Correio da Cidadania

Crônica de um país alheio: o apassivamento cobrou seu preço

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A política não contempla condolências. Contudo, a ressaca das cinzas do dia 29 de agosto, quando ocorreu mais um debate sobre o impedimento da presidente - com a presença da mesma -, chama atenção para que possamos refletir sobre algumas questões.

 

A primeira cena desse embate é marcada por uma questão à margem do processo, trata-se da profunda apatia daqueles que serão, pelo aceno do pacto do abismo temerista, os mais prejudicados. Essa situação estampa uma ressonância muito grave para os trabalhadores.

 

Desde o começo dessa segunda etapa do impedimento, no dia 25, se notava como a população em geral não demonstrava nenhum interesse em se localizar nos acontecimentos em curso. Corria o dia “naturalmente” nos lugares públicos, nos pontos de transporte coletivos, nas saídas das escolas e do trabalho. Pouco caso era dado ao fenômeno político nas repartições públicas (onde o ataque aos trabalhadores públicos está sendo violentamente aplicado), ao tempo em que a juventude passava pelas cinzas da surda luta política sem ver o dia seguinte.

 

A presença corajosa da presidente afastada e a incapacidade intelectual do lumpesinato da política no senado avançavam numa peça de debate que a mídia entreguista entendia que, para o sucesso do seu balcão de negócios, não deveria ser visto por milhões de brasileiros.

 

No entanto, a votação do afastamento da presidente, na Câmara dos Deputados, foi vista por todo o país, mesmo se tratando de um filme de parca qualidade para o exercício da política em virtude dos papéis desempenhados pelo obscurantismo religioso, pela truculência dos jagunços, pela ignorância daqueles que militam na pequena política e pelo papel de marionetes das frações burguesas que esses congressistas desempenham.

 

A segunda cena deveria apresentar um roteiro que o discurso da presidente afastada não contemplou: o seu governo e, no geral, o governo burgo-petista, cometeu erros pela opção política que fez? Na peça de debate apresentada pela senhora Dilma Rousseff, não!

 

A terceira cena gira em torno de uma tentativa petista, protagonizada por Lula, de reverter votos nos corredores e coxias do Senado, contra-atacado de imediato pelo usurpador Temer que encabeça o governo ilegítimo. Percebe-se que são lances pouco sérios de um filme que teve a duração de 13 anos e agora deve se concluir, e cuja superprodução foi paga com recursos da retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, além de cortes no orçamento para resolver demandas de grande amplitude social.

 

A quarta cena é uma indagação tática da maior relevância para o processo: por que o PT e a CUT não reagiram ao processo de destruição do seu projeto e às manobras institucionais, com amplas manifestações de rua, paralisações e uma greve geral? Para quem ameaçou pegar em armas, essas seriam ações menos problemáticas e, talvez, de efetiva repercussão política entre os agentes da institucionalidade burguesa. Afinal, uma ofensiva política dessa natureza teria importante impacto na mudança da relação de força.

 

A quinta cena, aquela que não é crônica, mas aguda, está em construção nas ruas, nas fábricas, nas escolas, no campo e nas periferias. Ela ainda é embrionária, mas já se nota seus brados. A unidade de ação daqueles que, nessa quadra política, gritam o “Fora Temer” é um passo importante para a construção de um bloco de lutas a partir dos interesses dos trabalhadores e da democracia, como espaço necessário para a dinâmica da luta de classes. Esse espaço das liberdades democráticas deve ser utilizado para abrir os corredores da história, por onde poderão trilhar as lutas da nossa classe.

 

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Milton Pinheiro é cientista político e professor da área de história política da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

 

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