Correio da Cidadania

O PT, o impeachment e a previdência

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O grave momento por que passa o Brasil e grande parte do mundo, com substancial avanço da direita, aceleramento da rapinagem das riquezas dos países periféricos pelos países ricos e muitos conflitos, deve nos conduzir a reflexões, para se obter clareza das causas da situação, como as esquerdas que não se prostituíram devem atuar e com quem se aliar.

 

Em primeiro lugar, embora sabido, é bom relembrar: há um poder maior, e não apenas os EUA, de abrangência mundial, que manipula diversos governos, inclusive no Brasil, através de instituições multilaterais como FMI, Banco Mundial, BIS (o banco central dos bancos centrais), OTAN, Comitê dos 300, Grupo Bilderberg, Tratados e Organizações regionais, os grandes órgãos de mídia e muitos outros aparelhos. E a corrupção. Mudam as convicções e atuação de vários partidos e personalidades de esquerda e submetem governos.

 

Almejo fazer algumas observações sobre as esquerdas no Brasil, a iniciar pelo Partido dos Trabalhadores (PT), por ser o maior e dominar grande parte de organizações sociais, governos municipais e estaduais. Apesar de encontrar-se em situação muito difícil, agravada com o afastamento da presidente Dilma.

 

Esse partido nasceu com a compilação de diversas doutrinas e ideologias. As principais, a Igreja Católica e as variações marxistas do leninismo, trotskismo e gramscismo, moldaram o estatuto e o Manifesto de fundação do partido, claramente revolucionários. E outros grupos de menor expressão como socialdemocratas, maoístas, nacionalistas, anarquistas, morenistas, foquistas etc também fizeram parte.

 

As diferenças são claras: a doutrina social da Igreja Católica (encíclicas etc.) não é revolucionária, mas, em muitas fases, positivamente reformista e progressista.

 

O leninismo visa à tomada do Estado, implantar o socialismo e mudar a sociedade.

 

O gramscismo busca, num sistema de alianças, educar o proletariado, torná-lo uma força política e realizar a revolução.

 

O trotskismo prega todo o poder às organizações de base e a revolução permanente.

 

Grupos da luta armada contra a ditadura e sindicalistas participaram da fundação do Partido.

 

Portanto, uma diversidade muito grande, com permanentes embates e disputas internas. Mas era um partido radical em defesa de seus princípios, em um país com tradição de conciliação e conchavos de cúpulas. Ganhou o apoio dos movimentos sociais.

 

Porém, como ensinou Marx, vou à análise concreta da situação concreta. O PT não votou em Tancredo Neves em 1985; não votou a favor da Constituição de 1988 e recusou-se a assiná-la; rejeitou o apoio do PMDB no segundo turno das eleições de 1989 e de outros “partidos burgueses”.

 

Não seguiu a lição das CEBs, nem de Lênin, Trotsky ou Gramsci. Uma confusão. Porém, coerente em um radicalismo que conquistou várias camadas da sociedade.

 

O transformismo

 

Todavia, na década de 1990 já iniciava mudanças expressivas. O Congresso de 1991 sinalizava a mudança. Expulsou a Convergência Socialista (hoje PSTU) e seguiram-se outras. A CUT, em 1992, filiou-se à CIOLS (Central Internacional das Organizações Sindicais Livres), braço sindical da CIA. Após a fusão com a central democrata cristã, a CIOLS passou a denominar-se Central Sindical Internacional e é presidida, em Bruxelas, pelo ex-presidente da CUT, Antônio Felício. Segue o sindicalismo norte-americano.

 

Em 1995, narra o mestre Milton Temer, a Comissão de Ética do PT, formada por Paul Singer, Hélio Bicudo e José Eduardo Cardozo, para apreciar graves denúncias de desvio de dinheiros das prefeituras pelo grupo de Lula, condenou os denunciantes e não os denunciados.

 

Mas, só a partir de 2002 tornaram-se claras as transformações. A Carta ao Povo Brasileiro explicitou a submissão ao grande capital, comprometendo-se com garantias ao mercado, isto é, adesão ao neoliberalismo. Aí começou o lulismo, que impôs ao partido alianças espúrias, conciliou com partidos e políticos reacionários e corruptos e sucumbiu à corrupção. Para compensar, o governo Lula implantou políticas de mitigação da pobreza, a fim de reduzir as desigualdades sociais, no que foi exitoso.

 

Em novembro de 2002, Lula já eleito, mas ainda não empossado, participa de reunião, em Washington, com George Bush, filho, e, ao sair, dirige-se a um hotel e anuncia a entrega do Banco Central ao banqueiro internacional Henrique Meirelles, que acabara de eleger-se deputado federal pelo PSDB. Obediência ao Grupo Bilderberg de que Bush é expoente.

 

Voltando ao Brasil, passa um final de semana na fazenda, em Araxá, da família Moreira Salles, testa de ferro da multinacional Molycorps, que explora nióbio naquela cidade. Aprofundou-se a rapinagem do estratégico mineral, a maioria de graça, inclusive em Catalão (GO) e no Pará, que permanece até hoje.

 

Em 2004, assina o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, que Geisel denunciara em 1974. Em 2009, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, autorizado por Lula, assina novo Acordo Militar, com o mesmo país.

 

A partir de 2005, devido ao escândalo do mensalão, perdeu o apoio da classe média, mas ganhou a adesão de camadas da população de baixíssima renda. Já possuía capilaridade devido ao aparelhamento dos sindicatos e outros movimentos sociais, das prefeituras e estados que governava, e cresceu mais.

 

Criou uma burocracia sindical e estudantil, chapa branca. Beneficiou-se de uma conjuntura econômica mundial favorável e passou a ser o partido dos pobres, que votam maciçamente no PT. Transferiu renda da classe média, sem taxar as grandes fortunas, as heranças e não fez a Reforma Tributária. Privilegiou a financeirização da economia. “Nunca, nesse país, os banqueiros ganharam tanto dinheiro”.

 

Recebeu doações multimilionárias, das empreiteiras, dos banqueiros e do agronegócio, institucionalizando a corrupção. Favoreceu os grupos econômicos e promoveu inclusão social através do consumo e da massificação do crédito. O mercado era hegemônico no governo e ocupava os principais postos na máquina. Por isso, Obama chamou-o de “o cara”.

 

Essa política continuou no governo Dilma, que até entregou o Ministério da Fazenda a um diretor do Bradesco e habituée da Casa das Garças, Joaquim Levy, apesar de Lula preferir o banqueirão internacional Henrique Meirelles. A vontade de Lula foi atendida pelo presidente interino. Coincidência?

 

Além do banqueiro, Dilma colocou no ministério a representante das multinacionais do agronegócio Kátia Abreu, o representante do grande capital industrial Armando Monteiro, presidente da CNI, e continuou a promiscuidade com Collor, Sarney, Jader, Renan, até Eduardo Cunha e vários partidos fisiológicos. Aumentou os juros e inchou a dívida pública. Beneficiou a quem?

 

Segundo o MST, foi o governo que menos fez assentamentos, mas permitiu a expansão das fronteiras das terras da Bayer, da Monsanto, da Syngenta, Ajinomoto, Nestlé, Cargil etc. Permitiu a disseminação de transgênicos.

 

Sem contar o golpe das promessas na campanha eleitoral e a realidade uma semana após empossada.

 

Os governos do PT não acrescentaram nenhuma conquista, nenhum novo direito para os trabalhadores. Ao contrário, Lula fez a reforma previdenciária no serviço público federal, nos moldes da que FHC fizera para os do INSS, e acrescentou perdas para as pensionistas.

 

Não considerou várias lições históricas, no caso, a de que quem faz acordo ou conchavo com a burguesia, INVARIAVELMENTE, após usado, é descartado.

 

Ressalvadas as costumeiras exceções, principais quadros dirigentes mostraram-se não apenas imorais, mas amorais, quando buscam justificar o recebimento de propina como “corrupção altruísta”, para atender as camadas pobres da população. Na verdade, são Robin Hood ao contrário, transferindo fábulas de dinheiros da classe média para o mercado. Um mercado nacional formado por cerca de 5 mil magnatas.

 

Tudo isso desgastou profundamente o partido, que passou a ser repudiado pela sociedade, e propiciou grande crescimento da direita que, capitaneada pela Rede Globo, terminou prescindindo dos desmoralizados cooptados e colocou no governo seus próprios quadros.

 

Por tudo isso e muito mais, as esquerdas, os partidos e os movimentos que não se corromperam devem se unir e aproximarem-se da grande massa, que sabe ter sido enganada, para combater as medidas reacionárias do governo provisório. Porém, sem a ilusão de que podem contar com aliança com os partidos “de esquerda” que se promiscuíram, a exemplo de PT, PDT e PCdoB. E muita cautela com os pelegos das centrais sindicais que abandonam a luta a qualquer momento, passando para o outro lado.

 

Por isso, devemos iniciar imediatamente a luta contra a reforma da previdência, a volta do ministério específico e a participação de empregados, empregadores e aposentados na gestão dos organismos previdenciários. Luta em defesa da previdência social, sem penduricalhos, que atraia ativos e aposentados, admitindo-se apenas temas trabalhistas e com entidades sérias como a ANFIP (Associação Nacional do Auditores Fiscais da Receita Federal), sindicatos dos auditores fiscais da Previdência Social, as de esquerda que não se corromperam e as várias entidades de aposentados.

 

É a minha opinião.

 

 

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Ronald Barata é bacharel em direito, aposentado, ex-bancário, ex-comerciário e ex-funcionário público. Também foi militante estudantil e hoje atua no Movimento de Resistência Leonel Brizola. Autor do livro O falso déficit da previdência.

 

 

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