O golpe é sistêmico
- Detalhes
- Roberto Malvezzi (Gogó)
- 12/12/2017
“Não disse muita coisa para não desanimar os missionários, mas esse golpe é sistêmico”. Foi esse o comentário que D. Erwin Krautler me fez num evento da Laudado Sí, em Feira de Santana, Bahia. Ele vinha da assembleia do Conselho Indigenista Missionário. O massacre sobre os povos indígenas, constante em nossa história, volta a níveis indescritíveis mesmo para um país que nunca foi “civilizado”.
O golpe ataca todas as dimensões da vida nacional: modifica as leis ambientais, trabalhistas, previdenciárias, de terras, de águas, do petróleo, assim por diante.
Ataca também o coração da saúde e educação. Pior, ataca nosso povo sem dó ou piedade. Nenhuma dimensão da vida nacional escapa ao ataque sistêmico do capital.
Portanto, o que está sendo plantado agora dificilmente será modificado em décadas pelo povo brasileiro prejudicado.
As consequências já são visíveis: mais de 40 milhões de trabalhadores brasileiros não ganham sequer um salário mínimo para sustentar a si mesmo e sua família; o desemprego já chega a 13 milhões de brasileiros; aumentou o número de empregos precários; a fome voltou; a violência aumentou; a inadimplência aumentou também.
Claro, todos os sintomas de um ataque sistêmico do capital contra o trabalho, contra nossos povos tradicionais e contra o patrimônio natural brasileiro, como água, solos, biodiversidade e minerais.
Mas, não é só o futuro do povo brasileiro que está abismo abaixo. O capital nacional, já pelos diagnósticos de seus intelectuais orgânicos, tende a ficar cada vez mais atrasado, com menos tecnologia, menos competividade, portanto, a médio prazo obsoleto e pobre. Nem o rentismo sobreviverá por muito tempo numa sociedade decadente.
Até a classe média branca e tradicional, a grande âncora do golpe, deveria ver na demissão massiva de professores da Estácio de Sá uma foto do que lhe aguarda.
Convenhamos, o golpe foi bem dado. Portanto, não foi articulado só pela direita brasileira. Ela é estúpida demais até para dar um golpe. O que acontece foi claramente preparado em nível internacional, intermediado aí por gente que transita junto ao capital global. Só não temos as informações exatas de como foi e de quem fez esse trabalho. Um dia teremos.
Para quem batalhou a vida inteira pela superação da fome e da sede o mais amargo é saber que milhões de brasileiros voltaram ao mapa da fome. Uma reportagem da Associated Press, replicada em jornais do mundo inteiro, dizia: “Millions return to poverty in Brazil, eroding boom decade”. O Washington Post colocou a matéria sob o título “Democracy Dies in Darkness”.
Tradução dos textos em inglês: “Milhões retornam à pobreza no Brasil, erodindo uma década de conquistas”; “Democracia Morre na Escuridão”.
Roberto Malvezzi, o Gogó, é agente pastoral e assessor de movimentos sociais no Semiárido.