“Não existe segurança pública no Brasil”
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- Raphael Sanz, da Redação
- 24/01/2017
Os recentes massacres em presídios no Norte e Nordeste do país decorrentes de disputas entre facções, além de massiva fuga registrada nesta terça, 24, no interior de SP, tomaram conta do noticiário. O ingrediente novo que se apresenta é uma guerra comercial entre as facções que buscam controlar a venda e distribuição de drogas na fronteiras do país, em claro processo de internacionalização dos negócios. Paralelo a isto, foi registrado aumento na violência a partir do agravamento do número de homicídios por ano no país, incluindo a letalidade policial. Para analisar o quadro, entrevistamos o experiente jornalista Josmar Jozino, há 20 anos cobrindo a área.
“Em São Paulo, não existem brigas de facções porque há um monopólio total de uma facção. Nos outros estados essa guerra é notória, do dia a dia. Dentro das cadeias em São Paulo também existe o controle absoluto de só uma facção, que domina 95% dos presídios. Como essa facção se expandiu para outros estados e agora está tentando controlar o tráfico de drogas em regiões de fronteira, encontra a resistência das outras. É daí que estão ocorrendo essas brigas todas”, diagnosticou Jozino.
O jornalista, que já passou por veículos tradicionais e atualmente escreve na Ponte Jornalismo, deixa claro que a omissão do estado e a situação de falência do sistema prisional e das políticas de segurança pública como um todo no Brasil são os principais culpados pela péssima conjuntura. A dúvida que fica é se esta falência generalizada é estrutural e sistêmica, ou um grave desvio operacional. Ele não arrisca uma resposta direta, mas analisa o discurso da chamada bancada da bala e aponta que tais ápices de violência podem ser facilmente capitalizados e transformados em resultados eleitorais por estes setores da velha política brasileira. Para além disso, acredita na possibilidade de as investigações da Lava Jato conectarem o crime organizado com políticos e campanhas eleitorais e aponta que o ideal seria que os desdobramentos da operação pudessem gerar interesse político em resolver a eterna crise de segurança pública. Pena, a seu ver, que tudo pareça utopia.
“A Lava Jato colocou na prisão empresários e políticos que roubaram e desviaram bilhões dos cofres públicos. É um outro crime organizado, até mesmo mais perigoso do que esse que frequenta as cadeias de Manaus. A mensagem que fica é que se o país tiver vontade pode também ir consertando esse caos na segurança pública, além de reforçar o policiamento de fronteira para evitar a entrada de drogas e armas e parar com a política de encarceramento em massa, que deixa as prisões superlotadas. Deve também investir em educação, obviamente. Mas o que vemos é o oposto”, disse o autor do livro Cobras e Lagartos, que conta as origens da formação do PCC.
Leia abaixo a entrevista completa com Josmar Jozino.
Correio da Cidadania: Como analisa os recentes massacres em prisões do norte do país, especialmente o que houve no complexo penitenciário Anísio Jobim em Manaus que deixou 56 detentos mortos e Alcaçuz, Natal, com outras dezenas?
Josmar Jozino: Na minha avaliação, é tudo fruto do descaso e da incompetência dos governos estaduais e federal, ao manter em uma mesma prisão pessoas de diferentes facções. Já havia alertas da Polícia Federal e do próprio Conselho Nacional de Justiça sobre a permanência desses dois grupos rivais no mesmo estabelecimento prisional e nenhuma providência foi tomada. O resultado foi mais uma barbárie.
Correio da Cidadania: E o que dizer dos desdobramentos, com outro massacre em prisão de Roraima e a continuidade da violência em Manaus?
Josmar Jozino: Depois disso, os ministros da Justiça e da Defesa se reuniram com a força tarefa e depois de muitas reuniões, e muito oba-oba, houve outro massacre: de 33 presos em outro presídio da mesma região. É vergonhoso. Mostra a incompetência total do Estado em relação ao sistema carcerário, falido há décadas no Brasil. Resultado de uma política carcerária que é um fracasso.
Correio da Cidadania: O que pensa das declarações do Governo Federal, ministros, governador e secretários distintos, sobre a forma como pretendem resolver o conflito?
Josmar Jozino: Mudam apenas os nomes dos governantes e das pessoas que dão entrevistas e declarações. Lembra do caso de Pedrinhas, no Maranhão? Na ocasião, houve um massacre com 18 mortos, em 2010. Fizeram reuniões, força tarefa, deram declarações à imprensa dizendo que iriam tomar providências, mas não foi feito nada.
