Moro se demite e deixa Bolsonaro seminu
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- Raphael Sanz, da Redação
- 24/04/2020
Sexta-feira, 24 de abril. O ministro da Justiça Sérgio Moro acaba de sair do governo Bolsonaro por conta própria. Com ele, cai um dos pilares do bolsonarismo diante da grande imprensa, da institucionalidade e de muitos de seus seguidores. Está claro que Bolsonaro apoia suas sandices na credibilidade que Moro e Guedes supostamente passam para esses setores. Perdeu uma das pernas. Se perderá a outra? Tudo indica que é improvável, pois andam com o discurso bem alinhado. Mas justificar abominações como os ministros da Educação e das Relações Exteriores, entre outras tantas, ficará ainda mais difícil para a família presidencial, independente das fake news e malabarismos narrativos que os bolsonaristas possam fazer para desqualificar um juiz que lhes prestou enormes serviços.
No bojo do pedido de demissão mais assistido da quarentena brasileira, na manhã desta sexta-feira Moro convocou uma coletiva de imprensa que se tornou uma verdadeira delação premiada – como apontaram alguns memes de humor político na internet, corretamente.
“Falei ao presidente que seria uma interferência política, ele disse que seria mesmo”, contou o agora ex-ministro sobre a insistência do presidente na troca de comando da Polícia Federal. O superintendente da PFRJ havia pedido para sair por razões pessoais, segundo Bolsonaro, que o queria sacar. Moro conta outra outra história, e então divergiu do presidente sobre quem seria o substituto, o que foi caracterizado pelo ex-ministro como interferência política e originou seu argumento oficial de saída.
“A questão não é quem colocar, mas permitir que seja feita a interferência política no âmbito da Polícia Federal. O presidente disse que queria alguém que ele pudesse ligar e ter acesso a informações. Esse não é o papel da Polícia Federal”, afirmou no pronunciamento. Faltou dizer com mais vontade que também não é o papel do presidente.
Logo na sequência, Moro, um dos expoentes da Lava Jato e da derrubada de Dilma Rousseff, não conseguiu fugir da comparação, e deu essa alfinetada em Bolsonaro. “É certo que o governo da época [Dilma] tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção. Mas foi fundamental a autonomia da PF, essa autonomia foi mantida. (...) Imagina se a Dilma ficasse ligando para superintendente da PF para colher informações da Lava Jato”, afirmou.
Dado o teor das suas declarações, se este jornalista tivesse a oportunidade, perguntaria ao ex-ministro: “Mas o senhor nem sequer imaginava que as coisas chegariam a este ponto com tantos indícios, provas e convicções sobre o caráter de Bolsonaro?” Já sabemos as repostas prováveis e nenhuma delas seria satisfatória.
Mas olhando por outro lado, apesar da grave denúncia sobre o aparelhamento do comando da PF, Moro ainda deve explicações sobre suas intervenções, na mesma instituição, que deixaram o caminho aberto para a atividade criminosa do presidente Bolsonaro por mais algum tempo. Nenhum pio sobre as intervenções no COAF, nem sobre as investigações das movimentações financeiras de Flávio e Queiroz, nem sobre as laranjas do PSL, entre muitos outros escândalos.
A impressão que dá é que encaminhado o eleitoreiro e genocida ‘pacote anticrime’, dadas as condições para as odiosas reformas que propõe Guedes e dada a cobertura ao presidente, Moro está liberado para curtir um ano sabático após tantos serviços prestados para a maravilhosa democracia brasileira.
Sua reputação construída diante dos meios de comunicação e dos políticos de direita, após a derrocada do lulismo no poder, lhe garantiram tanto a força para oferecer o pronunciamento e sua respectiva denúncia, quanto as oportunidades de crescimento da sua carreira como político e jurista. Se abraçará esta oportunidade, ainda não é possível dizer. O que vemos é um enorme entusiasmo por parte de muitos editoriais da ‘grande’ imprensa, mas ainda nenhuma sinalização do ex-ministro.
Repercutindo o pedido de demissão, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, já declarou que seus braços estão abertos na baía de Guanabara para o ex-ministro.
Também João Dória prestou suas homenagens em pronunciamento na capital paulista. No discurso, caracterizou a saída do ministro como ‘golpe contra a democracia’, e lamentou que o Brasil tenha, além do Covid-19, um outro ‘vírus ocupando o Planalto’.
A saída de Moro abre uma nova crise no Governo Federal com as denúncias de interferência do presidente na PF. Somada à recente demissão de Mandetta, que comprovou também a existência de desconforto com a ala militar. A crise dentro do governo parece aumentar.
A Folha apurou em matéria publicada também na sexta-feira (24) que a ala militar ‘se sente traída e estuda se segue no governo’. Além do pronunciamento de Moro e da demissão de Mandetta, os militares também não teriam engolido a exoneração de Maurício Aleixo do cargo de diretor da PF, por não terem sido consultados.
Sem Moro, sem Mandetta, sem boa parte do baixo clero parlamentar que já compôs sua base, com o agronegócio irritado com as rusgas com os chineses e agora abalada a relação com a ala militar, sobrou ao governo manter o apoio dos alucinados olavistas, de pastores mafiosos e daquilo que convencionou ser chamado pela esquerda – equivocadamente – de ‘gado’, ou seja, os seus apoiadores mais fanáticos entre a população, das mais variadas classes e cores, apesar do forte recorte branco e de classe média nos atos de rua.
Perdendo apoio em escala exponencial e demonstrando total incompetência e falta de noção, o governo teria tudo para cair. Mas não esqueçamos: estamos no Brasil!
O único fator que parece pender a favor da manutenção do presidente é a absoluta falta de vontade política de todo o espectro político brasileiro em seu impeachment. Não fosse assim, o processo já estaria bem adiantado. Razões não faltam. E Bolsonaro não cruzou esse limite no último domingo quando discursou diante de faixas que pediam intervenção militar em meio à pandemia, mas ainda em 1999, quando na televisão afirmou em famosa entrevista que caso fosse eleito presidente, ‘daria o golpe no mesmo dia’.
Bolsonaro sempre foi desejado pelo andar de cima. Para uns é o melhor adversário com quem antagonizar, para outros funcionou como um verdadeiro trampolim político-econômico e já pode ser jogado fora. Quem realmente quer que ele saia é o trabalhador brasileiro que ainda consegue entender minimamente o que acontece no país, mas numa democracia representativa como a nossa pouco ou nada consegue cobrar.
Agora veremos se Moro e Mandetta buscarão substituir o chefe a curto ou a longo prazo, ao lado de Dória e Witzel, os quais sabemos que já vislumbram a possibilidade. Para a esquerda institucional, ou pelo menos a quem a hegemoniza, a ordem parece ser sangrar Bolsonaro e apostar em 2022. Deste campo, seguimos aguardando algo além de notas de repúdio.
O governo está sangrando, a pandemia se acentuando e a ofensiva burguesa contra os trabalhadores, seus direitos e sua autonomia segue de vento em popa. Esperemos para confirmar, mas ao que tudo indica abre-se agora a disputa pela sucessão, a ver quem deve gerir esse grande Macunaíma autoritário e entreguista que é o projeto de país das elites brasileiras.
Nota:
Após o fechamento deste artigo o presidente Jair Bolsonaro fez seu pronunciamento ao vivo, ainda na sexta-feira (24), onde a partir de um teatro grotesco negou as acusações de Moro, sugeriu que a escolha do novo superintendente da PF deveria ser por sorteio e acusou Moro de negociar a troca na PF por vaga no STF. Entre tudo isso, deixou uma confissão de culpa nas entrelinhas sobre seu interesse em aparelhar a PF e blindar os escândalos que esbarram em seus filhos e esposa. Bolsonaro ainda fez falas completamente ensandecidas sobre si próprio e destilou sua falta de saúde mental ao se colocar como alguém que ‘enfrenta o sistema’, em suas palavras. Enquanto isso, Augusto Aras, chefe da Procuradoria Geral da República, pedia inquérito ao STF para investigar a ‘delação’ de Moro. Resta à imprensa brasileira começar a tratar o presidente como ele realmente é: um político vulgar, violento, extremamente corrupto e incompetente.
Raphael Sanz é jornalista e editor-adjunto do Correio da Cidadania.
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