Mais dúvidas que certezas na proposta de concessão dos parques de São Paulo
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- Daniel Ávila Caldeira e Pedro Lima
- 22/02/2018
A concessão da gestão dos parques municipais é um dos eixos do Plano de Desestatização da gestão Doria que mais tem estado em evidência. Em maio do ano passado, a prefeitura solicitou a agentes privados, por meio de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), estudos de modelos alternativos de gestão dos parques municipais que possibilitassem tanto a melhoria dos serviços ofertados quanto a eficiência do uso dos recursos públicos. Em setembro passado, as proponentes habilitadas pela prefeitura apresentaram um total de dezessete estudos para a concessão dos parques. O conteúdo das propostas, que ainda está em análise pela comissão de avaliação, deverá embasar o edital de concessão de um “lote-piloto” de parques, que deverá ser lançado ainda neste mês de fevereiro, segundo declarações recentes do secretário municipal de Desestatização e Parcerias, Wilson Poit.
Para defender a concessão, a prefeitura argumenta que a restrição orçamentária do município, exacerbada pela crise econômica, compromete a gestão dos parques municipais. A transferência de parte dos custos desses equipamentos a parceiros privados poderia, de acordo com a administração municipal, aliviar as contas públicas, mantendo (ou até melhorando) a qualidade dos parques da cidade e atendendo, portanto, ao interesse público. Embora a proposta possa soar como novidade, na cidade de São Paulo já existem alguns exemplos de espaços públicos geridos pela prefeitura em parceria com a iniciativa privada.
O Parque Burle Marx, na região do Morumbi, por exemplo, é gerido por uma fundação privada desde sua inauguração, na década de 1990, através de um convênio com a prefeitura. A Fundação Aron Birmann, gestora do parque desde o início do convênio, arca com todos os custos envolvidos na manutenção do espaço. A administração do Parque do Povo, no bairro do Itaim Bibi, também é feita em parceria com uma organização privada desde 2008. Inicialmente gerido pela incorporadora imobiliária WTorre, que conta com empreendimentos comerciais de alto padrão na região, o parque hoje é administrado por uma associação de moradores e empresas do entorno. Mais recentemente, já em 2017, a gestão do Parque Alfredo Volpi, localizado no Morumbi, assim como o Burle Marx, também passou a ser custeada por uma entidade privada da vizinhança, o Hospital São Luiz.
Em primeiro lugar, é importante destacar que, em todos os casos citados, a gestão dos parques, apesar de privada, não tem fins lucrativos, ou seja, todos os recursos gerados com atividades comerciais são reinvestidos nos próprios parques. Na prática, mesmo contando com essas receitas, no fim do mês as gestoras privadas às vezes acabam usando recursos próprios para fazer a conta fechar. No caso do Parque Burle Marx, por exemplo, apesar das receitas com estacionamento, eventos e cessão de espaço para comércio de alimentos, a Fundação Aron Birmann (que tem vínculos com o setor imobiliário) arcou com aproximadamente 20% dos custos do parque em 2017.
Em segundo lugar, todos os parques citados estão situados em áreas de alta renda na cidade e são mantidos por entidades e associações ligadas a empresas que, de alguma maneira, exploram comercialmente seu entorno. Parques públicos bem conservados costumam valorizar os imóveis a sua volta. Ou seja, de um ponto de vista puramente financeiro, pode fazer sentido para os proprietários desses imóveis (individualmente ou através de fundações ou associações) tirar dinheiro do próprio bolso para ajudar a manter os parques limpos e bem-cuidados, ações que têm como efeito valorizar seus próprios empreendimentos na região.
De qualquer maneira, esse modelo depende de doações e trabalho voluntário. Se em bairros mais ricos já é difícil contar com doações que sejam volumosas e permanentes, será que o modelo funcionaria para administrar parques localizados em regiões mais pobres da cidade? A própria Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias, em comunicado de dezembro passado, revelou que estava elaborando um modelo de concessão baseado em um “parque-âncora” (possivelmente, o Ibirapuera), que seria responsável por gerar renda a ser aplicada na conservação de outros parques menos “rentáveis”.
A Prefeitura tem argumentado repetidamente que a gestão dos parques municipais representa atualmente um ônus ao tesouro do município, pois gera mais custos do que receitas. Ainda que se se conceda a gestão à iniciativa privada, não existe mágica: para as contas fecharem, as eventuais concessionárias terão de diminuir os custos dos parques ou aumentar suas receitas que estes geram, ou ambos. Caso o modelo de concessão apresentado pela gestão Doria permita a gestão com fins lucrativos, o equilíbrio financeiro se torna um ponto especialmente delicado. As propostas apresentadas em setembro de 2017 ainda não foram divulgadas, mas o fato de que a maioria das proponentes são empresas, sendo que algumas delas já atuam como terceirizadas de órgãos públicos prestando serviços de manutenção de parques, é indicativo de que o modelo de concessão esperado pelo mercado pressupõe, sim, fins lucrativos.
É importante que fique claro se a pretendida economia virá do aumento da eficiência da prestação de serviços e gestão de mão-de-obra, ou da intensificação da geração de renda através, por exemplo, do aluguel de pontos de comércio ou da cobrança pela realização de eventos particulares. Apesar de o PMI deixar explícito que será garantido o acesso gratuito a todos os parques sob gestão privada, o próprio edital permite que os modelos de financiamento incluam a cobrança pelo uso de equipamentos dentro dos parques, como quadras esportivas.
Onde serão cortados gastos e como será aumentada a receita? Por um lado, é importante garantir que eventuais cortes de custo não signifiquem uma piora nos serviços responsáveis por manter a qualidade dos parques. Do lado da receita, existe também o risco de que as modelagens partam de uma expectativa de consumo mais alta dos frequentadores dos parques. Ainda que possa existir, em alguns deles, uma demanda reprimida por bens e serviços, é importante que seus usuários tenham o direito de usufruir do espaço público sem se sentir pressionados a consumir.
Também é fundamental que os produtos comercializados dentro dos parques, assim como o uso de seus equipamentos, sejam acessíveis para frequentadores de qualquer perfil socioeconômico. Ou seja, é imprescindível que a modelagem a ser adotada nas concessões garanta o interesse público ao tratar indistintamente o cidadão, sem traçar ou priorizar qualquer tipo de frequentador por sua faixa de renda.
Além disso, é importante garantir que pequenos comerciantes tenham a oportunidade de trabalhar dentro dos parques. No caso do Ibirapuera, a cooperativa de vendedores ambulantes que têm a permissão para atuar ali já conseguiu o compromisso da Prefeitura de que não serão removidos após a concessão do parque. Mas será que esse diálogo existirá em outros parques onde há a presença desses vendedores?
Ainda em relação à modelagem, quais mudanças físicas as concessões permitirão que sejam feitas nos parques e como elas irão alterar sua paisagem? Atualmente, já existem parcerias com empresas que doam um serviço e recebem como contrapartida o direito de exibir sua marca no espaço público, através de placas com dimensões restritas. Um exemplo recente é o da Nike, que reformou as pistas de corrida e o campo de futebol do Parque Ibirapuera. Nas novas concessões, será permitida a realização de um maior número de parcerias desse tipo, ampliando a quantidade de contrapartidas de publicidade, como placas e outdoors? Quais áreas poderão sediar eventos privados, com acesso restrito, em dias específicos? Serão construídos novos edifícios para abrigar novas atividades? Sob quais parâmetros?
Considerando os aspectos econômico-financeiros envolvidos no projeto de desestatização dos parques de São Paulo, resta uma questão que não tem aparecido no discurso oficial: as decisões sobre a gestão dos parques deveriam ser norteadas por critérios de rentabilidade e eficiência econômica?
O poder público deveria deixar de gastar recursos públicos com a gestão de parques, tão importantes para o bem-estar da população? Conceder significa não gastar ou gastar menos? Nota-se que a desestatização é apresentada como solução antes que esteja claro ao público qual é exatamente o problema a ser resolvido. Embora a prefeitura de fato se depare com dificuldades na zeladoria e manutenção de espaços públicos e áreas verdes, tanto por escassez de recursos como por entraves da burocracia estatal, essa constatação não justifica necessariamente a concessão de parques e áreas públicas a parceiros privados que busquem fazer uma gestão com fins lucrativos.
Por fim, a questão mais fundamental com relação à gestão dos parques municipais é a participação social. A gestão dos parques concedidos será aberta, transparente e participativa ou será feita dentro de quatro paredes pelas empresas ou organizações que vençam o edital? Se a prefeitura está agora abrindo a possibilidade de novas formas de gestão, por que não experimentar formas de gestão compartilhada, sejam elas comunitárias ou autogeridas, em que a vizinhança ou coletivos assumam responsabilidades a partir de sua capacidade?
Neste momento, pairam mais dúvidas do que certezas sobre os planos do poder público municipal para os parques da cidade. Um único modelo de gestão seria realmente capaz de acolher a diversidade dos parques de São Paulo? As novas formas de gestão dos parques conseguiriam garantir o seu caráter público, promovendo o encontro, o convívio entre as diferenças e a apropriação coletiva da produção e reprodução desses espaços?
Aguardemos atentos pela divulgação do próximo edital.
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Daniel Ávila Caldeira é economista r mestre em Planejamento Urbano e Regional. Membro do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade e pesquisador do LabCidade, onde atua no projeto ObservaSP.
Pedro Lima Pedro Lima é estudante do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU USP e pesquisador do LabCidade.
Artigo retirado do Observa SP.