Correio da Cidadania

Temores exagerados de José Dirceu

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Em artigo no seu blog em 1º de abril, o ex-ministro José Dirceu se mostrou bastante preocupado com o resultado do Encontro Nacional contra as Reformas Neoliberais, ocorrido em 25 de março, num ginásio em São Paulo. O evento, promovido por uma ampla e bem diversificada frente, que inclui a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), Intersindical, pastorais da igreja, entre outras forças, reuniu cerca de 6 mil militantes. Apesar dos exageros retóricos e mesmo do esquerdismo de certas correntes, ele evidenciou a existência de um saudável sentimento de resistência a qualquer medida de regressão nos direitos sociais.

 

No texto, José Dirceu diz ter estranhado dois fatos. “O primeiro deles foi sua agenda. Seus organizadores não propuseram uma pauta positiva, apenas uma plataforma contra as reformas trabalhista, previdenciária, sindical e universitária. Quanto às duas primeiras, lutam contra fantasmas criados em sua própria cabeça. Não há qualquer projeto do governo, público ou reservado, que altere as relações trabalhistas ou direitos previdenciários. Ao contrário: o presidente Lula acabou de vetar, na emenda que cria a Super-Receita, o artigo que proíbe os auditores fiscais de multarem e desfazerem pessoas jurídicas quando entenderem que determinado contrato entre empresas é, na verdade, uma relação trabalhista camuflada”.

 

O “fantasma” das reformas liberais

 

Quanto ao veto à famosa emenda 3, também chamada de “emenda da Globo”, realmente o encontro pisou na bola. Predominou a visão esquerdista dos que elegeram o presidente Lula como o principal inimigo dos trabalhadores na atualidade, sem levar em conta a correlação de forças na sociedade, a ação da direita neoliberal (responsável por este contrabando) e a própria natureza contraditória do seu governo. O melhor seria, até num gesto de maior espírito unitário, que o evento aprovasse a união com as demais centrais em favor do veto do presidente. Mas aí já seria pedir demais ao PSTU e a setores do PSOL. Na sua cegueira sectária, algumas correntes simplesmente estão omissas na luta contra esta emenda da precarização.

 

Já no que se refere aos direitos previdenciários, o próprio José Dirceu entrou em flagrante contradição no seu blog no mesmo dia. Ele mesmo noticiou “a volta do debate sobre a Previdência Social, tanto na fala do presidente Lula e do ministro Luis Marinho, como na constituição do Fórum Nacional que discutirá a situação da seguridade social no Brasil e proporá medidas para sua reforma”. Sempre bem informado, o ex-ministro revela que há propostas para aumentar a idade da aposentadoria e para transformar o atual sistema num regime privado e de capitalização individual, “a exemplo do modelo chileno”. Ou seja, neste caso os participantes do citado encontro “não lutam contra fantasmas criados em sua própria cabeça”.

 

Autonomia e pressão social

 

O segundo fato que despertou temores neste tão influente articulador petista “foi a presença do MST e da Corrente Sindical Classista (setor da CUT ligado ao PCdoB) na reunião, ao lado do Conlutas, do PSOL e do PSTU. Muito preocupante. O que significa esse comparecimento? Esses setores estariam caminhando para romper o bloco democrático-popular forjado nos últimos vinte anos?”. Após reconhecer que é justa e legítima a insatisfação de setores sociais com o ritmo e até com o sentido de certas políticas do governo, José Dirceu traz à tona a sua conhecida dureza. “Confesso que estou surpreso em ver essa histórica sigla associada a correntes que não hesitaram em se colocar ao lado da direita nos ataques ao governo Lula”.

 

As preocupações do ex-ministro são exageradas e focam o alvo errado. Em primeiro lugar, CSC e MST participaram do Encontro Nacional contra as Reformas Neoliberais como observadores, como deixaram explícito no próprio evento. No caso da CSC, ela sempre condenou o voluntarismo esquerdista. Enquanto muitas lideranças petistas fugiram do debate nos piores momentos da crise do governo Lula, os militantes classistas advertiram para o risco do retrocesso e, ao mesmo tempo, defenderam o avanço das mudanças. Tanto a CSC como o MST têm feito grande esforço para preservar a autonomia dos movimentos sociais, para intensificar a pressão popular e para agir com sabedoria política, sem fazer o jogo dos inimigos.

 

Sacudir a roseira e ir às ruas

 

Em segundo lugar, o ex-ministro exagera na defesa do governo e na desqualificação dos que alertam para o perigo de novos ataques contra os direitos dos trabalhadores, inclusive de dentro do Palácio do Planalto. Não dá para botar a mão no fogo deste jeito! Afinal, os primeiros sinais do segundo mandato são muito contraditórios. Ao mesmo tempo em que o governo anuncia o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o todo-poderoso Banco Central reduz o ritmo da queda da taxa de juros, reúne-se às escondidas com os banqueiros, esquarteja a poupança da sociedade e faz questão de posar como único responsável pela política macroeconômica – uma trincheira intocável da ditadura do capital financeiro.

 

Em último lugar, esta importante referência petista, ainda tão afamada como eminência parda de inúmeras lideranças políticas e sociais, poderia usar sua capacidade de argumentação para orientar os seus adeptos a manterem uma postura de maior autonomia, pressão e sabedoria política na disputa dos rumos do segundo governo Lula. Esta orientação serviria para dar maior dinamismo à CUT, que ainda patina em decorrência do forte hegemonismo interno e da ausência de independência. Neste sentido, o Encontro Nacional contra as Reformas, apesar dos os arroubos sectários e esquerdistas de certas correntes, ajuda a balançar a roseira e a mostrar a existência de uma energia potencial capaz de interferir nos destinos políticos do Brasil.

 

 

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

 

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