Aonde está a população negra no Orçamento do Rio de Janeiro?
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- Dani Monteiro
- 21/06/2021
A proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022, apresentada pelo governador Cláudio Castro à Assembleia Legislativa, é reveladora. O vasto documento a ser referendado pelos deputados estabelece as metas, as políticas públicas e prioridades do Executivo do Rio de Janeiro para o exercício de um ano cujas eleições são as mais aguardadas dos últimos tempos. Mas não é sobre o pleito eleitoral que discorro aqui, e sim sobre as propostas do governo estadual sobre onde e com quem pretende gastar o dinheiro que pertence a toda a população. É sobre a ausência de interesse e preocupação em relação a determinadas agendas e pastas, especialmente aquelas que deveriam ser direcionadas ao combate ao racismo. Ao que indica no texto que o governador Cláudio Castro espera ter aprovado faltou combinar com os negros e negras a fatia que nos cabe desse bolo.
Até a LDO de 2019, aprovada em 2018, a seção “das metas e prioridades da administração pública estadual” incorporava, explicitamente, o “enfrentamento pelo poder público das desigualdades sociais, raciais, de sexo, regionais e das violações de direitos”. A partir da entrada da atual gestão, que começou com o já afastado Wilson Witzel, há amargos e sofridos dois anos e meio, as peças formuladas deixaram de demarcar tal prioridade. Parece uma expressão meramente simbólica, mas a retirada desse precedente reflete o direcionamento político a que estamos submetidos.
As palavras “negr/o/a/os/as” estão presentes em somente quatro ações do projeto da LDO enviado pelo Executivo à Alerj. Uma única prioridade criada pelo Executivo contém a palavra “negra”, a “Ação de conservação do Formigueiro-de-cabeça-negra implantada”, dentro da ação “Proteção da Biodiversidade e dos Sistemas Florestais - INEA”. Sim, a única referência a essa vasta parcela da população fluminense originada diretamente do Poder Executivo é sobre um formigueiro. E a única vez em que a palavra "racismo" é escrita é por emendas parlamentares.
A desigualdade racial em nosso país se apresenta de tal forma que é impossível desconhecê-la. Ela se expressa em diferentes dados que tratam das condições de brancos e não brancos. Segundo o IBGE, 70% das pessoas classificadas na extrema pobreza no país são pretas ou pardas. Em 2018, o rendimento médio domiciliar per capita de pretos e pardos era de R$ 934, enquanto o de brancos era quase o dobro, R$ 1.846. E, embora com menor renda, são as mulheres negras e pobres aquelas que mais pagam impostos em nosso país e estado, uma vez que a tributação recai prioritariamente sobre o consumo, e não sobre a renda e patrimônio. Essa desigualdade econômica também se expressa nos postos do mercado de trabalho e entre os representantes do Poder Legislativo. Negras e negros são minoria em altos cargos no mercado de trabalho e representam apenas 28,9% dos deputados estaduais eleitos em 2018. É preciso reconhecer que desigualdade e racismo caminham lado a lado.
Historicamente, o Estado brasileiro formulou políticas explícitas de discriminação racial. Atualmente, entretanto, em boa parte dos casos, esse mesmo Estado trata desigualmente brancos e negros através de políticas supostamente “neutras”. Sob esse viés, a ação estatal impacta de modo diferente brancos e não-brancos, e tem atuado muitas vezes no sentido de acentuar a desigualdade racial. Ora, o suposto "não enxergar cor" e não diferenciar esse viés no orçamento contribui para que ele seja uma peça direcionada à perpetuação da branquitude.
O racismo não será enfrentado sem ações concretas, em silêncio. É preciso nomear a desigualdade racial de nosso país e desenvolver mecanismos que deem conta concretamente da produção de políticas para a garantia de direitos historicamente negados. A formulação de políticas públicas - e, portanto, o seu financiamento expresso no orçamento - precisa reconhecer ativamente a existência do racismo e da dívida histórica que o Estado brasileiro possui com a maioria da sua população, composta por negros e negras. Para isso, é preciso que os formuladores de políticas públicas compreendam a existência destas desigualdades e a necessidade de estabelecer políticas que as combatam.
Dani Monteiro é deputada estadual (Psol) e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj.