Correio da Cidadania

A reforma da previdência de Bolsonaro e Guedes: presente para os bancos

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A Reforma da Previdência de Bolsonaro é desastrosa e tem gerado resistência por parte da maioria das brasileiras e brasileiros que observam atônitos o direito à aposentadoria escapar-lhe pelas mãos. O governo não tem o número de votos necessários para aprovação na Câmara. Esse placar não representa que apenas menos de três quintos dos deputados concordam com os pressupostos ultraliberais da proposta de Guedes, mas também que muitos deputados estão receosos do efeito corrosivo da defesa da PEC da previdência em suas respectivas bases eleitorais.

A despeito da ampla campanha midiática, governamental e empresarial em defesa da reforma, a população brasileira resiste em acreditar nas promessas de combate à desigualdade e privilégios quando justamente são os mais pobres que estão na mira da reforma. Sabedoria popular.

Além das mudanças que tornam os critérios para a aposentadoria mais rígidos e diminuem o valor dos benefícios, o projeto de Bolsonaro representa um salto sem precedentes rumo à financeirização da Previdência e praticamente o assassinato do sistema que hoje conhecemos como Seguridade Social. Trata-se da mudança do modelo utility de repartição, para o modelo commodities, onde as contribuições dos trabalhadores são capitalizadas em fundos de investimentos, em contas individuais, para recebimento futuro de benefícios de aposentadoria, sem transferências das contribuições das gerações antecessoras, representando a ruptura deste pacto social solidário.

A Seguridade Social, definida no art. 194 da Constituição Federal (CF) de 1988, talvez seja a grande conquista do processo de luta intenso que marcou o fim da ditadura militar no Brasil. A mobilização política e social da classe trabalhadora brasileira forçou a inclusão na carta magna do país um sistema que transfere parte dos custos com a proteção social (saúde, assistência social e previdência) aos grupos empresariais. O então deputado constituinte Florestan Fernandes definiu: “a burguesia entrega os anéis para não perder os dedos”. Agora, exige os anéis de volta.

O artigo 195 da CF define que o custeio da seguridade é partilhado entre empregadores, empregados e Estado. É isso que chamamos regime de repartição. Esta definição carrega um pressuposto importante: reconhece que a riqueza social gerada pelo trabalho de milhões de brasileiras e brasileiros deve proporcionar segurança para os mesmos, por meio da aposentadoria, de um sistema universal de saúde e assistência para as pessoas em situação de fragilidade. Por isso, parte dos lucros e dos rendimentos gerados pelo trabalho são destinados ao financiamento da Seguridade Social – Saúde, Previdência e Assistência Social.

O coração da Reforma de Bolsonaro é atacar esse sistema, individualizando os riscos, cada um por si e azar daqueles que não conseguirem poupar. Essa é a natureza do regime de capitalização concorrente com a previdência pública. A motivação não poderia ser mais mesquinha: isentar os grandes grupos econômicos do custeio desse sistema, ao mesmo tempo em que insere volumes vultuosos de dinheiro no mercado financeiro.

O regime de capitalização engorda os bolsos de banqueiros, acionistas e gestores de fundos privados de pensão que passam a dispor de um gigantesco volume de capital, ao mesmo tempo traz inúmeras armadilhas para a maioria do povo.

A primeira é a exclusão de um grande contingente da população brasileira que devido aos seus baixos salários, à condição de informalidade, desemprego, subemprego e de vulnerabilidade (por sinal agravada pelo Reforma Trabalhista de Temer), provavelmente não vai conseguir capitalizar, tampouco atender aos novos critérios de aposentadoria.

Neste contingente marginalizado, estão principalmente as mulheres e fundamentalmente as mulheres negras. Segundo pesquisa do DIEESE (nota técnica nº 202, de março de 2019), 47% das mulheres inseridas no mercado de trabalho não possuem registro em carteira; 62% das trabalhadoras domésticas não contribuem para a previdência.

A segunda armadilha é a desidratação da previdência pública que certamente levará o sistema a uma real situação de déficit, uma vez que, os critérios inatingíveis e o achatamento dos valores dos benefícios concedidos tornam a previdência pública não atrativa. Os trabalhadores de mais altos salários tenderão a migrar para o regime de capitalização, esvaziando o fundo do Regime Geral. Nesse ponto, o governo se cala sobre o custo dessa transição, que provavelmente será bem alto, como bem demonstrou a experiência chilena.

A terceira armadilha é a insegurança gerada para aqueles que aderirem à capitalização, uma vez que o benefício não é definido de antemão, mas depende do rendimento das aplicações no mercado financeiro. Na prática, a aposentadoria da população vai ficar refém das oscilações da ciranda financeira mundial, o que será um ataque mortal ao maior sistema de distribuição de renda do Brasil, um país que já figura entre os mais desiguais do mundo.

Em quase cem anos de Previdência Publica no Brasil, milhões de segurados puderam contar com o recebimento de seus benefícios nas datas programadas, sem atraso, garantidos pelo Estado. Na experiência chilena, os benefícios capitalizados no mercado privado sofreram atrasos e suspensões não avisadas e uma alta judicialização dos conflitos.

Para quem duvida do interesse sem vergonha de esvaziar a Previdência Pública basta observar pontualmente as mudanças nos critérios e benefícios do regime geral. Vale lembrar que o texto estabelece que estas seriam “regras provisórias”, sujeitas à alteração por Lei Complementar. Já podemos prever que os critérios tendem a endurecer ainda mais.

O texto da “Deforma” de Bolsonaro exige para aposentadoria a combinação da idade mínima de 62 anos para mulher, 65 para os homens e 20 anos de contribuição para os trabalhadores rurais e urbanos. No caso dos professores, a idade mínima é de 60 anos, mas com 30 anos de contribuição. Esses critérios tornam a aposentadoria praticamente impossível para a grande maioria da população brasileira, principalmente para as mulheres, negras e negros, trabalhadores rurais, juventude que ingressa no mundo do trabalho na forma de bico legalizado, ou seja, para os mais pobres que estão na situação de informalidade.

Além disso, reduz o valor dos benefícios como a pensão por morte e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) voltado para idosos em situação de miserabilidade, pessoas com deficiência ou com alguma incapacidade adquirida. Um modelo que gerou uma epidemia de miséria e pobreza na velhice de nossos hermanos chilenos.

Assim, fica bem claro o quão mentiroso é o discurso oficial do governo sobre “combate aos privilégios”. Paulo Guedes tem apresentado a perspectiva de economizar R$ 1 trilhão em 10 anos, entretanto, essa economia advém basicamente das dificuldades impostas para a aposentadoria e da redução do valor dos benefícios, justamente dos mais pobres.

Segundo dados do próprio governo, deste montante economizado, R$ 715 bilhões viria do Regime Geral, no qual, 66% seriam da redução de aposentadorias de um salário mínimo e R$ 180 bilhões da não concessão de BPC, ou seja, a “economia” pretendida seria realizada às custas dos mais pobres.

Se a preocupação do governo fosse realmente a saúde contábil da Previdência Social, o primeiro passo seria a implementação de políticas de investimentos na geração de empregos formais e a revogação da reforma trabalhista para que mais pessoas contribuam com a previdência e não o contrário. A verdade que está por trás da Reforma de Bolsonaro esconde-se em um projeto de país no qual o andar de cima concentra renda e riqueza e o andar de baixo fica ao “Deus-dará”.

Diante desse cenário dramático, a única alternativa para a grande maioria da população brasileira é a resistência. A greve geral de 2017 conseguiu atravancar a reforma de Temer. Agora, a versão piorada de Bolsonaro só será derrotada se conseguirmos dar uma resposta igualmente à altura.

Os atos do #EleNão e do 8 de março de 2019 inauguraram o ciclo de lutas contra Bolsonaro e suas perversas intenções. Na história, mais uma vez, as mulheres ganham protagonismo na resistência. Para derrotar a barbárie, queremos um mundo onde a vida esteja sempre em primeiro lugar.

Mariana Conti é vereadora pelo Psol em Campinas-SP; Fernanda Garcia é Vereadora pelo Psol em Sorocaba-SP.

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