Água põe fogo no campo
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- Roberto Malvezzi (Gogó)
- 13/11/2017
Aproximadamente mil pessoas entraram nas fazendas Igarashi e Curitiba em Correntina, Bahia, quebraram os pivôs centrais de irrigação das empresas e derrubaram as instalações elétricas.
Bastou para que a mídia falasse em vândalos, invasores, e a senadora Ana Amélia chegou a falar em exército de Lula no Senado, referindo-se ao MST. Quanta estupidez na boca de uma só senadora!
O MST não estava lá e nem precisava, porque a reação foi das comunidades ribeirinhas, mães e pais de família. É bom a senadora saber que a Bahia é governada por um petista e o INEMA, organismo que concede as outorgas de água no Oeste Baiano, tem grande responsabilidade nessa monstruosa outorga do Arrojado para as empresas beneficiadas.
Há décadas participo da reflexão sobre a água no mundo. Na Campanha da Fraternidade de 2004 já levantávamos a questão do novo discurso da água, de sua privatização, mercantilização, da oligarquia internacional da água, mas também da necessidade de defender a água como direito fundamental da pessoa humana e de todos os seres vivos, além de defendermos que a água, muito além do que querem os hidrólogos, tem múltiplos valores além dos múltiplos usos. Chamamos todos os negócios da água de hidronegócio.
Um dos principais prognósticos levantadas mundialmente é a questão da “guerra pela água”, já que a redução de um bem imprescindível à vida a uma mercadoria qualquer só pode transformar-se em guerra, como aconteceu em Cochabamba, na Bolívia.
Esses dias lancei o artigo “Hidrocídio Brasileiro”, falando da matança de nossos mananciais, principalmente nossos rios, citando a decadência visível do Tocantins, Araguaia, Javaés, Araguari no Amapá, além do São Francisco e seus afluentes. É bom lembrar que o assassinato de uma grande bacia sempre começa por seus afluentes. Assim é a morte do São Francisco, que depende de rios como o Arrojado, esse saqueado pelas empresas, a tal ponto que as comunidades ribeirinhas ficaram sem água. A ocupação foi uma reação ao processo predador das empresas.
Quem está destruindo as florestas brasileiras - sobretudo a Amazônia que produz os rios voadores e o Cerrado que armazena as águas desses rios aéreos - é o agronegócio da senadora Ana Amélia, apoiado por mais uns 50 senadores e mais de 200 deputados. Todos reforçados pelos meios de comunicação, sobretudo a Globo. É o agronegócio que está promovendo esse hidrocídio e a guerra pela água no campo.
Vale repetir que a água é bem vital e seu maior valor é o biológico, isto é, só há vida onde tem água. Deputados e senadores podem fazer muitas leis, mas não conseguem mudar as leis básicas da vida.
Ou mudamos nossa política hidrocida, ou a água vai pôr fogo no campo brasileiro.
Roberto Malvezzi é agente pastoral na região do Semiárido.