Correio da Cidadania

Investigados por fake news, empresários bolsonaristas têm offshores em paraísos fiscais

0
0
0
s2sdefault

Esta reportagem faz parte do Pandora Papers, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que reúne mais de 600 repórteres de 151 veículos em 117 países e territórios. O Pandora Papers investigou milhões de documentos de paraísos fiscais em todo o mundo. No Brasil, participaram da apuração Agência Pública, revista piauí, Poder360 e Metrópoles.

Os empresários bolsonaristas Otávio Fakhoury e Marcos Bellizia, investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito das fake news — que apura o financiamento e a disseminação de notícias falsas e ataques contra ministros da Corte —, são donos de offshores nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal no Caribe. Fakhoury, presidente do PTB de São Paulo e alvo da CPI da Pandemia, também possui uma empresa sediada no Panamá, cujos ativos chegam a 3 milhões de dólares. “Todas estão dentro da lei”, diz ele, que apresentou comprovantes do Imposto de Renda à Agência Pública.

As informações constam nos Pandora Papers, arquivos inéditos analisados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) em parceria com mais de 600 jornalistas de 151 veículos — dentre os quais, a Pública — em 117 países e territórios. Os 11,9 milhões de documentos foram obtidos a partir de bases de dados de 14 escritórios especializados na criação e gestão de offshores em todo o mundo.

Manter negócios e contas bancárias fora do país não é crime, desde que sejam declaradas anualmente à Receita Federal — a não ser em caso de saldos de contas correntes e aplicações financeiras inferiores a R$ 140, bens móveis abaixo de R$ 5 mil e ações e quotas de uma mesma empresa de valor menor de R$ 1 mil — e ao Banco Central, quando os ativos superam R$ 1 milhão.

Mesmo quando não é ilegal, a prática dificulta o rastreamento dos valores, como explica o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e doutor em Direito Tributário, Gustavo Fossati. “Todo dinheiro ou patrimônio relacionado à offshore é muito pouco ou quase nada monitorado, ao passo que se estivesse no Brasil seria altamente monitorado”, observou, falando em tese — ou seja, sem conhecimento dos pormenores dos casos e da identidade dos empresários. O advogado explica que, como regra geral, os países onde os investidores possuem offshores os protegem em relação aos sigilos bancário e fiscal.

Membro da CPI da Pandemia, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou durante o depoimento de Otávio Fakhoury à comissão, na última quinta-feira (30/09), que parte do dinheiro que financia as fake news no Brasil vem de offshores, conforme apontam as investigações que obtiveram a quebra de sigilo bancário de sites e blogueiros acusados de disseminar notícias falsas.

O empresário Marcos Bellizia não informou à Pública se declarou sua empresa à Receita Federal ou ao Banco Central, conforme determina a lei. Ele se justificou dizendo que está afastado da militância bolsonarista e por isso não concede mais entrevistas, limitando-se a refutar as acusações. “As suas informações estão erradas”, disse primeiro por mensagem, o que repetiu ao telefone. Tentamos contato ainda com Alexandre Bellizia, irmão de Marcos e também apontado como dono da offshore, mas não obtivemos resposta.

Já Otávio Fakhoury afirmou que faz as declarações anualmente e apresentou à reportagem seus comprovantes de Imposto de Renda, referentes ao ano de 2019, que incluem suas duas offshores. O empresário disse que mantém os negócios no exterior como uma estratégia de “planejamento fiscal”, para fugir dos tributos brasileiros. “Você faz investimento dentro dela [da offshore] e ela só é tributada quando você traz o dinheiro de volta do Brasil”, explicou. O imposto cobrado no Brasil pode chegar a até 27% do capital investido no exterior pela pessoa física.

As offshores de Fakhoury

A primeira offshore de Fakhoury, a Violett Investments, foi constituída em maio de 2009 nas Ilhas Virgens Britânicas, com capital inicial de 50 mil dólares. Ela foi aberta com a assessoria do Trident Trust, um dos maiores provedores de serviços de criação e gestão de offshores do mundo.

No momento da abertura da empresa, Faka — como é conhecido pelos amigos —, com 36 anos de idade, havia acabado de perder o emprego no banco de investimentos Lehman Brothers, até então o quarto maior dos EUA, que faliu devido à crise econômica de 2008 no país, conhecida como crise do subprime. À época, ele era o diretor de câmbio do banco norte-americano no Brasil.

O empresário contou que todo o dinheiro que ganhou no período em que morou fora do país, de 2000 a 2005, está nesta offshore, além de recursos enviados daqui. Com esse dinheiro ele diz que investe “no mundo inteiro”. “Lá é só onde está a empresa. De lá você pega e manda o dinheiro para uma corretora nos Estados Unidos, uma corretora na Europa e compra ações”, explicou, acrescentando que também investe em renda fixa, moedas, commodities, ouro e contrato futuro de ouro e petróleo. “Eu faço do meu telefone”, disse, em tom de brincadeira.

