Correio da Cidadania

O fim do impeachment e a simbiose entre bolsonarismo e lulismo

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Foto: Commons Wikimedia

Bolsonaro sobreviveu mais um ano. Alugou seu governo ao Centrão, que cuida do orçamento enquanto a familícia se dedica ao agitprop de extrema-direita (importado dos EUA) por meio de robôs na internet. Mas outro responsável pela sustentação do genocida no poder e pela persistência do bolsonarismo é o próprio lulismo, a quem interessa enfrentar um governo impopular nas eleições de 2022. Repete assim o que o PSDB fez com Lula na época do mensalão, tendo o tiro saído pela culatra – talvez não seja o caso ano que vem.

Para nós do campo socialista e revolucionário, interessa menos saber de eleições: entendemos que a movimentação nas ruas é o motor das mudanças em favor dos trabalhadores. Nesse ínterim, vimos neste segundo semestre de 2021 a luta pelo impeachment morrer nas mãos das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, que blindaram Bolsonaro de olho nas candidaturas de Lula, Boulos et caterva em 2022. O PT e a direita do PSOL são, assim, corresponsáveis pelo genocídio pandêmico que ainda vivemos. O eleitoralismo progressista colabora com o “fascismo” que alardeia combater. Na verdade, com a possibilidade da chapa Lula-Alckmin talvez a palavra de ordem agora passe a ser “fascismo se combate com fascismo”...

A natureza apassivadora do lulismo combina purismo discursivo nas redes e nas ruas (atos com o MBL são proibidos, por exemplo) com total promiscuidade eleitoral – antes com o Centrão, agora com a Opus Dei: com Lula na cabeça, tudo é aceitável. Como típico líder carismático que é, ele pode fugir à narrativa lulista – o que é vedado aos seus apoiadores. Para Lula, não há fascismo nenhum (e não há mesmo), houve apenas um “desajuste emocional” por parte de quem votou em Bolsonaro (1) – o que é outra forma de esconder a dialética que nos levou do lulismo ao bolsonarismo.

Felizmente, as mobilizações ainda continuam: a Frente Povo na Rua dá o exemplo, organizando atos nas periferias de algumas grandes cidades brasileiras. A CSP-Conlutas e sindicatos combativos seguem enfrentando a reforma administrativa em Brasília. São movimentações menores, mas sem os freios que o institucionalismo lulista impõe às ruas. Seus carros de som com “personalidades” partidárias e burocratas sindicais agradam ao velho eleitorado progressista tanto quanto afugentam a juventude e a rebeldia popular que, de junho de 2013 a maio de 2019, e mesmo sob a pandemia, volta e meia lotaram espontaneamente praças Brasil afora, cansados da tradicional política burguesa. Muitos obviamente preferem Lula a Bolsonaro na hora de votar, mas não se animam às ações coletivas em torno dos mesmos nomes e pautas de sempre.

Os trabalhadores sentem que vivem sob um desgoverno, mas veem em Lula tão somente um mal menor ou mais um que “rouba mas faz” – ao contrário de Bolsonaro, que rouba e só faz menosprezar o sofrimento dos mais pobres. Muita gente já intui que a extrema-direita agita as redes sociais, mas não administra os serviços públicos. Trata-se da “laborfobia” do bolsonarismo (2): sua incapacidade de gerir o Estado e a ordem do Capital é ocultada pela propaganda de intervenções governamentais estapafúrdias, que por vezes têm caráter mais simbólico que prático, envolvendo vacinação, ENEM e quaisquer outros temas de grande visibilidade que se sucedem no noticiário.

Enquanto a boiada midiática e discursiva passa, alarmando os incautos, o PT garante votos para a aprovação das PECs de Guedes no Senado e a reitoria lulista na UFRJ abre mão da autonomia universitária ao entregar o hospital do Fundão para um general bolsonarista da EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). A simbiose entre lulismo e bolsonarismo explica parte do que estamos a viver. E só será rompida com muita luta popular, desde já, sem esperar pelas urnas ao final de 2022.



Referências:

    1. Lula ameniza críticas a Cuba e diz que Moro ‘sem toga’ é candidato como ele

    2. Bolsonaro pode ficar sem dinheiro para pagar centrão e aprovar Auxílio Brasil



Marco Antonio Perruso é professor e sociólogo.
Publicado originalmente em Contrapoder.


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