Correio da Cidadania

Devemos aprender a navegar no caos: recentes batalhas e as fissuras no bloco inimigo

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Um Golpe de Estado não é um processo linear cujas manobras estão previamente combinadas por todas as forças que desferem-no. Sua melhor imagem seria uma espiral de movimentações, contínuas, mas disformes, ora avançando, ora retrocedendo – na medida em que o campo popular se fortalece em resistência.

A unidade que constitui a espinha dorsal do Golpe é bastante sólida, mas não indobrável, tampouco inquebrantável. Ela expressa um conjunto de forças sociais oriundo dos estratos mais reacionários e, por isso, alheios a qualquer projeto nacional que conseguiu mobilizar como base social passageira parte de nossa gente brasileira comum, economicamente prejudicada, simplesmente iludida ou cinicamente entusiasmada com a narrativa do combate à corrupção.

 

Essas forças sociais, operadoras do Golpe, expressam as classes econômicas mais reacionárias: banqueiros/agentes do sistema financeiro e seus aliados, os “industriais sem indústria” (que dão a direção política da FIESP), os latifundiários eufemisticamente chamados de “empresários do agronegócio” e a chamada burguesia compradora, sendo essa última a ponta de lança do imperialismo.



O mapa das representações partidárias dessas forças políticas consiste basicamente no PSDB. Diante do desgaste do bloco petista, o PMDB – a outra sigla majoritária que agrupa parte dessas forças – assume a linha de sua ala mais direitista, justamente a com menor expressão eleitoral e facilmente dirigida pelos tucanos. Lembremos, entretanto, que a liderança de Temer, além de frágil, está longe de ser consensual: o célebre áudio do senador Jucá não esconde a indisposição de Renan Calheiros em aceitar o nome de Temer como capitão do impeachment.



A foto, capa recente da Folha, e que mostra Temer cercado sob pressão tucana, expressa que o veículo paulista encorpa, mesmo ainda timidamente, a campanha, já assimilada por uma ala do PSDB, do Fora Temer; mas não é só isso: dos presidenciáveis tucanos, apenas Aécio aparece. Recado mais claro impossível; enquanto Serra dá voltas pelo mundo, o preservado Alckmin se fortalece em retirada de cena nesse período conturbado, e Aécio é queimado.

***

Para além do jogo eleitoral, precisamos entender também quem possui mais recursos políticos para ocupar o vácuo de poder. Esqueçamos a divisão fictícia do poder entre legislativo, judiciário e executivo, que se expressa nas divulgadas tensões entre algumas figuras públicas. Trata-se de um suposto antagonismo, que na verdade não passa de uma disputa aparente. Pensemos na realidade: o poder de fato e suas dimensões bélicas, econômicas e ideológicas.



Dois fatos novos importam: Moro vai passar um período nos Estados Unidos, anunciando uma retirada de cena logo após a discussão sobre seu abuso de autoridade como juiz ter ganhado corpo. Isso reflete um fortalecimento da classe política em torno da autopreservação. Parte da direita, o “Vem pra Rua”, logo responde convocando manifestações para promover um novo desgaste.



Do outro lado, em São Paulo, no último domingo de novembro, a esquerda demonstrou força, dessa vez sem a mesma repressão da polícia de Alckmin. Diferente é a situação do Rio, onde frações do corpo da segurança pública ensaiam uma difícil unidade com outras camadas do funcionalismo. Ambos golpeiam junto o governo Pezão, na corda bamba do máximo desgaste.



Em Brasília, a tática de barrar a PEC 55 se demonstrou equivocada: como o Fora Temer, ele emprega parte das poucas energias do sindicalismo organizado e endividado em disputas institucionais cujo vencedor já está anunciado. E afirmamos tratar-se de um equívoco porque a luta de classes marcha aceleradamente no sentido de assumir outro patamar. Em frente à Câmara dos Deputados do RJ, pudemos presenciar três falas seguidas de lideranças “policiais”, a sugerir a definitiva queda da Bastilha carioca.

 

A direita já reivindica abertamente a Revolução Francesa – não por razões ideológicas, mas financeiras, afinal, está sem receber. E a esquerda? Refém recente da letargia do derrotismo, conseguiria ser mais incisiva e mudar drasticamente a estratégia derrotada das disputas institucionais oficiais? Quando as institucionalidades da nova ordem em gestação não nos são acessíveis, devemos aprender a navegar no caos.

 

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Guilherme Basto Lima é Analista de Política Internacional e Diretor do Centro de Estudos Aplicados ao Desenvolvimento Brasileiro (CEDEBRAS).

Twitter @gbastolima

 

 

 

 

 

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