O Brasil e o enredo da miséria política
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- Elaine Tavares
- 17/05/2017
O dia 9 de maio terminou de maneira melancólica para os brasileiros que, desde há um ano, vêm experimentando derrota atrás de derrota no campo trabalhista, educacional, político e cultural. O golpe parlamentar/judiciário e midiático que colocou no poder o que há de pior na política nacional vem se aprofundando, com uma reação ainda bastante tímida por parte dos trabalhadores. E isso não é sem razão.
Durante os 13 anos nos quais o PT esteve no comando, os movimentos sociais e sindicais – em sua maioria – estiveram domesticados, esperando pela ação governamental, sem trabalho de base, sem formação política, sem um estudo sistemático da conjuntura.
O resultado é a quase completa apatia diante de todo o pacote de destruição que vem sendo imposto pelo governo e seus aliados, dia após dia. Enquanto tudo se esboroa, boa parte das lideranças populares, partidárias e trabalhistas se preocupa mais com as eleições de 2018 do que com a realidade imediata, que esmaga a maioria da população.
Nessa quarta-feira, vimos a tragédia da destruição cultural e social no Rio de Janeiro, com os trabalhadores do Teatro Municipal, uma das pérolas da vida carioca, realizando um grande ato público de protesto contra os permanentes atrasos de salários. O Estado do Rio, através do seu governo, tem se declarado quebrado, e como é de praxe, são os trabalhadores os que pagam pela má administração.
Nas comunidades de periferia, o caveirão toca o terror, e na máquina pública a vida se esvai, tanto a dos que nela trabalham quanto a dos que dela precisam. Bom lembrar que o Rio de Janeiro foi sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas, megaeventos sugadores de verbas, que removeram famílias, destruíram bairros inteiros e deixaram dívidas astronômicas.
O legado dessa megalomania – incensada pelo governo federal, então petista – é o que se vê hoje. Massacre total dos trabalhadores e das gentes. E se não há qualquer compaixão nos setores de educação, saúde e moradia, o que esperar no setor cultural? Daí a melancolia ao acompanhar a linda apresentação em frente ao Teatro, que está à mingua.
No mesmo momento em que os trabalhadores da cultura do Rio dançavam a morte do cisne, paradigmaticamente, em Brasília, os deputados, na Comissão Especial da Reforma da Previdência (PEC 287/16), aprovavam a proposta de contrarreforma da Previdência do governo, plasmada no substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA). Tudo sem novidades. Agora, esse golpe mortal nos trabalhadores seguirá para plenário, onde precisará de 308 votos para ser aprovado.
E, pelo andar da carruagem, tudo indica que passará sem problemas, uma vez que o governo está abrindo os cofres para garantir que tudo siga seu curso, sem sobressaltos. Se alguma mudança houver, será com relação aos trabalhadores da segurança que, ao contrário da maioria dos trabalhadores, já realizaram violentos protestos na casa legislativa. Nenhum deles foi apontado como “baderna” por nenhuma rede de TV. Mas, eles quebraram vidros, colocaram fogo, ameaçaram com armas de fogo. Aparentemente estão vitoriosos e podem ficar fora da regra.
Para a massa dos trabalhadores o que virá é praticamente a impossibilidade da aposentadoria integral, visto que as regras são leoninas. Tempo mínimo de contribuição de 25 anos para qualquer pessoa pleitear a aposentadoria, e a integral só garantida para quem completar os 49 anos de contribuição. Não bastasse isso, no roldão de maldades, vem ainda a contrarreforma trabalhista, que prevê o fim dos direitos e até a volta da servidão, com a proposta de os trabalhadores rurais serem pagos com comida e casa, em vez de dinheiro.
Tudo isso com o argumento de que o país está incapacitado de seguir pagando as aposentadorias, mesmo que a fatia do orçamento mostre muito claramente que quase a metade do que o Estado arrecada vai para pagamento de juros bancários. Ou seja: o governo está fazendo uma escolha. Protege o lucro dos ricos e tira tudo o que pode dos pobres.
