A Crise
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- Ronald Santos Barata
- 24/06/2016
Grandes mobilizações têm ocorrido, em diversos países, desde o final do século passado. Sempre com pautas reivindicatórias definidas. Em 1999, houve a Batalha de Seattle (EUA) onde transcorria a reunião da OMC – Organização Mundial do Comércio. Milhares de manifestantes protestavam contra as políticas neoliberais, a má distribuição da renda, a degradação do meio ambiente e contra o capitalismo global. A palavra de ordem era: “parem de explorar os trabalhadores!”.
Ano seguinte, 2000, na cidade de Davos (Suíça), manifestantes bloquearam a reunião do Fórum Econômico Mundial, acenderam fogueiras nas ruas, destruíram lojas da rede McDonald’s. Outras manifestações houve na Europa, Ásia e norte da África. Em 2010, em Toronto, Canadá, contra a reunião do G20, manifestantes destruíram lojas e carros da polícia. Exigiam a retirada dos EUA do Afeganistão e cuidados para as crianças do mundo.
No mesmo ano, na Inglaterra, atacaram os carros da comitiva do Príncipe Charles, em protesto contra a globalização. Em 2011, manifestações contra o capitalismo ocuparam um parque em Wall Street, centro financeiro de Nova York, contra o Poder Econômico e exigindo igualdade social. Espalhou-se por todo o bairro e inspirou movimentos iguais em outras cidades dos EUA.
Na França, estamos assistindo, em pleno ano 2016, a grande revolta contra a retirada de direitos sociais e trabalhistas. Todavia, é de se frisar o avanço que a direita vem obtendo nos anos 2015/16, inclusive na América do Sul, graças à sistemática atuação da CIA e das grandes mídias.
No Brasil, o governo petista afirmava não seria atingido pela crise global. Mas ela chegou e pegou o Estado despreparado. A economia enfraquecida e desnacionalizada; estruturas sociais débeis; os grandes grupos econômicos, principalmente os financeiros, controlando o mercado e influenciando decisivamente os governos e, egoisticamente, privilegiando seus interesses à custa do empobrecimento do povo.
A classe política degenerou-se; os partidos, débeis e oportunistas, sem condições de defender os interesses populares; os movimentos sindical e estudantil cuidando apenas do bem estar dos respectivos dirigentes.
A forma surpreendente e espontânea da eclosão dos protestos de 2013, sem a participação dos movimentos organizados, surpreendeu aos que não enxergavam a insatisfação latente e não acompanhavam as transformações na sociedade nos últimos anos. As elites ainda não perceberam que essa esplendorosa geração iniciou uma longa luta pela superação das mazelas da nossa sociedade que, apesar de insatisfeita, está sufocada pelos grupos econômicos que dominam as instituições, pela grande mídia e valorizam exclusivamente o lucro, mesmo à custa das vidas dos menos favorecidos.
Os manifestantes, inicialmente com a predominância de classe média, demonstraram a nobreza que falta às elites, levantando as reivindicações principais das camadas mais carentes: saúde pública, educação, moradia, transporte público digno. E não descuidam de gritar contra a erva daninha da corrupção, os conchavos de governantes corruptos com empresários corruptores, a degradação dos serviços públicos, os gastos exorbitantes e a roubalheira na construção de estádios de futebol.
Devemos nos solidarizar com esses jovens, colaborar, seja ajudando na mobilização, seja denunciando as verdadeiras causas do nosso atraso econômico e social, e apresentar propostas.
Houve, em 2014, um refluxo nas mobilizações, principalmente após a repressão à vigorosa campanha dos professores da rede pública. Mas, sem dúvida, já provocaram mudanças em todos os níveis da administração pública e os políticos e dirigentes de organizações sociais já devem estar mais cautelosos em suas práticas oportunistas. A prisão de políticos e empresários poderosos é uma feliz novidade que incentiva a juventude.
Certamente, em curto prazo, essas manifestações retornarão, pois as causas das desigualdades sociais e econômicas permanecem intactas, e os governantes não mostram disposição para combatê-las. Não há manifestações, quiçá fugazes, de apoio a um governante deposto, ou ao golpista, afinal, farinha do mesmo saco, vinho da mesma pipa.
Dessa forma, lembro algumas das principais causas do nosso atraso econômico e social, a espoliação que secularmente sofremos:
a) a Dívida Pública manipulada e que nos impõe uma sangria, a exemplo do ano 2012, quando pagamos pelo serviço dessa dívida R$ 750 bilhões, equivalentes a 44% do orçamento, enquanto para a saúde foram apenas 4,17%, para a educação 3,34% e para a habitação e 0,01%. Nos últimos vinte e cinco anos, pagamos DEZ TRILHÕES DE REAIS de juros e amortizações. Em 2015, esvaíram-se MAIS DE R$ DOIS BILHÕES, diários, no pagamento dos juros e serviço da dívida.
b) A desnacionalização da economia, com a compra em grande quantidade de empresas nacionais por grupos estrangeiros, que impõem os preços dos bens e remetem os lucros, dividendos, royalties etc. para suas sedes no exterior;
c) As exportações são majoritariamente de produtos primários, as denominadas commodities, cujos preços são fixados nos mercados internacionais, inclusive do estratégico nióbio, e vendidas subfaturadas, enquanto as importações são superfaturadas. E ainda são premiadas com isenção de impostos e de contribuições sociais;
d) As montadoras estrangeiras de veículos são beneficiadas com centenas de bilhões de reais em isenções de impostos que deveriam ser direcionados para construção de metrôs, hidrovias, ferrovias, navegação de cabotagem e, principalmente, moradias e saneamento. E entopem as ruas de veículos;
e) Ocorreram graves prejuízos produzidos nos leilões de petróleo. São bilhões de dólares entregues a petroleiras estrangeiras. E as mazelas, os escândalos, a dilapidação da Petrobras;
f) As privatizações de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, financiadas pelos bancos públicos. O BNDES recebeu, nos últimos anos, mais de R$ 500 bilhões do governo federal, captados no mercado a juros de 17%, 9,5%, 12%, e emprestava cobrando juros de 5,5% a 6% que as grandes empresas destinaram à aquisição de outras empresas, no Brasil e no exterior, não gerando nenhum emprego.
A revolta contra os políticos que sugam milhões de reais, que a mídia expõe, é muito justa e devemos cobrar punições e a devolução dos valores roubados. Entretanto, a mídia esconde os corruptos ligados às grandes empresas estrangeiras, embora já seja grande avanço na punição dos magnatas nacionais.
Outras mazelas há, mas só são possíveis graças à promiscuidade de governantes e partidos políticos com empresários e multinacionais. Os direitos dos trabalhadores são esquecidos pelas centrais sindicais e pela maioria dos sindicatos. Haja vista as terceirizações, acordos trabalhistas fajutados, descaso com a Previdência Social, a permanência do Fator Previdenciário e outros ataques que esbulham os trabalhadores.
É urgentíssimo que os pequenos partidos e grupos de esquerda que não se promiscuíram se entendam, apresentem um projeto para o país e passem a dirigir as lutas pela nossa emancipação, sem se iludirem com a “ex-querda” que participou dos últimos governos.
Ronald Santos Barata é bacharel em direito, aposentado, ex-bancário, ex-comerciário e ex-funcionário público. Também foi militante estudantil e hoje atua no Movimento de Resistência Leonel Brizola. Autor do livro o falso déficit da previdência.