Em janeiro de 2017, quando já tocava os negócios imobiliários da família no Brasil, passou a ser acionista também da Amboy Finance SA, criada em 2004 pelo escritório de advocacia panamenho Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), responsável pela abertura e manutenção de quase metade das empresas de políticos que aparecem nos Pandora Papers. A offshore era de propriedade de seu pai, Oscar Fakhoury, que faleceu em 2016 e a deixou de herança para o filho e a esposa, Dora Carone Fakhoury, mãe de Otávio.

A empresa tinha um capital de 6,6 milhões de dólares (de acordo com avaliação feita em 31 de dezembro de 2016), alocados no UBP Bank, em Genebra, na Suíça. Esse dinheiro, dividido em partes iguais, foi transferido para outras duas empresas, ambas abertas por intermédio do Alcogal: a Resby Finance SA, de Otávio, criada em janeiro de 2017; e a Calmoran Overseas SA, de Dora, que já existia desde julho de 2015. Faka também apresentou à reportagem a declaração de imposto de renda da offshore da mãe referente a 2019. A Amboy foi dissolvida em outubro de 2017.

Irritado ao ser questionado sobre suas empresas offshore, Fakhoury desaconselhou a publicação da reportagem. “Já que você está fazendo jornalismo investigativo, acho que uma boa conclusão é você fazer um julgamento do que achou da minha pessoa”, disse durante entrevista concedida no dia 10 de setembro em seu escritório na Avenida Faria Lima, principal centro financeiro de São Paulo. “Um cara transparente, que não tem nada a esconder. Que tem plena convicção de que sempre agiu dentro da moralidade e da legalidade, das duas coisas, às vezes as coisas são legais, mas se não passa no meu crivo moral, eu não faço”, completou.

Faka alega que foi o responsável por regularizar a offshore herdada do pai junto à Receita Federal, que antes não era declarada, de acordo com ele. “Pagamos uma multa no Banco Central, se eu não me engano”, conta. “O recurso era muito antigo, [existia] desde 1980. Não é lavagem de dinheiro, não é crime, entendeu? É da época que não tinha outra maneira”, justifica.

O despertar político de Faka

Otávio Fakhoury diz ter herdado da família os valores conservadores. Em entrevistas e nas redes sociais, ele se orgulha da atuação que seu pai e tio, Oscar e Roberto Fakhoury, estudantes do Mackenzie, tiveram na chamada “batalha da Maria Antônia” durante a ditadura militar. O episódio marca o confronto, que culminou em uma morte e dezenas de feridos, entre estudantes da faculdade particular como o pai e o tio de Faka, simpáticos ao regime, e os da Universidade de São Paulo, acusados de serem “comunistas”.


Imagem de capa do Twitter de Faka mostra seu pai e tio durante manifestações a favor da ditadura militar
Créditos: Reprodução/Facebook

Inspirado nos ensinamentos de Olavo de Carvalho, ele despertou para a militância política em 2013, aos 40 anos de idade, ao assistir de “camarote”, da janela de seu escritório às manifestações que marcaram o país naquele ano. Desde então, ele apoia e financia movimentos que estiveram ao lado de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.

Fiel aliado do presidente, o empresário foi apontado pela CPMI das fake news na Câmara dos Deputados, instaurada em setembro de 2019, como suspeito de financiar páginas e perfis associados com a disseminação de informações falsas durante a campanha de 2018 e a orquestração de ataques em massa contra opositores políticos. Em 2020, ele virou alvo dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos — este último também aberto pelo STF e arquivado em julho de 2021, após pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.

O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, abriu nova linha de apuração para verificar a existência de uma organização criminosa digital voltada a atacar as instituições, que incluiria investigações sobre a participação de Fakhoury.

Dados obtidos junto à CPI da Pandemia e revelados pela Pública mostram que o empresário financiou também outras organizações conservadoras, como o Instituto Força Brasil, do qual é vice-presidente. De acordo com os documentos, ele transferiu R$ 310 mil para a entidade, investigada por ter participado das negociações paralelas de vacinas junto ao Ministério da Saúde e por ter disseminado notícias falsas sobre vacinação, uso de máscaras e “tratamento precoce” contra a covid-19.

Ainda segundo informações levantadas pela CPI, Fakhoury repassou R$ 50 mil para o Centro de Estudos da Liberdade, ou Farol da Liberdade, idealizado pelos irmãos Abraham e Arthur Weintraub — ex-ministro da Educação e ex-assessor da Presidência, respectivamente —, e doou R$ 65 mil para o Instituto Conservador Liberal, fundado pelo deputado federal e filho 03 do presidente da República, Eduardo Bolsonaro (PSC-SP). Em seu depoimento à comissão, Fakhoury se descreveu como “filantropo” e disse que apoia entidades nas quais acredita. Dentre as organizações às quais doou recursos ao longo da sua história de militância, também está o Nas Ruas, movimento ao qual Marcos Bellizia fez parte.

As empresas de Bellizia

Formado no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (CPOR) em 1989, Bellizia se aproximou da militância bolsonarista durante a pré-candidatura de Jair Bolsonaro para a presidência da República, entre 2017 e 2018. O empresário fundou o Brasil Acima de Tudo, grupo responsável por convocar manifestações a favor da candidatura de Jair Bolsonaro na cidade de São Paulo durante a campanha eleitoral, e que depois se fundiu com o Nas Ruas, movimento criado em 2011 pela hoje deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).