A presunção de inocência nos dias atuais
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- Claudionor Mendonça dos Santos
- 25/10/2016
O sistema processual brasileiro, com algumas restrições, estabeleceu o acusatório como paradigma, fixando-se nos seguintes moldes: distinção entre as atividades de acusar e julgar, iniciativa probatória das partes, juiz imparcial, tratamento isonômico das partes, com igualdade de oportunidade no processo, plena publicidade, contraditório e possibilidade de resistência, ausência de tarifa probatória, com decisão motivada, dentre outros.
O processo penal brasileiro, nos últimos tempos, vem sofrendo sérios gravames, em nome de um suposto combate à corrupção. Entretanto, é fundamental que se assegure às normas processuais penais maior seriedade. Desvios de percurso são perigosos, num Estado de Direito Democrático ainda não consolidado.
A Constituição Federal de 1988, é bom lembrar, estabelece no inc. LVII, artigo 5º, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, regra constitucional que mais vem sofrendo violação e, lamentavelmente, por instâncias superiores mancomunadas pela mídia que transforma o processo penal em espetáculo sinistro, impondo sanção de forma que, mesmo absolvido, sua honorabilidade jamais será restaurada, ferindo-se outra regra constitucional que impõe respeito à honorabilidade e intimidade das pessoas.
Assim, a regra é que o acusado responda ao processo em liberdade, recebendo o tratamento de inocente, pois a prisão processual se constitui em exceção, fundamentando-se em hipóteses legais restritas e devidamente comprovadas. Relembre-se, nesse ínterim, que a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já previa, no artigo 9º, que “todo homem é considerado inocente, até o momento em que, reconhecido como culpado, se julgar indispensável a sua prisão; todo o rigor desnecessário empregado pra efetuá-la deve ser severamente reprimido”.
É fundamental que o processo penal se converta num meio eficaz para o combate à corrupção e a toda e qualquer criminalidade. Entretanto, na proteção efetiva dos bens jurídicos, na concretização das medidas cautelares restritivas do direito de liberdade, é mister que se resguardem outros direitos. Enquanto juiz criminal, lidando com o direito fundamental de liberdade, dentre outros direitos fundamentais, deverá atentar para a adequação e a necessidade da medida cautelar.
Na atualidade, faz-se letra morta o preceito da presunção de inocência, verificando-se de forma absurda a decretação da prisão como forma de forçar confissões e delações, a fim de criar um clima de terror, situações intoleráveis num autêntico Estado Democrático de Direito, caracterizando-se, como observado por Carrara, uma “tortura mascarada”.
Da mesma forma, o entendimento de que condenações, em instância superior, determinam a imediata prisão cautelar, fere de morte o preceito constitucional da presunção de inocência, criando, ao arrepio da Constituição, outra forma de custódia cautelar.
O perigo se acentua quando se percebe certa seletividade no processamento de segmentos jamais incomodados pela Justiça Criminal, além da condenável e visível partidarização do Judiciário, ao lado de setores da mídia de ética duvidosa.
Fundamental, portanto, que se rememore que o processo penal. Antes de meio para condenação daquele definitivamente culpado, é única forma de se resguardar a liberdade do inocente.
Claudionor Mendonça dos Santos é Promotor de Justiça e membro do Ministério Público Democrático.