Levanta-te e morre, 2020
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- Raphael Sanz, da Redação
- 23/12/2020
O ano de 2020 finalmente chega ao seu fim. Como ao fim chegaram quase 200 mil vidas, sem contar a subnotificação, nas circunstâncias relacionadas à pandemia do novo coronavírus que ainda contou com uma quarentena e uma campanha de vacinação sabotadas pelas autoridades. Só não chega ao fim o reinado da camarilha de impostores que conquistaram o Estado brasileiro - democraticamente, é sempre bom lembrar. Também não chegaram ao fim os latidos das forças policiais em resposta aos assovios dos donos do poder. E bem, é disso que se tratou esse ano de merda.
Desculpe-me o leitor que se incomodar com os palavrões. Acontece que a língua portuguesa falhou miseravelmente em criar palavras de alto escalão que descrevam esse maldito ano, nossos maravilhosos gestores e seus capangas.
Mas não usarei essas páginas para lamentações. Aproveitando a semana de Natal, parafrasearei o aniversariante do mês e seguirei adiante: levanta-te e morre, 2020!
Mas que raios podemos tirar de positivo desse ano? Respondo: a revolta.
Simples assim. A capacidade de se revoltar é o que nos torna humanos, e vivos, já diria o famoso anarquista russo Mikhail Bakunin lá no século 19. E que atire a primeira pedra nas vidraças de bancos quem nunca deu razão, pelo menos uma vez na vida, a esse renegado pensador, ainda que inconscientemente.
Nos EUA a revolta popular já vinha crescendo faz algum tempo, tanto contra o governo de um bilionário alucinado, quanto em relação à polícia de lá – desnecessário dizer que racista e assassina; tais ‘qualidades’ se enquadram naturalmente no termo ‘polícia’ em qualquer canto do mundo.
Também no Brasil nos revoltamos contra o racismo policial, mas com a especificidade de que qualquer zé ruela com um trampo de segurança terceirizado se sente com o poder de juiz e policial – desnecessário também lembrar que muitos realmente o são, apesar da lei não permitir, o que nos mostra mais uma contradição dentro dessa enorme indústria de insegurança e obscurantismo.
Mas não é só de Brasil e Estados Unidos que se fazem as revoltas contra a polícia. Na Nigéria delegacias foram queimadas em protesto contra a violência policial; Filipinas, Belarus, Chile e tantos outros países também foram às ruas em revolta contra os seus respectivos coxinhas e aqueles de quem recebem as ordens. Resumindo: ninguém aguenta mais a polícia e o capitalismo; seja na América, na África, na Europa ou na Ásia.
Qualquer proposta decente e razoável de vida pós-pandêmica deve incluir o desmonte do aparato repressivo, isso já está mais do que claro. No Brasil, deve incluir também as Forças Armadas e suas revoltantes mordomias.
Outra proposta que, neste ano de 2020, apareceu nas páginas desse Correio, foi a importância de parar completamente o desmatamento em nosso país, pela vida não mais das próximas gerações, mas da geração atual mesmo, que já vive em muitos casos - especialmente os mais pobres - um apocalipse ambiental tremendo. E qual a resposta da camarilha de mafiosos que se apoderou dos instrumentos de controle das nossas vidas? É claro: centenas de milhares de novos hectares de Pantanal ou Amazônia completamente destruídos pelos fogos propagados em nome da pecuária industrial. E ainda há quem se incomode com pedradas em bancos ou mesmo com discursos inflamados. Vá entender...
Também tivemos inomináveis problemas na educação, na cultura, perseguições sistemáticas contra jornalistas e lideranças sociais e comunitárias, feminicídios a torto e a direito e a consolidação cada vez mais forte da subjetividade neoliberal, subserviente a qualquer chefinho ou guru do momento, inclusive dentro daquilo que se chama de esquerda. A lista é interminável, e só não irei continuá-la pois este artigo precisa acabar logo, como este ano.
De qualquer forma, fica a lição de que, para vivemos com alguma dignidade num futuro próximo, precisamos parar as máquinas. E para parar as máquinas, precisaremos perder o que restou da nossa paciência no ano que vem. O Chile que o diga.
Viva o som da explosão!
Raphael Sanz é jornalista e editor do Correio da Cidadania.