O sistema prisional está falido. Esse ministro que é candidato a governador de São Paulo até viaja para ver de perto a situação, outros nem vão. Talvez ele tenha viajado por interesse político, não sei dizer, mas ele esteve presente nos lugares.
O problema é que tenho certeza que daqui a dois meses, quando essa crise cair no esquecimento, tudo volta à normalidade. Ou seja, a situação de falência do sistema carcerário. O que vemos são promessas sem qualquer providência. Resolver o problema talvez não dê voto, nem notoriedade; e a própria sociedade não se interessa pelo preso. Quer mais que o preso morra mesmo, que se matem um ao outro e, no fim das contas, esquece que a não ressocialização dos presos resulta em mais violência aqui fora, para nós.
Correio da Cidadania: Ainda sobre o ministro, o que pensa de suas “performances” cortando pés de maconha no Paraguai logo após a morte de um importante traficante e sua declaração de que irá “erradicá-la” do continente sul-americano?
Josmar Jozino: É um pouco leviano eu fazer um comentário sobre a atuação do ministro, mas me cheira um pouco de demagogia. Parece até campanha. No Brasil estamos muito desacreditados, mas olhando de fora parece mais uma campanha eleitoral para o governo de São Paulo.
Correio da Cidadania: É possível fazer um paralelo entre a sequência de massacres em presídios que temos presenciado (bem como eventos recentes no Rio de Janeiro envolvendo disputas de facções poucos meses atrás, chacinas em SP, letalidade policial em todo o país etc.) com a ascensão de Moraes ao cargo?
Josmar Jozino: O aumento de chacinas em São Paulo é fruto da guerra entre o crime organizado e uma polícia que ao invés de prevenir o crime, apenas reprime. Sai matando por aí com seus grupos de extermínio, pois existem vários grupos de extermínios dentro da polícia militar ainda hoje. Essa guerra propriamente dita vem desde 2006, quando o PCC fez os primeiros ataques. Se repetiu em 2012 de maneira mais velada. Há baixas dos dois lados.
Em São Paulo não existem brigas de facções porque há um monopólio total de uma facção. Nos outros estados essa guerra é notória, do dia a dia. Dentro das cadeias em São Paulo também existe o controle absoluto de só uma facção, que domina 95% dos presídios. Como essa facção se expandiu para outros estados e agora está tentando controlar o tráfico de drogas em regiões de fronteira, encontra a resistência das outras facções – que já existem em tais regiões.
Essa briga envolve muito dinheiro e por trás de tudo são registrados vários homicídios. Em Manaus, por exemplo, antes desse grande massacre, houve um outro em que morreram 38 pessoas. Já houve também muitas mortes nas ruas decorrentes de brigas de facções. As disputas são pelo controle do tráfico, pela comercialização e distribuição da droga, dentro do território brasileiro e especialmente nas fronteiras. Isso resulta no aumento do número de homicídios. Em São Paulo é diferente porque uma facção é muito forte, mas no resto do país é mais ou menos assim que as coisas ocorrem.
Correio da Cidadania: Você afirmou, em artigo publicado na Ponte Jornalismo, que este conflito surgido a partir da rivalidade entre facções – e que ganhou notoriedade com o massacre de Manaus – pode tomar as ruas do país. Que consequências pode trazer e que dimensões pode tomar?
Josmar Jozino: Depois do massacre em Manaus a capital amazonense sofreu uma onda de assassinatos. Não sei se os crimes foram devidamente apurados, mas há indícios de que sejam fruto de uma guerra nas ruas que pode se espalhar pelo Brasil inteiro.
Existe uma facção que é a maior do Brasil, que há tempos era aliada da segunda maior. Agora, as duas estão em conflito; enquanto a segunda faz aliança com a terceira, que é do Amazonas, e outros grupos do Nordeste. Tudo pela disputa do tráfico de drogas nas fronteiras do Brasil. Portanto, corre-se, sim, o risco de haver uma carnificina nas ruas. Sendo pessimista, acho que já começou.
Correio da Cidadania: O que podemos analisar, dentro desse contexto, sobre a bancada da bala (federal) e os lobbies em favor da privatização dos presídios (estaduais), sendo alguns deles, como o de Manaus, já geridos através de PPPs?
