Correio da Cidadania

Pobre Pará

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A maior preocupação do secretário de segurança pública do Pará, general Jeannot Jansen, na primeira declaração que fez sobre o conflito em Pau D’Arco, foi ressaltar que a polícia – civil e militar – não cumpria mandado de reintegração de posse. Ou seja: não ia desalojar os ocupantes da fazenda Santa Lúcia, como acontecera em duas situações anteriores.

Desta vez, a polícia cumpriria mandados judiciais de prisão contra quatro pessoas, que teriam participado do assassinato de um vigilante da fazenda, ocorrido um mês antes, e de busca e apreensão de armas e documentos. Na explicação do secretário, a presunção era de que a operação resultara da constatação de que o alvo eram delinquentes comuns e não posseiros.

A versão oficial é coerente com essa tese. De 25 a 30 homens receberam a força policial com tiros, aproveitando-se para essa iniciativa do fato de estarem numa área conhecida e a partir de uma trincheira que pudessem ter montado. Tinham arsenal para essa decisão: 11 armas de grosso calibre, incluindo espingardas, fuzil e uma potente pistola Glock.

Quem já acompanhou esse tipo de situação, sabe que o tiroteio costuma se generalizar. É quase impossível que só haja baixa de um lado – e do lado que estava melhor posicionado no que os combatentes chamam de teatro de operações.



Essa expectativa, ao contrário do que proclamou o delegado licenciado e deputado federal Éder Mauro (do PSD), na sua reação corporativa e parcial, não significa que se deseje a morte ou ferimento de policiais. É hipótese coerente com a versão (cuja falsidade cada vez mais se revela) da Secretaria de Segurança Pública.

Se a tropa foi vítima dos primeiros disparos ao entrar na área é porque foi surpreendida por essa reação. Até encontrar um lugar adequado para retrucar ao ataque, inevitavelmente teria sofrido alguma baixa, mesmo que sem vítima fatal. O tiroteio pesado deixaria marcas claras do combate, o que nas vistorias posteriores ao local não foi percebido.

Mas se os policiais só atiraram porque foram alvejados antes, sua maior preocupação seria preservar a integridade do local para usá-lo como prova da sua versão, logo posta em questão ou imediatamente desacreditada. No entanto, a expedição retirou os cadáveres, arrecadou as armas e limpou o ambiente, prejudicando – ou até inviabilizando – o trabalho dos peritos.

Novamente na sua manifestação utilitária, para ganhar a pronta aprovação dos seus pares e das pessoas que encaram o problema por uma ótica simplista e radical, o deputado Éder Mauro desdenha esse argumento. Disse que a ação foi humanitária. Afinal, os policiais não iam deixar os cadáveres expostos.

A gravidade do acontecimento, com 10 mortes só de um lado (e, talvez, mais oito feridos que escaparam do tiroteio pelo mato), reforçaria o cumprimento do dever profissional dos policiais de preservar a cena do crime, com os corpos dilacerados pelas balas, o sangue espalhado e, sobretudo, a prova definitiva de que houve mesmo um combate e não uma matança deliberada, planejada, cumprida para atender uma das partes do conflito fundiário.

Suscitar essa hipótese, de sólida consistência, não significa levar ao absurdo a defesa dos direitos humanos, como se apenas uma das partes, a falsamente (ou verdadeiramente) mais fraca, enquanto a outra, a dos policiais e fazendeiros, é totalmente ignorada.

O maniqueísmo se mostra deturpador em mais este exemplo. Se houve um momento em que o conflito era claramente entre duas partes, a dos donos (por justo título ou mera grilagem) da terra e os posseiros, que só dispunham do seu trabalho para exercer seus direitos, hoje esse dualismo desapareceu.

É tal o fracasso do governo como órgão regulador de litígio, acompanhante dos fatos e repressor de ilícitos que os atores em cena se diversificaram muito. Em meio a posseiros há pistoleiros, grileiros, desmatadores, intermediários de fazendeiros e um universo humano que se desenvolveu sobre a incompetência da administração pública.

Ainda assim, o caso de Pau D’Arco tem uma violência e um nítido sentido de parcialidade que torna difícil – se não impossível – absorver as explicações do governo, formuladas – mais uma vez – com incompetência pelo abúlico secretário de segurança pública.

A figura inexpressiva do general Jansen parece só se manter diante da criminosa omissão do governador Simão Jatene. Mais uma vez, diante de novo escândalo, que devolve o Pará ao pior noticiário nacional e internacional, o governador sumiu.

Nesses momentos, o tucano parece renunciar à condição de comandante-em-chefe da força policial, que só exerce em momentos festivos, com hinos, dobrados e medalhas. O Pará que trate suas dores por si próprio, dentre as quais matanças como esta, 21 anos depois de Eldorado dos Carajás. É o atestado da continuidade de uma marca que tanto mal lhe faz: a selvageria.


Lucio Flavio Pinto é jornalista e editor do Jornal Pessoal.

Retirado do site do autor.

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