A Câmara dos Deputados, ao referendar essas propostas, se transformou atualmente no centro do horror. Lá, a maioria pouco se compadece do drama humano que se desenrola no lado de fora das portas. Os deputados fizeram ouvidos moucos para as grandes passeatas que aconteceram no dia 28 de abril, juntando milhões de pessoas nas ruas do país. Não foram tocados. E seguem aprofundando o golpe contra os trabalhadores, sem qualquer pudor.
No meio de todo esse processo brutal de destruição de direitos e aprofundamento da acumulação capitalista, o país assiste quase abobalhado ao espetáculo que vem sendo protagonizado pela dita “justiça” brasileira. O poder judiciário se expondo sem máscaras, mostrando claramente a quem serve. Tacão de ferro contra os inimigos da classe dominante e carinhos aos amigos. Solta o megaempresário Eike Batista e mantém preso o jovem negro Rafael Braga. Faz estardalhaço com os depoimentos dos delatores da operação Lava Jato, e protege Aécio Neves, ouvido em sigilo e longe da imprensa. O circo é montado só para aqueles que, hoje, querem destruir.
É o caso do depoimento que Luiz Inácio Lula da Silva deu nessa quinta-feira, em Curitiba. O caso foi tratado pela mídia como um grande espetáculo. O próprio juiz, que deveria manter a sobriedade devida ao judiciário, foi para as redes sociais falar sobre o caso. Um completo deboche com a população, mostrando que não há mesmo qualquer resquício da dita imparcialidade que a justiça deveria ter.
De certa forma, ele reforça ainda mais a ideia de que Lula é mesmo a grande liderança nacional que precisa ser destruída e incita os militantes petistas a agigantar ainda mais a figura do dirigente. Por conta das trapalhadas do juiz, a cidade de Curitiba foi invadida por milhares de pessoas que foram prestar solidariedade à Lula.
E tudo envolvido por uma aura de guerra, com a polícia preparada para batalhas, juízes legislando contra o direito de manifestação. Um cenário teatral para um momento patético.
Assim, os militantes pró-Lula se retiram do território da luta pelos direitos que dá em Brasília e formam cordões de solidariedade ao líder partidário, na também triste ilusão de que ele, sozinho, vencendo as eleições em 2018, reverterá tudo o que os deputados, senadores e governo federal estão aprovando em cadeia, e vertiginosamente.
E o governo vai nadando de braçada, vencendo no campo da política e vencendo também no campo do simbólico, com o auxílio seguro da mídia comercial. O cenário montado em Curitiba reforça a quimera eleitoral, o que é bastante útil para o grupo que assaltou o poder.
Infelizmente para a população brasileira, as duas propostas que estão no tabuleiro não oferecem nada de bom. A continuidade do golpe é a morte de todos os direitos e o mergulho num violento tempo de miséria. Já uma possível - ainda que distante - vitória de Lula em 2018 mudaria praticamente nada no processo de aprofundamento da crise, visto que nos quatro mandatos petistas o alinhamento sempre foi com a classe dominante. O “capitalismo humanizado” de Lula não se sustenta.
Resta uma terceira possibilidade, que é a construção do novo. Mas isso requer muito trabalho e organização da classe trabalhadora. Dependeria também de as gentes perderem definitivamente a ilusão em um processo eleitoral comprovadamente viciado e incapaz de garantir poder popular.
O bom é que a melancolia que assoma diante desse espetáculo sombrio da conjuntura brasileira não é paralisante. Ela pode servir de fermento para a luta e para a compreensão de que, na guerra de classes que se coloca, é preciso que se tome um lado: o da classe trabalhadora. E que se reconheça o inimigo comum, que é grande, o sistema capitalista. Contra ele, todas as baterias. Unidade na luta. Mas, tem de ser para frente, nunca para trás. Vamos caminhando e aprendendo.
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC.