Lula: muito carisma e pouca estratégia
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- Rui Martins
- 09/04/2018
Me lembro de Carlito Maia, tamborilando sua composição, depois pirateada, Lula Lá, entusiasmado com a perspectiva de se levar o líder sindicalista Lula à presidência, pela esquerda reunida no grande desafio que era o Partido dos Trabalhadores.
E o que parecia um sonho impossível se realizou: Lula se elegeu – o Brasil ia mudar, tinha se tornado uma república socialista.
Nem tanto, pois, para ter o apoio de empresários e banqueiros, Lula, mestre em negociações, precisou prometer concessões. E o mundo conheceu esse líder sindicalista brasileiro, eleito pela mistura de tendências de esquerda reunida no PT, quando participou do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
Capa de uma Veja de julho de 2001
O Brasil poderia virar um país socialista? Lula levou água e açúcar a Davos, conquistando, com sua linguagem de paz & amor, os donos da economia mundial. O Brasil ia ter uma política light de esquerda.
Os donos do capital estrangeiro se dispuseram a investir, os empresários brasileiros aceitaram experimentar esse socialismo homeopático e a esquerda menos light se preparou para a infinidade de sapos que seria obrigada a deglutir. Um deles foi o banqueiro Henrique Meirelles, vindo diretamente do Bank of Boston para o Banco Central do Brasil.
Logo no começo do governo Lula, se decretaram medidas provisórias que permitiram o plantio e a alta produção de cereais transgênicos, OGM (organismos geneticamente modificados), trazidos pela Monsanto e Bayer, anulando as liminares que proibiam o uso dessas sementes. A esquerda engoliu, mas não deve ter escapado do efeito modificador desses grãos: pouco a pouco o PT foi se transformando num PT OGM.
E o agronegócio brasileiro desmatava a Amazônia para plantar soja transgênica, se transformando rapidamente no terceiro maior produtor de cereais transgênicos do mundo. Cereais que as crianças e seus pais comem diariamente sem terem ideia do que poderia causar em seus corpos no futuro.
Nessa época, tive a oportunidade de conversar com o Frei Betto, responsável pelo programa Fome Zero, que, desestimulado, logo depois entregou o cargo. Foi um dos primeiros a se decepcionar, houve outros, mas eram uma minoria.
No lugar do Fome Zero se preferiu o programa Bolsa Família, cujos efeitos positivos valeram aplausos na Organização Internacional do Trabalho ao ministro Patrus Ananias, mas, na verdade, pagar 70 reais por cabeça de pobre não era o espírito da lei aprovada pelo Congresso por proposta do senador Eduardo Suplicy.
O senador tinha se entusiasmado com o projeto de economistas progressistas, europeus, canadenses e estadunidenses, chamado Renda Fixa Universal uma espécie de Salário para Todos; elaborou um projeto e conseguiu o milagre de vê-lo aprovado por deputados e senadores, transformando-se em Lei.
Uma lei que ficou na gaveta da mesa de Lula e nunca foi posta em prática. Se 70 reais tinham ativado a economia, imaginem os efeitos de um verdadeiro salário e não a esmola tão louvada por tantos esquerdistas, normalmente avessos à filantropia.
Apesar da aplicação homeopática do socialismo transgênico, os deputados e senadores faziam corpo mole diante dos projetos light do governo Lula. Então José Dirceu, que nessa época exercia um posto equivalente ao de primeiro-ministro, imaginou uma grande ideia para financiar o PT OGM e aproveitar a corrupção latente nos deputados e senadores comprando-lhes os votos. Funcionou até ser descoberta a jogada e estourar o escândalo do Mensalão.
Práticas de financiamento ilícito de partido acontecem mesmo na Europa e a mais conhecida delas foi a utilizada pelo chanceler Helmut Kohl, do partido democrata-cristão alemão. Ele se demitiu, fez-se uma limpeza nos métodos do partido e surgiu Angela Merkel. O PT OGM preferiu deixar à Justiça a punição, em lugar de fazer uma autolimpeza.
Essa rachadura na credibilidade do partido se tornou ainda mais grave com o mensalão-bis, o Petrolão, muito mais grave porque deixou de poder ser explicada como financiamento de partido, já que envolvia igualmente o enriquecimento pessoal.
Ao contrário do partido de Helmut Kohl, o PT transgênico adotou a solução suicida – insistindo em negar a culpa de seus líderes, alegando falta de provas mesmo com denúncias de bancos estrangeiros como os suíços e se negando a uma necessária autocrítica de seus líderes e limpeza em todo o aparelho.
Faltou citar os acordos com os feios, sujos e malvados da velha classe política brasileira, que acabaram por infectar todo o partido com seus velhos e corruptos esquemas de funcionamento. Enfim, a ideologia de esquerda, fosse marxista ou socialista, deixou de ser a peça principal do partido.
A crise hoje vivida pelo partido não teria havido se, logo depois de ter rebentado a crise do Petrolão, todos os envolvidos, inclusive Lula, tivessem se demitido de seus cargos e assumido se defender na Justiça, sem o envolvimento do partido e sem arrastar consigo seus membros e simpatizantes.
Nesta altura, o PT, não mais infectado, já teria novos líderes e mesmo outro candidato escolhido para a presidência do país. Hoje o partido, funcionando na base de Lula, corre o risco de não conseguir mais se levantar.
Para nós todos de esquerda, mesmo não nos identificando com o PT, essa crise interminável é dolorosa porque nos custará nossa credibilidade junto ao povo. Nós, que tanto denunciamos os riscos do populismo, vemos à nossa frente ao que nos levou o populismo de esquerda.
Enfim, antes que se encerrem as ilusões dos tantos de nós que víamos e exagerávamos com otimismo as coisas boas deixadas pelo lulismo (que, ao final, engoliu o petismo), restam as impressões de ter havido muito amadorismo e falta de estratégia.
Nunca entenderemos por que Lula, em 2014, quando era cotado com 65% de intenções de voto, não se impôs como candidato, cedendo à autoritária Dilma Rousseff. Foi um erro fatal, do qual todos nós sofremos hoje as consequências.