Josmar Jozino: A bancada da bala tem o pensamento mais do que conhecido: “bandido bom é bandido morto”. Eles se consideram no lucro. Quanto mais mortes de criminosos e presos ocorrerem, melhor pra eles. Isso porque tal discurso garante eleição. Grande parcela da população brasileira pensa como eles.
De norte a sul do país, muita gente pensa como eles. E pensam assim porque é um jeito mais simples de mostrar que estão preocupados e cansados com a falta de segurança que existe no Brasil. Somos um país que não tem segurança pública. Portanto, são esses eleitores que acabam virando massa de manobra dos referidos políticos, que formam a opinião junto a setores da imprensa. Eles sempre serão eleitos enquanto houver caos na segurança pública.
Correio da Cidadania: Acredita que as investigações da Lava Jato, e eventualmente futuras investigações, podem chegar nas doações de grandes traficantes de drogas e armas para campanhas políticas? Isso poderia causar uma reviravolta na opinião pública?
Josmar Jozino: É preciso termos alguma esperança e essa vem bem a calhar, senão, estamos acabados. A Lava Jato colocou na prisão empresários e políticos que roubaram e desviaram bilhões dos cofres públicos. É um outro crime organizado, até mesmo mais perigoso do que esse que frequenta as cadeias de Manaus.
Foi um passo importante, foi feito na política e contra empresários. A mensagem que fica é que se o país tiver vontade pode também consertar o caos na segurança pública, reforçar o policiamento de fronteira para evitar a entrada de drogas e armas, parar com a política de encarceramento em massa, que deixa as prisões superlotadas. Ou seja, parar de prender ladrãozinho, gente que comete inclusive crime famélico, para comer.
E investir em educação, obviamente. Tudo isso pode ser feito, mas o que vemos é o oposto. Espero que em algum momento haja esta vontade política.
Correio da Cidadania: Segundo dados do próprio Ministério da Justiça, menos de 8% dos homicídios são investigados e levados à justiça no Brasil – que apresenta população carcerária superior a 600 mil pessoas, cuja maioria está detida por crimes contra o patrimônio (roubo e furto) e delitos relacionados ao tráfico de drogas. Levando esses dados em consideração, qual sua opinião sobre a chamada política de guerra às drogas e de que forma contribui para o quadro que estamos discutindo?
Josmar Jozino: Vi umas estatísticas no passado, quando ainda trabalhava para jornais impressos, e parece que os crimes relacionadas ao tráfico de drogas estavam alcançando ou ultrapassando os crimes contra o patrimônio. E se você analisar as pessoas que estão presas por tráfico de drogas no Brasil, a maioria é da periferia. O sujeito quando vai preso está descalço, sem camisa; mora em favela, em comunidade. Esse pessoal que é chamado de “traficante” deve representar 90% dos presos por tráfico no Brasil. Na realidade são todos peões do tráfico. É a maioria que vai presa, enquanto a minoria dos grandes traficantes nós nem sabemos o nome.
Eu sou até a favor da descriminalização das drogas porque evitaria um monte de mortes e ainda seria capaz de amenizar a questão do narcotráfico no Brasil. Tem de descriminalizar com equipamento e acompanhamento público, com casas de saúde e etc.. Isto iria evitar muita chacina, evitaria uma guerra como essa. E com menos gente presa, também os problemas dentro das cadeias diminuiriam. Mas no Brasil ainda é uma utopia. Não conseguimos nem cuidar de uma cracolândia direito, imagina uma questão como essa, muito mais ampla.
Correio da Cidadania: Para finalizar, como esta evolução dos quadros de violência na sociedade brasileira pode se refletir no dia-a-dia da cobertura jornalística?
Josmar Jozino: Tenho mais de 30 anos de carreira, e os últimos 20 passei cobrindo a área policial. Lembro que quando tinha um duplo homicídio os jornais mandavam até dois repórteres. De lá pra cá, a violência aumentou, surgiu o crime organizado, as facções criminosas dentro das prisões – não foi nas ruas que surgiram – e hoje jornalisticamente a cobertura está banalizada. Só vemos notícias prontas. Pessoal vai com mais vigor quando tem esses casos de grandes massacres. Mas esse tipo de violência acontece todo dia nas periferias do Brasil e ninguém fala mais nada.
Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania.