O controlador, a chibata, a águia e o rato
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- Mário Maestri
- 16/04/2007
Se a história se repete sempre duas vezes, como propunha Hegel, por que os homens não aprendem, para não repetir os mesmos erros?
Em 22 de novembro de 1910, à noite, elegante baile com a presença do marechal Hermes da Fonseca foi interrompido por disparos fortes. Logo, o presidente apenas empossado foi informado da notícia terrível. Os marinheiros rebelados [neste caso procede o termo] dominavam a poderosa esquadra de guerra e ameaçavam bombardear [como fizeram] as guarnições da costa e a capital, se houvesse resistência e suas reivindicações não fossem atendidas. Oficiais tinham morrido na sublevação.
Com o ato drástico, os marinheiros pediam pouco: serem tratados como cidadãos, soldados e trabalhadores da República. Ou seja, salários justos, condições dignas de trabalho, o fim do uso disciplinar da chibata, 22 anos após a Abolição. A maioria dos marujos era afro-descendente. Em manifesto, eles lembravam que se rebelavam pois as súplicas que desde muito enviam jamais chegavam aos ouvidos moucos do governo e dos oficiais, filhos das melhores famílias brancas do país.
O presidente e as autoridades apressaram-se a conceder o reivindicado, pois o movimento era poderoso e ganhava a simpatia da populosa capital. Na defesa da anistia no Senado aos revoltosos, destacou-se o baiano Rui Barbosa, derrotado no pleito presidencial, duramente combatido por Pinheiro Machado, responsável pela entronização de Hermes da Fonseca, os dois rio-grandenses.
Algumas lideranças dos marujos criticaram João Cândido, o chefe máximo da revolta, também do Rio Grande do Sul, por não exigir mais garantias, antes de entregar as armas, pois diziam não se poder confiar, jamais, nas promessas dos poderosos às classes subalternizadas.
Entregues os navios, sob a pressão da oficialidade da Marinha, ofendida nos pundonores pela quebra da hierarquia, preparou-se a traição à anistia, através de provocação governamental. Nos meses seguintes, a imensa maioria dos marinheiros foi expulsa da armada, para erradicar da memória o tempo em que os marujos comandaram a esquadra. Sob o calor infernal do verão, encerraram-se dezoito marinheiros em minúscula prisão da ilha das Cobras, onde se despejou água e cal. Quando se abriu a porta, alguns já apodreciam. Um dos dois sobreviventes era o gigante que passaria à história como o Almirante Negro.
Duzentos e cinqüenta marinheiros foram enviados no navio Satélite, como semi-escravos, para a Amazônia, ao lado de presos políticos, malandros e mulheres prostituídas. Em alto-mar, marujos foram fuzilados e lançados vivos ao mar. Os oficiais jamais responderam pelas vilanias.
Não se ouviu voz em defesa dos marujos, pois o presidente, parlamentares e oficiais estavam, todos, comprometidos na traição da palavra dada e nos crimes que se seguiram. Levantou-se quase apenas a voz frágil de Rui Barbosa, que viajou a seguir para Salvador, temendo por sua vida.
Na luta pela Abolição, pela República, na Campanha Civilista, em 1910 etc., Rui Barbosa representou apenas a defesa de posição democrática e republicana. As oligarquias que reinavam sobre o Brasil sempre cobriram-no de homenagens, mas jamais lhe entregaram a presidência, almejada por três vezes. A magistratura suprema não podia terminar nas mãos de um homem que voava nas alturas, sonhando com um Brasil cidadão e democrático, isolado das necessidades rasteiras de sua classe.
Mário Maestri é historiador, professor da UPF, autor, entre outros, do livro Cisnes negros: uma história da Revolta da Chibata. (São Paulo: Moderna, 2000).
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