A pandemia do novo Coronavírus e a aceleração da necropolítica
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- Potiguara Lima e Virginia Baldan
- 19/03/2020
Charge: Junião, Ponte Jornalismo
Vivemos uma crise de saúde global em que os casos do novo Coronavírus explodem no mundo todo revelando tanto a fragilidade das políticas de contenção da expansão da pandemia quanto a incapacidade dos sistemas de saúde em acolherem aqueles que precisam de assistência hospitalar. No Brasil, o crescimento da doença é favorecido pelas declarações e atitudes irresponsáveis do presidente Bolsonaro, que já chamou a crise de fantasia e participou de aglomeração de pessoas em meados de março incentivando a disseminação da COVID-19.
A incapacidade da maioria dos países em lidar com a pandemia de forma a resguardar a vida e a saúde da imensa maioria da população mundial revela a crise mais profunda que vive o próprio capitalismo, incapaz de gerar trabalho, renda, cuidados básicos de saúde e tudo o que é necessário para garantir uma vida digna para o conjunto da humanidade.
A população idosa é a faixa etária que mais sofre com complicações associadas a infecções respiratórias e a problemas de saúde em geral. E não está sendo diferente com a COVID-19. Em alguns países onde a capacidade do sistema de saúde é ultrapassada pelo crescimento dos casos da doença, há idosos doentes abandonados à morte por falta de cuidados hospitalares.
O processo contínuo de retirada de direitos previdenciários e de sucateamento do sistema público de saúde pelo mundo torna a população idosa cada vez mais indesejada e “descartável” para o capitalismo contemporâneo. As crises de saúde pública aceleram ainda mais esse processo. Não se trata de um acaso, mas de um conjunto de medidas de descaso com os idosos, vistos como “pesos-mortos” por não poderem ser explorados nos postos de trabalho, postos estes cada vez mais precários.
A política que penaliza aqueles que já se encontram em situação de saúde frágil (como os idosos, mas também as pessoas doentes e os pobres sem acesso adequado à alimentação e condições básicas de vida) é conhecida como necropolítica. A necropolítica é a política que traz mais sofrimento, humilhação e morte a milhões e milhões de seres humanos que já vivem em condições degradantes.
A necropolítica é a marca dos ataques à previdência, da manutenção do desemprego (“necessário” para que sejam pagos baixos salários), do aumento dos trabalhos precários e da destruição dos serviços públicos, assim como do crescimento do crime organizado, da brutalidade policial nas periferias e da piora das condições de vida do povo em geral.
Bolsonaro é hoje o principal representante da necropolítica em nosso país. Os defensores dos lucros dos bancos e dos grandes empresários às custas do empobrecimento do povo e da destruição do meio ambiente encontraram no atual presidente uma alternativa conveniente para atingirem seus objetivos.
Por conta disso, as classes dominantes brasileiras até agora têm se mostrado condescendentes com a ignorância, truculência e covardia de Bolsonaro. Entretanto, a revolta popular que se gesta diante do desdém revelado com a saúde do povo brasileiro em face dessa grave crise pode tornar a manutenção de Bolsonaro à frente da presidência insustentável.
A pandemia atual tem gerado preocupação e perplexidade em relação aos seus efeitos imediatos e às suas consequências. Em termos imediatos impressiona a incapacidade do sistema em que vivemos de desacelerar a fim de salvar vidas. O discurso repetido pelos representantes mais fanáticos da necropolítica, com Bolsonaro à frente, é “a economia não pode parar”.
O ministro da Economia de Bolsonaro, o banqueiro Paulo Guedes, observou com tranquilidade que na China “só” haviam morrido 5 mil pessoas. Os negócios não podem parar, o dinheiro não pode parar de circular e gerar mais dinheiro. Ainda que isso custe vidas, que poderiam ser poupadas se a prioridade fosse... A vida.
Contra a necessidade crescente de solidariedade para enfrentar crises humanitárias, ainda têm prevalecido os interesses privados de alguns poucos que cada vez mais extraem seus lucros às custas de mortes dos descartáveis e da degradação do mundo. E essa escalada perversa e cruel também já não pode mais seguir sua marcha sem sacrificar e vilipendiar crescentemente as conquistas científicas da humanidade. Assim, vivemos em um mundo cada vez mais sem cuidado e sem razão. Até quando?
Potiguara Lima e Virginia Baldan são professores de educação básica e militantes do PSOL.