“Não é possível atender às necessidades da população e ao mesmo tempo cumprir a austeridade fiscal”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 06/11/2020
São Paulo se aproxima das eleições municipais num contexto de visível empobrecimento de sua população e atordoada por uma pandemia que matou no mínimo 14 mil pessoas na cidade e gerou desemprego em massa. Enquanto algumas candidaturas insistem no discurso moralista e supostamente focado na “boa gestão”, a candidata socialista Vera Lucia Salgado é taxativa em apresentar um programa anticapitalista como única saída de enfrentamento real a um quadro que, em sua visão, ainda vai piorar. Confira a entrevista que o Correio fez com a candidata do PSTU.
“O poder público tem a obrigação de lançar planos de obras públicas para garantir emprego com todos os direitos trabalhistas, reduzir a jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução de salários, fazer empréstimos a custo zero para micro e pequenas empresas desde que estas mantenham os postos de trabalho. E para os desempregados pagar um piso salarial de São Paulo para que possam sobreviver até arranjar emprego. Os recursos para isso têm de ser tirados dos multibilionários que vivem em São Paulo e ganharam muito dinheiro durante a pandemia. Além disso, temos que cobrar a dívida ativa que atinge 130 bilhões, a começar pelos bancos e grandes empresas”, enumerou.
Na conversa, Vera Lucia considera um fracasso a maneira com a qual a prefeitura lidou com a pandemia, uma vez que a testagem nunca foi massiva e os trabalhadores das classes populares não tiveram chance de aderir à quarentena. A candidata, formada em Ciências Sociais na Universidade Federal de Sergipe e oriunda do movimento sindical e trabalhista, universo em que exerceu profissões diversas, elenca “emprego, saúde, educação e o genocídio da juventude negra e outras formas de opressão são as principais pautas de São Paulo”.
Mas pondera: “não é possível atender às necessidades da população e ao mesmo tempo cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e o pagamento da dívida municipal com a União. Tampouco soluções estruturais são possíveis contando apenas com o orçamento municipal”.
A entrevista completa com Vera Lucia Salgado pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como enxerga o contexto eleitoral em meio à pandemia? A abstenção pode ser maior do que a média histórica?
Vera Lúcia Salgado: A pandemia é muito perigosa e ainda não acabou. Infelizmente, todos os governantes fracassaram no combate ao coronavírus e o número de contaminados e mortos não para de crescer.
Temos de aproveitar as eleições para fazer esse debate com a classe trabalhadora, mesmo com todos os limites impostos pela legislação eleitoral antidemocrática e pela pandemia. É possível que a abstenção cresça, seja devido à pandemia ou ao descrédito popular.
Correio da Cidadania: Acredita que algum espectro político-ideológico poderia tirar proveito de uma menor presença nas urnas?
Vera Lúcia Salgado: A menor presença nas urnas em geral favorece os candidatos do poder econômico.
Correio da Cidadania: No caso de São Paulo, onde você concorre, quais seriam as principais pautas da cidade?
Vera Lúcia Salgado: As principais pautas são o emprego, a saúde, a educação e o genocídio da juventude negra e outras formas de opressão.
O desemprego cresceu e vai continuar alto mesmo com o fim da pandemia porque a crise capitalista é profunda e mundial. A pandemia não acabou e pode ser que tenhamos uma segunda onda no Brasil sem sequer ter terminado a primeira. A educação não é priorizada e para as mães da classe trabalhadora faltam até mesmo vagas nas creches.
Nesse cenário de carestia, aumenta a violência racista, machista, lgbtfóbica, xenófoba, contra as pessoas com deficiência. Todas essas desgraças são obra do capitalismo.
Correio da Cidadania: Você é uma figura construída através do movimento sindical e trabalhista. Como enxerga a situação da classe trabalhadora em São Paulo, no contexto de longa recessão agravada pela pandemia? O que o poder público pode fazer pela enorme fatia da população que vive o rebaixamento de suas condições de vida?
Vera Lúcia Salgado: A situação da classe trabalhadora e da população pobre é dramática e tende a piorar. Bolsonaro prepara para depois das eleições novos pacotes de maldade contra os direitos operários e populares como a reforma administrativa e tributária.
O poder público tem a obrigação de lançar planos de obras públicas para garantir emprego com todos os direitos trabalhistas, reduzir a jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução de salários, fazer empréstimos a custo zero para micro e pequenas empresas desde que estas mantenham os postos de trabalho. E para os desempregados pagar um piso salarial de São Paulo para que possam sobreviver até arranjar emprego.
Os recursos para isso têm de ser tirados dos multibilionários que vivem em São Paulo e ganharam muito dinheiro durante a pandemia. Além disso, temos que cobrar a dívida ativa que atinge 130 bilhões, a começar pelos bancos e grandes empresas.
Correio da Cidadania: Como avalia a última gestão da cidade, dividida entre dois anos de Doria e dois de Bruno Covas?
Vera Lúcia Salgado: A prefeitura fracassou completamente no principal desafio que enfrentou: o combate ao Covid-19. São Paulo é uma das três cidades mais atingidas pela pandemia no mundo. Os números oficiais estão ao redor de 14 mil mortes, mas o número real é de cerca de 20 mil. É uma catástrofe. A prefeitura não fez até hoje a testagem em massa para guiar o combate à pandemia. A quarentena foi parcial, com 70% da economia funcionando, e os trabalhadores mais pobres se contaminando e morrendo. Um fracasso total!
Correio da Cidadania: Caso eleita, você governaria num contexto econômico onde a austeridade fiscal parece um dogma intocável e, no caso estadual, com a possível influência do PL 529, que se sancionado pode enxugar a máquina pública em diversas frentes. Como promover mudanças de qualidade na vida social sob tais condições?
Vera Lúcia Salgado: Não é possível atender às necessidades da população e ao mesmo tempo cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e o pagamento da dívida municipal com a União. Tampouco soluções estruturais são possíveis contando apenas com o orçamento municipal. Na verdade as desgraças que atingem a nossa classe (o desemprego, a precarização do trabalho, a fome, moradias inadequadas, falta de saneamento básico), só terão fim com medidas contra o capitalismo, que é a base de todo o sofrimento pelo qual a classe trabalhadora passa.
Correio da Cidadania: Dessa forma, há condições de promover transformações relevantes dentro do atual modelo de democracia representativa?
Vera Lúcia Salgado: As liberdades democráticas são uma conquista da classe trabalhadora. Com elas temos melhores condições de nos organizar para lutar pelos nossos direitos e pelo poder. Aliás, Lenin dizia que fora do poder tudo é ilusão. Isso é verdade. O atual modelo de democracia representativa é feito para atender aos ricos, aos capitalistas - bancos, agronegócio, a grande burguesia industrial e comercial, tanto nacional como estrangeira. Defendemos outro tipo de democracia, a democracia operária que foi realidade na Comuna de Paris no século 19 e durante os cinco primeiros anos da Revolução Russa de 1917, quando Lenin ainda estava vivo.
Um regime político baseado em conselhos operários nos quais a classe trabalhadora goza de amplas liberdades democráticas para discutir e decidir os rumos da nação, e no qual as riquezas produzidas pelos trabalhadores e trabalhadoras são apropriadas pela própria classe trabalhadora, sem burgueses parasitas. Nessa sociedade nem a exploração e nem a opressão teriam lugar. Para conquistarmos essa sociedade, precisamos da classe trabalhadora organizada em movimento, realizando uma revolução socialista internacionalista.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.