deixou de ser questionado quando, subestimando a capacidade crítica dos presentes à sessão do Conselho Diretor, afirmou: “Nestes últimos 40 anos (...) Jarbas Passarinho foi a figura mais brilhante de dirigente de educação neste país”. Ata da primeira reunião extraordinária do Conselho Diretor da Unicamp, 30/11/1973, Siarq, Unicamp.
(19) - Docentes e pesquisadores de algumas universidades brasileiras foram cassados pelo AI 5 sem nenhum protesto da Reitoria da Unicamp; caso fosse um docente de sua universidade, Vaz levantaria sua voz?
Caio Navarro é professor aposentado do IFCH, Unicamp; foi membro da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” da Unicamp (2014-2015).
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Prof. Márcio Seligmann, IEL, UNICAMP
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