Correio da Cidadania

As três vitórias de Bolsonaro

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A primeira vitória começou muitos anos atrás. Quando uma parcela da classe média decidiu que discutir política era coisa de comunista vagabundo e que o ideal na vida era “viver o presente”. Esse comportamento foi incensado e louvado pela parcela arrivista da mídia e pelos cultores do ”deus-mercado”, entidade com muitos tentáculos e adepta de sacrifícios humanos.

Professores de História? Comunistas chatos. Cientistas políticos e filósofos? Um bando de maconheiros da FFLCH da USP, que ficavam fumando maconha, reclamando do governo e gastando o dinheiro do pobre contribuinte. Estudantes de Letras e professores de literatura? Um bando de bichas e sapatas. Sociólogos? Comunistas e maconheiros. Só o FHC se salva. Um pouco.

Importante era ganhar dinheiro, aproveitar a vida e parar de mimimi. Ditadura militar? Isso foi antes ou depois da queda de Constantinopla? Mas onde fica mesmo Constantinopla? Consciência política? Ah, por favor, me passa o vinho branco!

A segunda vitória deve-se ao PSDB. Aqui cabe dar a César o que é de César e a Aécio o que é de Aécio! Quando esse partido perdeu completamente a vergonha e abraçou o seu jeito malufista/udenista de ser. Apoiando ou tolerando racistas, homofóbicos, antinordestinos. Enfim, o partido que passou a não ter qualquer outro projeto político a não ser o antipetismo rasteiro, o que o fez apoiar monstruosidades como a “escola sem partido” ou a tentativa de golpe de Aécio Neves mal terminada as apurações eleitorais em 2014. O vale-tudo.

Importante era tirar o PT do poder, das escolas e do mundo. Destruir a esquerda. Fazer uma política de terra arrasada. Com apoio da mídia golpista de sempre, pastores fundamentalistas, além de articulistas hidrófobos como os Villa e Augusto Nunes da vida. Uma verdadeira frente, que na realidade era o fundo do poço.

A terceira vitória se deu, é claro, com o impeachment. No espetáculo grotesco encenado pela classe média imbecilizada, filhos bastardos da “primeira vitória” do “Mito”, mesmo ainda não entrando em campo. Foi quando a classe média da subcultura dos blogs e do Whatsapp alegremente redescobriu a política. Que agora passou a ser coisa de gente “de bem”, ou como dizia uma jornalista fina flor da mídia tucano-golpista, coisa daquela “massa cheirosa” (sic), de camisa amarela da CBF e cevando o pato insaciável da FIESP.

Era para o poder cair no colo, como realmente caiu, dos tucanos. Que mais uma vez – a outra vez foi com Itamar Franco – chegaram à presidência sem ganhá-la. E era para o tucanato se eternizar no poder, talvez com uma emenda parlamentarista de prontidão, tirada do bolso perfumado do Armani, que seria a cereja no bolo golpista. E o povo, é claro, sonhavam tucanos de todas as plumagens, principalmente os de plumagem mais cinza, ou mais escura (camisas negras?), lamberiam suas patas e seus bicos, varrendo do país a massa não tão cheirosa assim. Que insiste em se vestir e votar vermelho. E contra os interesses das gentes de bem e “do bem”.

Só que não. Não foi o tucanato institucionalizado na mídia, em parte da academia e nos corredores da FIESP que se locupletou com a campanha de ódio golpista. Pelo menos não inteiramente. Não. Quem saiu vitorioso na campanha que jogou, digamos, farelos no ventilador, foi um tosco capitão do exército, baixo clero do congresso, que eu duvido que a “massa cheirosa” convidasse para um dos seus jantares regados com vinhos de ótima safra e acepipes adquiridos junto aos melhores chefs.

Bolsonaro, o ogro fascista, não é um raio no céu azul. Como a criatura do doutor Victor Frankenstein, foi um ser monstruoso e disforme, produto inconsequente da sanha golpista, que insistiu em criar vida onde só havia matéria morta em decomposição. Tal como o cientista da obra de Mary Shelley, agora os golpistas não sabem o que fazer com a “criatura”.

Duvido que seja abandonado como ocorreu na obra da escritora romântica. Mais provável que seja ornado com tecidos finos e banhado com os mais caros perfumes que disfarcem seu odor pútrido. Ou quem sabe, o mais provável, é que seu clone menos disforme, Amoedo, seja o Plano C, pois Alckmin, o B, não passa nada bem.

Qualquer que seja o resultado, o “mito”, com seu ódio, seu racismo, seu machismo e sua homofobia, já é vitorioso. Derrotado nas urnas, restará aos seus seguidores reclamarem de fraude e inventar teorias conspiratórias delirantes. Como, aliás, fez Aécio em 2014. Ou alguém acredita que esses bípedes sejam adeptos dessa ideologia exótica esquerdista de aceitar o resultado das urnas?

Vitoriosos, mesmo que apenas num turno, será a quarta vitória da barbárie. E num segundo turno com o “mito”, veremos o tucanato revelar a verdadeira coloração de sua plumagem.


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Benedito Carlos Santos é professor de história.


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