“Estamos próximos de uma onda de mobilizações que pode levar à greve geral”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 08/05/2019
Mobilizações de indígenas, metroviários, professores e estudantes têm marcado os últimos dias. No caso da educação, o 15 de maio pode levar a um novo nível de embate com os governos de todas as esferas. Fora do sindicalismo e das organizações tradicionais, motoristas do Uber do mundo inteiro param, colocando à vista a cabeça da classe trabalhadora mais precarizada. No Brasil, onde todas as notícias evidenciam o desmonte de políticas e empresas públicas, as centrais sindicais prometem organizar uma greve geral. É sobre este tenso cenário que conversamos com Paulo Pasin, metroviário paulista aposentado.
Apesar da aceitação da categoria do julgamento do dissídio salarial pelo TRT, Pasin afirma que os ataques e a vigília dos trabalhadores seguirão na ordem do dia. Doria quer se credenciar perante o mercado financeiro como um político capaz de levar até as últimas consequências a agenda ultraliberal. Articula os governadores do Sul e Sudeste na pressão pela aprovação da contrarreforma da previdência. Por isso ficou furioso quando resolvemos trabalhar usando o ‘colete vermelho’ contra a Reforma da Previdência. Tentou intimidar a categoria orientando a empresa para que punisse quem estivesse usando o colete. Imaginava que poderia amedrontar os metroviários”, explicou.
Além de comentar questões sobre o transporte coletivo em São Paulo e o mandato de um governo que parece exclusivamente centrado em promover privatizações, Pasin comenta a conjuntura nacional, repleta de mobilizações de diversas categorias. Sobre a possibilidade de greve geral em junho, pede zelo a quem fala a respeito.
“É preciso que as Centrais, as Frentes de luta e os partidos se comprometam efetivamente com a sua organização, não só no discurso, mas na prática. É possível que o movimento dos professores e da juventude contra a destruição da educação que este governo de neofascistas e milicianos se transforme numa onda de manifestações que auxilie na organização e mobilização da greve geral. Neste sentido, as manifestações do dia 15 de maio são muito importantes”.
Pasin, que já foi presidente da Federação Nacional dos Metroviários, ainda ressalta a necessidade de se lutar contra a ofensiva conservadora de escala mundial de forma ativa, sem esperar o calendário eleitoral ou reduzindo-se à esfera institucional. Até porque adventos como a greve dos motorista de Uber mostram que tais instrumentos não tem alcançado a todos os que visam representar.
“A expectativa (da paralisação no Uber) é enorme. Pela primeira vez aparece um movimento deste tipo de característica mundial. É difícil dimensionar seus efeitos. Afinal, como se organizam os ‘desorganizados’, os precarizados, os trabalhadores informais, sem carteira assinada, os motoristas de aplicativo? Não se criam alternativas orgânicas de um dia para outro”.
A entrevista completa com Paulo Pasin pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: O que comenta da aceitação dos metroviários de São Paulo do julgamento do TRT sobre o dissídio em meio à campanha salarial da categoria, que ameaçava fazer greve?
Paulo Pasin: O inusitado é que se julgou a greve antes de sua realização. O julgamento foi positivo para a categoria na medida em que atendeu suas principais reivindicações.
Quanto começamos a campanha salarial, o governo Doria tentou desmoralizar a categoria porque sabe que ela é um obstáculo ao seus planos de desmonte do Estado. A empresa apresentou uma proposta que negava reajuste salarial, reduzia direitos como adicional de hora extra, adicional noturno, diminuía o aporte da empresa no plano de saúde, além de negar a discussão sobre a participação nos resultados no âmbito da campanha salarial.
Com a mobilização da categoria, eles recuaram e aceitaram manter alguns itens, mas seguiam no ataque ao plano de saúde e à participação nos resultados. A sentença do TRT mantém estes dois direitos, por isso a categoria aceitou.
Correio da Cidadania: A greve segue no horizonte?
Paulo Pasin: Se a sentença do tribunal retirasse qualquer direito previsto no nosso acordo coletivo, a greve seria deflagrada. O importante é entender porque o tribunal atuou desta forma: nossa campanha conseguiu dialogar com o conjunto dos trabalhadores quando resolvemos usar os “coletes vermelhos” contra a Reforma da Previdência e realizar coleta de assinaturas nas estações em defesa da aposentadoria.
Doria, todos sabem, quer se credenciar perante o mercado financeiro como um político capaz de levar até as últimas consequências a agenda ultraliberal. Articula os governadores do Sul e Sudeste na pressão pela aprovação da contrarreforma da previdência. Por isso ficou furioso quando resolvemos trabalhar usando o “colete vermelho” contra a Reforma da Previdência. Tentou intimidar a categoria orientando a empresa para que punisse quem estivesse usando o colete. Imaginava que poderia amedrontar os metroviários.
O tiro saiu pela culatra. Não só a categoria se unificou ainda mais, como passou a receber o apoio dos usuários do Metrô e de outras categorias. Só foi possível enfrentar as ameaças, o assédio moral do governo e da empresa porque a categoria possui uma organização de base exemplar. As Comissões Sindicais de Base foram fundamentais.
Em todas as áreas da empresa, quando a chefia pressionava, ameaçava ou punia, sempre os ativistas da categoria respondiam dando segurança para os metroviários.
Esse movimento foi decisivo para que o tribunal, numa audiência ainda na fase de conciliação, tomasse uma decisão “paradigmática”, conforme bem caracterizou o professor Jorge Luis Souto Maior, reconhecendo nosso direito de expressão e manifestação e obrigando o Metrô a cancelar as punições por conta da utilização dos “coletes vermelhos”. Uma vitória política importante em tempos de restrição às liberdades democráticas.
Ainda existe o risco de o Metrô recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho. Nesta hipótese a categoria, sem dúvida, retoma a mobilização e a greve é uma possibilidade.
Correio da Cidadania: Como observam o atual contexto de lutas do mundo do trabalho no Brasil neste 2019?
Paulo Pasin: A Reforma Trabalhista, a precarização, a terceirização e o aumento do desemprego deixam os trabalhadores muito apreensivos. O trabalhador pensa: se eu lutar, sem apoio dos sindicatos, seja porque estão enfraquecidos, seja porque não são atuantes, coloco minha cabeça a prêmio e ela será cortada. A Ford de São Bernardo fechou. A chantagem da GM fez com o Sindicato fosse obrigado a assinar um acordo com redução de direitos.
O cenário é difícil, mas não definitivo. É preciso que o movimento sindical e popular se reorganize e crie organismos de base, com uma nova perspectiva, que dialogue com as lutas populares, das comunidades indígenas, dos negros, movimentos feministas, ambientalistas, LGBT, superando a atual estrutura burocrática e verticalizada.
Correio da Cidadania: Qual a expectativa que vocês têm para o chamado de greve geral em junho, por parte das centrais sindicais?
Paulo Pasin: A greve geral é uma ferramenta fundamental na luta de classes. Devemos tomar cuidado para que sua convocação não seja vulgarizada. É preciso que as Centrais, as Frentes de luta e os partidos se comprometam efetivamente com a sua organização, não só no discurso, mas na prática. É possível que o movimento dos professores e da juventude contra a destruição da educação que este governo de neofascistas e milicianos se transforme numa onda de manifestações que auxilie na organização e mobilização da greve geral. Neste sentido, as manifestações do dia 15 de maio são muito importantes.
Correio da Cidadania: Para além do mundo sindical, como enxerga as lutas das categorias sem sindicato e suas dinâmicas na atualidade? O que pode ser dito da greve denominada “Uber Off” deste 8 de maio, quando motoristas do aplicativo do mundo inteiro param por pelo menos 8 horas?
Paulo Pasin: A expectativa é enorme. Pela primeira vez aparece um movimento deste tipo de característica mundial. É difícil dimensionar seus efeitos. Afinal, como se organizam os “desorganizados”, os precarizados, os trabalhadores informais, sem carteira assinada, os motoristas de aplicativo? Não se criam alternativas orgânicas de um dia para outro.
Numa entrevista ao Correio da Cidadania, o sociólogo do trabalho Ricardo Antunes disse: “num quadro com essa moldura não posso pegar minhas ferramentas fragilizadas e jogá-las fora. Porque aí fico sem nada, de vez. Reparem que o capital não joga nenhuma de suas ferramentas, mesmo as piores, na lata do lixo. Aparelhos midiáticos, religiosos, repressores, estatais, parlamentares... Ele não joga nenhum desses aparelhos fora. Eles configuram o lócus da dominação burguesa. E as lutas sociais, operárias e populares têm fundamentalmente três ferramentas: seus sindicatos, seus partidos e seus movimentos”.
Concordo plenamente com ele. Precisamos atuar nos sindicatos, nos movimentos populares e partidos com um olhar para além institucionalidade. Não podemos limitar nosso horizonte aos calendários eleitorais ou ao corporativismo sindical que divide os trabalhadores.
Correio da Cidadania: Sobre o transporte, o que comenta do recente aumento das tarifas?
Paulo Pasin: É uma lógica perversa. Querem privatizar tudo. Em São Paulo, por exemplo, o PSDB já entregou as linhas 4, 5 e 15 do Metrô para a CCR. As linhas 08 – Diamante (Amador Bueno/Júlio Prestes) e 09 – Esmeralda (Osasco/Grajaú) da CPTM serão as próximas. O maior absurdo é que uma das empresas do grupo CCR, segundo o Ministério Público Estadual, deve à previdência social cerca de 2,5 bilhões de reais e “levou” a linha 5 do Metrô por 550 milhões.
Nas empresas de transporte sobre trilhos (metrôs e ferrovias) administradas pelo governo Bolsonaro, que tinham tarifas subsidiadas, o aumento será superior a 136%. O motivo é evidente: tornar o transporte um negócio rentável para o capital privado. Por tanto, a luta contra a aumento das tarifas é indissociável da luta contra as privatizações.
Correio da Cidadania: O que comenta da redução de integração nas tarifas, a aceitação da justiça em anulá-la apenas para as três pessoas que ingressaram com ação na justiça e a notícia sobre a redução do número de viagens pela cidade?
Paulo Pasin: Todas as medidas que estão sendo tomadas pelo prefeito Bruno Covas visam dificultar a vida dos usuários do sistema de transporte coletivo. Nenhuma decisão judicial individualizada resolve o problema. Mais eficaz é a ação da Defensoria Pública e do IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) quando questionam na justiça as mudanças no Vale transporte e Bilhete Único, feitas pelo prefeito Bruno Covas.
Parece-nos que, no médio prazo, o que está em risco é o bilhete único. A SPtrans, braço da prefeitura responsável pelo gerenciamento do sistema de remuneração e distribuição de valores das passagens pelos modais de transporte coletivo privilegia o sistema privado porque os valores das tarifas e reajustes das linhas privadas do Metrô são determinados pelos contratos de concessão. Ou seja, são maiores do que as tarifas praticadas pelo sistema.
Sendo assim, com o aumento da quantidade de linhas privadas, o Metrô e a CPTM vão bancar o lucro das outras empresas. O balanço anual do Metrô de 2018 mostrou uma diminuição de receita de R$ 160 milhões na venda de créditos do Bilhete Único. A empresa alega que houve fraude e contratou uma auditoria externa, mas esta história está mal contada.
Correio da Cidadania: Como analisa o início de gestão do novo governador do estado, suas medidas e projetos até aqui apresentados? O que significam para o conjunto da população?
Paulo Pasin: Recentemente publicamos uma denúncia de que Doria pretende destruir o patrimônio público do estado de São Paulo. Todos os projetos encaminhamos por ele à Assembleia Legislativa são privatizantes. Num só projeto, o PL 01, privatiza ou extingue seis empresas que prestam serviços importantíssimos no estado. Tramitam também projetos de privatização do Ginásio de esportes do Ibirapuera, do Zoológico, do Jardim Botânico, do Zoo Safari.
No Congresso Nacional avançou a MP Marco Regulatório do Saneamento Básico (MP 868/2018), aprovada na terça-feira, 7, numa comissão. Se aprovada na Câmara e no Senado, Doria, que está nos EUA vendendo - ou melhor, entregando o patrimônio público - vai acelerar a privatização da Sabesp.
Correio da Cidadania: No plano federal, como enxerga o governo de Jair Bolsonaro do ponto de vista dos trabalhadores?
Paulo Pasin: O governo Bolsonaro é diferente de tudo o que se viu na história do Brasil. É produto de um golpe parlamentar-jurídico-midiático, numa conjuntura internacional de avanço da extrema-direita em vários países.
O presidente é um neofascista, com ligações diretas com as milícias do Rio de Janeiro, que tem como único objetivo a destruição de todos os já limitados direitos sociais, trabalhistas, previdenciários que estão previstos na Constituição de 1988. Quer entregar nosso patrimônio público e acabar com a soberania nacional. Estão promovendo verdadeira demolição, cujos efeitos serão sentidos por muitas gerações.
O angustiante é que parece que não caiu a ficha para muita gente da esquerda. A maioria atua como se estivéssemos num situação normal que pode ser revertida ou corrigida nas próximas eleições. Muitos já discutem a melhor tática para as eleições de 2020 e 2022. Quais alianças devem se realizar, quem são os candidatos a prefeito ou vereador.
Não é este o caminho. É hora da mais ampla unidade de ação para dar uma basta no governo Bolsonaro!
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.