Correio da Cidadania

“Não é possível separar a posição ideológica de Bolsonaro em fechar o regime político de seu projeto econômico”

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O segundo semestre da política brasileira começou com aprovação da Reforma da Previdência em segundo turno na Câmara e avanço da agenda do capital sobre o mundo do trabalho e o meio ambiente. Para comentar esta tônica e debater possibilidades de enfrentamento, o Correio da Cidadania entrevistou o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que fala da necessária unidade contra os projetos social, político e econômico representados pela figura do presidente Jair Bolsonaro.

“O fechamento de regime serve para facilitar a implementação deste programa econômico. Temos de estabelecer o enfrentamento que consiga dar conta de alianças contra o fechamento do regime e também contra o desmonte do Estado de garantias sociais e implementação da agenda ultraliberal”, analisou.

Na conversa, Braga também analisa as articulações e lutas sociais até agora registradas na oposição ao governo. Em sua visão, é necessário atingir os trabalhadores menos conectados aos sindicatos e organizações tradicionais e abandonar as ilusões de repetição de fórmulas de governabilidade supostamente bem sucedidas em passado recente.

“A história não se repete. O que precisamos agora é da construção de uma esquerda que entenda que nos desafios atuais a disputa deve ser feita a quente, sem delegar à institucionalidade a tarefa de resolver todos os nossos problemas num arco de alianças que compatibilize interesses contraditórios”, sintetizou.

A entrevista completa com Glauber Braga pode ser lida a seguir.


Correio da Cidadania: Ao voltar do recesso parlamentar e iniciar novo ciclo de atividades legislativas, qual o balanço que você faz do primeiro semestre do congresso brasileiro?

Glauber Braga: O primeiro semestre foi muito negativo, a exemplo da aprovação da Reforma da Previdência na câmara em primeiro turno, já aprovada também, ao lado de medidas do governo que visam fechar o regime. Somam-se ainda medidas legislativas, capitaneadas por Moro, que ampliam o Estado policial e ações presidenciais de reforço de fundamentalismo de diversos tipos da base de apoio.

No retorno do recesso nosso objetivo é acumular forças para que este conjunto de estruturas sejam devidamente combatidas.

Correio da Cidadania: Qual a tendência de debates e projetos do segundo semestre, em sua visão? Acredita que o governo de Bolsonaro possa conquistar avanços em sua agenda, independentemente do grau de aprovação popular?

Glauber Braga: Acredito que o segundo semestre terá a continuidade do desmonte do Estado brasileiro em suas garantias sociais, sob comando de Paulo Guedes e Rodrigo Maia, retirada de direitos trabalhistas, rodadas de privatizações, submissão do Brasil aos interesses do governo dos Estados Unidos, abrindo mão do desenvolvimento autônomo nacional. Ao mesmo tempo, Bolsonaro tentará aprovar suas medidas e fará sua disputa social para fortalecer a extrema-direita.

Ele tem 30% de aprovação, a oposição também tem cerca de 30% de apoio e nossa tarefa é evitar que essa base aumente, avançando sobre os 40% que representam aqueles brasileiros indecisos ou sem convicção clara sobre o que representa o governo Bolsonaro.

Correio da Cidadania: Como enxergou as principais manifestações de resistência à agenda econômica do governo, em especial a greve geral? Acredita que ainda estão muito restritas a organizações mais tradicionais?

Glauber Braga: Para alcançar uma greve geral precisamos de uma articulação muito próxima com o setor de transportes, onde o nível de emprego é alto, além dos trabalhadores do setor privado, que estão com muito medo.

Precisamos articular o setor público, em especial os segmentos ligados à educação, com os trabalhadores do setor privado, com sensibilização dos setores de transportes nos grandes centros. Nessas condições poderemos alcançar uma greve geral que realmente exerça uma influência para barrar a agenda de desmonte de Bolsonaro.

Correio da Cidadania: Acredita que essas organizações tradicionais estão à altura dos desafios atuais? Você não sente um rebaixamento ideológico após anos de certa acomodação com governos tidos como progressistas?

Glauber Braga: Neste momento devemos contar com apoio de todos aqueles que se alinhem contra o fascismo, o fechamento do regime e a colocação em prática de medidas de desmonte de garantias sociais.

Os sindicatos sofreram enorme baque a partir de medidas aprovadas por este governo e infelizmente não conseguimos gerar uma disputa, em períodos anteriores, em favor de uma agenda militante capaz de gerar base social que se tornasse maioria social pra deter as medidas aplicadas agora.

Mas a tarefa segue em aberto, é a lacuna que devemos preencher e para tal precisamos nos mobilizar e contar com todas as organizações que se disponham a fazer isso.

Correio da Cidadania: Do ponto de vista historicamente mais amplo, como enxerga a figura e o círculo de Jair Bolsonaro? O que representam para o Estado brasileiro e o projeto de democracia nacional?

Glauber Braga: Bolsonaro é um projeto anticivilizatório e de fortalecimento da extrema-direita, com submissão do Brasil aos interesses dos Estados Unidos, com avanço de privilégios para o andar de cima e retirada de direitos para a base da pirâmide. Um grande perigo não só para a democracia, mas para o Estado de garantias sociais.

O fechamento do regime e sua representação têm de ser parados. Não se combate o fascismo só em espaços parlamentares, mas com trabalho de base, mobilização de rua, conquista de maioria social ou pelo menos conquista de núcleos duros que consigam fazer o enfrentamento frontal do fascismo.

Correio da Cidadania: O aspecto econômico de seu governo, cuja agenda é mais ou menos veladamente apoiada por amplos setores de sustentação de governos anteriores, em especial do PSDB, não demonstra afinal de contas que tipo de burguesia tem o Brasil e seu nível de compromisso com as liberdades civis e a cidadania? É possível separar os arroubos verbais e ideológicos do presidente de seu projeto econômico?

Glauber Braga: Não considero possível separar a posição ideológica de fechamento do regime de Bolsonaro do projeto econômico. O fechamento de regime serve para facilitar a implementação deste programa econômico. Temos de estabelecer o enfrentamento que consiga dar conta de alianças contra o fechamento do regime e também contra a agenda de desmonte do Estado de garantias sociais e implementação da agenda ultraliberal.

Objetivamente: mesmo aqueles que são contra os arroubos ideológicos de Bolsonaro não podem “passar pano” em relação à agenda ultraliberal. É preciso enfrentar ambos.

Correio da Cidadania: Não parece majoritária nas esquerdas a concepção de que bastaria voltar a um certo passado para que tudo voltasse a uma suposta normalidade positiva? Você acredita em saídas de tamanha crise por meios institucionais?

Glauber Braga: A história não se repete. O que precisamos agora é da construção de uma esquerda que entenda que nos desafios atuais a disputa deve ser feita a quente, sem delegar à institucionalidade a tarefa de resolver todos os nossos problemas num arco de alianças que compatibilize interesses contraditórios.

É fundamental, através de mobilização popular e das nossas bandeiras, que precisam seguir levantadas, que aglutinemos um verdadeiro movimento social de resistência e avanço dos direitos do povo brasileiro. Essa é nossa tarefa. Voltar atrás, ao passado, não dá conta dos desafios que temos pela frente. E precisamos estar à altura dos novos desafios.

Correio da Cidadania: Considerando o contexto internacional, a onda de extrema-direita veio pra ficar?

Glauber Braga: O contexto internacional é duro, mas a onda de extrema-direita tem de ser combatida. E será vencida. Não podemos entrar na disputa com posições derrotistas, de que “veio para ficar”. De jeito nenhum. Iremos enfrentá-la e vencê-la.


Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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